Bob Fernandes
Dez e meia da noite. Mais uma vez no maravilhoso estádio Ninho de Pássaro, agora para saber quem é o homem mais rápido do mundo, o vencedor dos 100 metros rasos. Pela manhã, com 21s30, César Cielo entrou para a história da natação e do esporte brasileiro ao se tornar o atleta olímpico mais rápido do mundo nos 50 metros nado livre.
Usain Bolt, marrento, simula disparar uma flecha- que seria ele mesmo- três minutos antes do início dos 100 metros, a prova mais importante do atletismo mundial. Vai começar. O estádio emudece. Tiro disparado, um oooohhhh em uníssono percorre as arquibancadas, Bolt larga atrás. Mas a 10 metros da chegada, já desconectado do segundo pelotão, o jamaicano diminui o ritmo, bate no peito e comemora os 9s69, o ouro e o recorde mundial.
Estamos em frente à linha de chegada, jornalistas se entreolham, se espantam com a facilidade, em especial com a diminuição do ritmo para a comemoração antecipada. O homem mais rápido do mundo sapateia, dança, dispara flechas imaginárias e inicia a volta olímpica.
Imperdível, risível, a dúzia de privilegiados fotógrafos que trabalha dentro da pista a tentar alcançar Bolt. Máquinas, lentes e abdomens a sacolejar no rastro das largas passadas do velocista, que busca sua torcida e a bandeira da Jamaica.
Diante das câmeras e lentes, Usain Bolt começa a faturar seus milhões de dólares. Bandeira às costas, segura as sapatilhas douradas, uma em cada mão. Quem filmar ou fotografar o jamaicano nos instantes seguintes à vitória espalhará uma mensagem pelos quatro cantos da Terra: quem calça o humano mais rápido do mundo.
Ver quem são os homens mais rápidos do planeta na água custou caro, muito caro neste sábado, 17. Na sexta-feira a polícia chinesa havia prendido 110 cambistas. Em vão. Vai cair na piscina, para nadar os 100 metros borboleta, o anfíbio que todos querem ver quebrar o recorde de Mark Spitz, 7 medalhas em Munique/72: Michael Phelps, norte-americano como Spitz.
Nas cercanias do Cubo d’água, a disputa por ingressos no câmbio negro. Brasileiros na batalha. César Cielo, cheiro de ouro, vai nadar os 50 metros. Felipe Viera, jornalista gaúcho, resolve pagar pra ver.
Em Porto Alegre, Felipe Vieira tem programas na Band AM, Band News e Band TV. Ele está em Pequim por conta própria, por amor aos esportes e à aventura. Paga ingressos do seu bolso. Sempre no câmbio negro. O colorado, que foi ao Japão ver o Inter sagrar-se campeão do mundo, já é chapa dos cambistas.
A coisa não está fácil. O cambista, inglês, percebe a camisa verde-amarela de Felipe, e sabe que há um brasileiro nas finais da manhã. Pede US$ 600. Felipe regateia mas pensa em pagar. Quando vai meter a mão no bolso, surge um irmão do Norte e pergunta quanto é. O cambista aponta o orecchione Phelps no telão e comunica, sereno: “Mil dólares”.
O norte-americano entrega dez Franklins e pega o ingresso. Felipe, saliva e pergunta: “Tem mais um?”. Resposta: “Tenho, o último, por mil dólares”. O norte-americano que quer assistir Michael Phelps se tornar lenda paga mais mil e leva o último ingresso, para um amigo.
-Não deu, amor, mil dólares… -, desabafa Felipe para a namorada, Allessandra. Ela, em Petrópolis, Porto Alegre, encontra a solução. Felipe Viera, que queria tanto ouvir o hino nacional e ver a bandeira brasileira subir no pódio, acompanha a vitória de Cielo pelo telefone. Lá em Porto Alegre a namorada Allessandra aumenta o som da tevê enquanto Felipe, solitário em frente ao Cubo d’ água, gruda o ouvido no celular. César Cielo é o primeiro ouro do Brasil em Pequim.
Phelps se torna lenda. Nos100m borboleta faz 50s58 e bate o sérvio Mirolad Cavic, que até o último dos seus dias pensará no que perdeu, no que deixou de ganhar. Cavic chegou à borda da piscina à frente, mas vacilou. Phelps, aos 23 anos, tocou a unha antes e por um centésimo de segundo ganhou seu sétimo recorde e ouro.
O recordista de medalhas olímpicas até então estava em Detroit (EUA), onde um dos filhos jogaria basquete neste sábado. Mark Spitz, magnânimo aos 58 anos, resumiu a ópera: “Michael foi épico”.
Um dia para a história dos homens mais velozes nas pistas e piscinas. Usain Bolt dispara suas flechas, exibe suas sapatilhas, dança enquanto o telão do Ninho de Pássaro reprisa a vitória do homem mais rápido do mundo.
Penso na notícia recebida há pouco. Aos 94 anos morreu Dorival Caymmi, mestre da música brasileira. Dele se dizia ser o criador de um novo modo de viver a vida, de se medir o tempo. Existiria um tempo lento, um outro muito lento, e um ainda mais lento, o de Dorival Caymmi. Reprise no telão. Bolt, disparado… tão rápido que São Caymmi desconfiaria.
Fonte: blogbobfernandes.blog.terra.com.br
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