sábado, 23 de agosto de 2008

A ordem é desacelerar


VERÔNICA MAMBRINI


Nada de apertar a agenda para caber mais um compromisso. Adeptos do slow life declaram alforria do relógio na hora de comer, viajar e trabalhar


SLOW DESIGN

"Stop. A vida parou ou foi o automóvel?" Em poucas palavras, o poeta Carlos Drummond de Andrade expressou a aflição que corre junto com o tempo na cidade. Almoçar um lanche rápido, ficar preso no trânsito, correr para buscar os filhos na escola, descansar, se divertir – são muitas atividades para apenas 24 horas.
Para a maioria dos habitantes das metrópoles, essa rotina é comum. Mas precisa ser assim? Não, pelo menos na opinião dos adeptos do slow life (vida devagar).
Partindo do princípio de que uma pessoa vive em média 700.800 horas e que gastamos 70 mil delas no trabalho, esse movimento defende a idéia de não concentrar tanta energia só nesse aspecto da vida. Mas não há regras rígidas: tudo o que eles querem é liberdade para viver sem atropelos.
O pessoal do slow food, por exemplo, foge das refeições apressadas. Delivery, comida congelada? Nem pensar. Mas há especialidades para todos os gostos na vida slow: andar, vestir, comer, morar, educar, envelhecer, produzir.
Essas formas de viver sem pressa estão no manifesto em que Kakegawa, no Japão (onde nasceu o movimento), se declarou uma cidade slow em 2002, trazendo propostas para uso mais prazeroso e equilibrado do tempo.

SLOW FOOD

O movimento ganha adeptos no Brasil, onde as pessoas começam a se reunir para discutir formas de eliminar os ralos por onde o tempo escorre na rotina. Um dos idealizadores desses encontros é o terapeuta corporal Jorge Mello.
“Organizar mal as prioridades gera frustração, porque você acaba se dedicando demais a coisas que não lhe dizem respeito”, diz Mello.
Em encontros em cafés e piqueniques apelidados de simplenics, as pessoas conversam sobre como obter mais tempo para o que gostam. O equilíbrio entre o que traz bem-estar e o que causa perturbação é chamado de “ponto de suficiência”.
A stylist Vanessa Montoro pode nunca ter pensado nesse rótulo antes, mas vive há tempos conforme o slow life. A criadora de roupas e acessórios em seda tingidos naturalmente aprendeu o prazer de tricotar e crochetar com a avó e o transformou em ofício. “Como o processo é todo manual, levo até 30 dias para fazer uma peça.
É um trabalho raríssimo, que máquina nenhuma consegue fazer”, explica. Isso tem um preço: algumas peças chegam a custar R$ 2 mil. Essa preocupação em produzir artigos que durem e sejam atemporais se enquadra numa tendência chamada slow design.
“Acho o conceito de moda absurdo: ela é passageira, te atropela. Ainda estamos no inverno e as lojas já estão em liquidação! É uma agressão, totalmente contra o que eu faço”, afirma Vanessa.

SLOW TRAVEL

É claro que viver assim em tempo integral é para poucos. Tanto que o movimento slow nasceu em países desenvolvidos. Na Itália, surgiu o slow food.
Depois de ajustes na sua vida, ela mudou o escritório para casa, em São Paulo, concentrou seu diaa- dia no bairro e agora sobra tempo para refeições com a família e os amigos à mesa – como reza a cartilha do slow food.
Os adeptos, que participarão de um encontro mundial em outubro na Itália, pregam a valorização de produtos orgânicos e de pequenos produtores, e claro, dedicação às panelas. “Dá trabalho, mas, se você não abrir esse espaço, ele não existirá”, acredita Cenia.
Essa percepção do tempo que as pessoas tentam controlar está na dimensão psicológica (por isso 15 minutos num consultório médico parecem uma eternidade, mas voam entre amigos) e na social, em que é preciso se desdobrar entre trabalho, família, trânsito, etc.
Para o filósofo Luiz Felipe Ponde, quem adere à tendência passou por uma sofisticação intelectual e econômica. “É quase impossível você ser slow na Etiópia, sempre há custos envolvidos”, afirma.
Sem um centavo no bolso, Mariane Lins Cavalheiro, 24 anos, tinha acabado de se formar em administração quando decidiu passar uma temporada fora do País. Fez as malas e partiu para a Holanda, onde foi trabalhar como babá para uma família.
Descobriu o slow travel como um jeito relativamente barato de aprofundar a experiência. “Em um ano, conheci 11 países”, conta. “Você pode fazer isso em dois meses, mas aí vem a filosofia do slow travel.
É conhecer a cultura, as pessoas e fazer o que você realmente gosta.” Vale conhecer menos, divertindo-se mais. “Afinal, você não tem que voltar cansado das suas férias”, resume Mariane.

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