sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Sábado em queda livre:



ALIANÇAS
(J. Flávio Vieira)


Existe uma regra imutável em política interiorana. Tudo é maquiavelicamente permitido. Só existe um erro grave, terrível, um pecado imperdoável : perder . Todas as demais tramóias, armadilhas, safadezas serão pouco a pouco perdoadas , desde que se tenha em mãos aquele solvente perfeito, aquele apagador infalível de pecados : o poder. Assim é perfeitamente esperado e permitido : matar, esfolar adversários, roubar, corromper, estuprar, saquear, comprar votos e consciências, enfim violar os dez mandamentos, os sete pecados capitais , desde que se saia vitorioso no pleito eleitoral. Sartre dizia que o inferno são os outros, na política o inferno são os outros adversários vitoriosos. O poder traz consigo uma espécie de imunidade, uma anistia tácita para todos os crimes cometidos e a cometer. Nada mais reles e solitário que um candidato derrotado nas urnas.
Em Matozinho não podia ser muito diferente. Os períodos pré, pós e eleitoral eram marcados por golpes baixos, falcatruas,conspirações, puxadas de tapetes de todos os tamanhos e cores. Imaginem neste ano a ansiedade que deve estar acometendo os candidatos quando a Justiça Eleitoral proibiu quase que tudo : bandas em comícios, carros de som a toda altura, camisetas. Como pôr a locomotiva política para andar se o combustível da máquina é justamente uma mistura de dinheiro sujo, quinquilharias e promessas vãs ?
Na eleição passada, Matozinho pegou fogo. O prefeito Sanderval Bandeira, conhecido por “Bandalheira”, buscava a reeleição. Do outro lado Bebé Fonseca lhe saíra na oposição junto com Tõim Araguaia , o vice na chapa oposicionista. Tõim mamara nas tetas do PCB, tinha lá um discurso ainda de antes da queda do muro, mas ultimamente resolvera aderir à candidatura direitista de Bebé. Como Lula , descobriu que é impossível chegar ao paraíso sem molhar as barbas nos lagos do purgatório e inferno. Estava ali , pois, na vice de um candidato do PFL, ou do DEMO, já que o partido resolvera assumir suas verdadeiras raízes. O certo é que a coisa pegou fogo. Bebé coordenava uma rede grande de crediaristas e não lhe faltava dinheiro para campanha e Sanderval abriu os cofres públicos no financiamento da própria candidatura. Já há quinze dias do pleito, a derrama de dinheiro e promessas parecia inimaginável.
Consta que Bibiano, um morador de Cel Serapião Garrido, dirigiu-se ao Comitê de Sanderval Bandeira, solicitando um par de alianças : ia contrair matrimônio no fim de semana. Sanderval o recebeu com um abraço e , em meio a uma centena de promessas daquele mesmo dia, arrolou mais esta. Garantiu a Bibiano que no dia do casório ele passasse no Comitê para pegar as argolas matrimoniais. O noivo confiou na palavra do prefeito, talvez fosse o único da cidade que tivesse esta coragem. No dia, conforme combinado, procurou o Comitê e se desesperou. Nada tinha sido providenciado. O casamento estava marcado para as cinco horas e faltavam apenas trinta minutos. E o pior é que o informaram que Sanderval estava num comício na Rua do Caneco Amassado. Partiu para lá, encontrando uma multidão enorme que havia comparecido menos para ouvir a conversa mole do prefeito e mais para ver a banda de forró que animaria o evento. Com dificuldade, começou a romper a multidão , tentando se aproximar do palco, onde Sanderval já pronunciava seu discurso. Tomou chegada e havendo alguma visibilidade, começou a pular e a gritar , com os braços levantados. Os dois dedos da mão esquerda , o fura-bolo e o cata-piolho, formavam uma roda, lembrando a aliança prometida e o indicador da mão direita entrava e saia pela rodinha, lembrando o dedo que receberia a argola matrimonial. De longe, Sanderval vendo aquela marmota , começou a suar frio, não conseguia entender a simbologia e pensou com os seus santinhos :
--- Meu Deus ! Já prometi tanta coisa que não dá pra controlar. E pra aquele ali, que diabo foi que prometi ? Será que foi o cu ?
O certo é que, terminado o comício, os puxa-sacos o tranqüilizaram:
-- Eram alianças seu prefeito, é que o gesto do homem era feio demais, vôte !
Bibiano teve que adiar o casamento e buscar outros meios para adquirir o indispensável utensílio de amarramento de gente em tronco de altar. Rogou praga pra tudo quanto é lado e o bicho tinha língua tinhosa. Sanderval perdeu a eleição para Bebé, por larga margem de votos, embora o IMAPE - Instituto Matozense de Pesquisas Eleitorais houvesse previsto o contrário.
Alguns dias depois da peia eleitoral, Sanderval reuniu seus assessores de Campanha para avaliar o pleito. O que havia finalmente acontecido ? Gastara uma fábula, buscara de todas as maneiras possíveis distribuir com os eleitores favores de todos os tipos e maneira e o resultado havia sido aquele: Nas labaredas do inferno por pelo menos quatro anos! Vários membros do Comitê emitiram sua opinião. Alguns falaram em traição de vereadores, outros acharam que , com as pesquisas do IMAPE, favoráveis a Sanderval , todos tinham se acomodado. Por último, o prefeito, com voz embargada, fez a síntese da derrota eleitoral:
--- Sinceramente, amigos, eu não sei o que aconteceu... Gastei o que a prefeitura não tinha... Dei tudo o que me pediram, tudo ! Só não dei mesmo o cu !
Parou um pouco, fitou tristemente todos e finalizou :
---- Mas também não consta que tenham pedido, não consta não !

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