Eu adoro perder para a Argentina. Ainda mais quando os hermanos nos humilham. Tomar 'chocolate' é algo que me fascina. Sou masoquista. Amo ser pisoteado por adoradores de tango e por eleitores dos Kirchner.
Um país que estabelece uma dinastia democrática neoperonista me seduz. Há algo de extraordinário nessas operações nostálgicas que fazem de uma nação um museu arqueológico.
Os Estados Unidos tentaram com os Clinton passar o poder de marido para mulher, mas não conseguiram. Felizmente, já tinham chegado lá, na fórmula tradicional do pai para filho, com os Bush. A população mundial é um rebanho nos currais de poucas famílias.
No Brasil, sempre atrasado, só chegamos a esse patamar de civilização com a família Garotinho, no Rio de Janeiro, já esquecida. Certo é que vibro quando a Argentina nos surra. É a prova de que não somos sempre os melhores do mundo. Graças a Deus. O esporte só é interessante quando os títulos e as medalhas mudam de mão.
Se Michael Schumacher não tivesse parado, a Fórmula 1 teria morrido. Se Phelps continuar nas piscinas, a natação será um tédio. O melhor das competições são as grandes e inesperadas derrotas.
Um atleta que ganha sempre se torna um chato. Tocar com as nádegas no chão pode ser um importante exercício antropológico de relativização. Baixa a crista. O esporte continua a ser, como na época dos nossos ditadores fardados, um instrumento de ufanismo ideológico nacionalista. Galvão Bueno, na Rede Globo, é um Médici do microfone.
Pra frente, Brasil, salve a Seleção. Mas a Seleção não se salva. Brasil, ame-o ou deixe-o jogar mal. Em campo, o time tenta adormecer o adversário com a sua falta de ousadia e de agressividade. Os argentinos não caíram nessa estratégia enfadonha e nos massacraram.
Cada vez mais, o esporte cumpre duas funções essenciais: salvar-nos do tédio dos domingos à tarde e incutir-nos uma boa auto-estima com o chapéu alheio.
É a melhor maneira de fazer ginástica sem precisar sair do sofá. Sem contar que o esporte, especialmente o futebol, serve de alternativa para alguns capítulos de novela. O seu papel mais importante, no entanto, é geopolítico. Entenderam?
Uma Olimpíada serve para desmascarar todas as hipocrisias universais: aceitam-se a censura, o desrespeito aos direitos humanos, partilhar bons momentos com ditaduras, o trabalho infantil, a mentira, o cinismo, tudo.
É uma situação especial em que os países se encontram para celebrar tudo aquilo que não praticam em nome de uma falsa idéia de participação desinteressada.
Cada um quer ser o melhor e pronto. Nada contra. O problema é provar isso na hora do corpo a corpo. No Brasil versus Argentina da última terça, de repente, os clichês se inverteram: a Argentina era o Brasil, o Brasil era a Argentina.
Os argentinos driblavam, dançavam, atacavam e sorriam. Os brasileiros, duros e medíocres, batiam, apelavam, perdiam a cabeça e davam vexame. Os comentaristas buscavam desesperadamente uma explicação racional para o nosso fracasso.
Uma falha em nossa estratégia ou um problema na postura dos nossos jogadores teria de justificar o injustificável. A verdade, contudo, era bem mais simples: os argentinos eram melhores.
A idéia de que, em futebol, o Brasil deve ganhar sempre é uma doce mentira que a realidade teimosamente insiste em negar. Argentina e Brasil são iguais: duas faces do mesmo chocolate ufanista. A hegemonia esportiva é a última palavra do nacionalismo.
Fonte: http://entrelacos.blogger.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário