domingo, 24 de agosto de 2008

A calçada da igreja

Igreja Matriz de Ipaumirim

O cenário desse texto não é um campo de futebol, um clube, um salão de beleza, ou um barzinho ,mas uma calçada, não uma qualquer, a da Igreja de Ipaumirim.
Eu nasci no dia 16 de julho de 1946. Nessa data teve inicio a participação da calçada da igreja na minha vida. Nesse dia pratiquei o primeiro ato imprudente, mamãe pediu a papai que fosse buscar mãe Petronila, para me ajudar a nascer, só que quando ele saiu, resolvi não esperar e nasci sozinha. Na volta quando ele já vinha, sabe onde? É isso aí acertou! Já ouviu o choro e mãe Petronila apenas cortou o umbigo.
Crianças ali ensaiaram os primeiros passos, entre elas estavam: Eu, Maria Luiza, Maria José, Geysa, Antonio, meu irmão e José Strauss, ambos de saudosa memória. Até porque quando as crianças demoravam a andar, as mães levavam seus filhos para a calçada da Igreja, pegavam nas duas mãozinhas e diziam: Vamos pra missa! E iam até entrar na casa do Senhor.
Quem dos arredores dessa localidade nunca brincou ou brigou na calçada da Igreja? Luís Carivaldo, Maria Luiza, Sônia, Chaguinha, Socorro Ribeiro, Rosa Maria, Vilani, Cícero ou Aristóteles, Graças, de Senhor Damião, Flaucides, Escolástica, Fátima Lemos, Faquito, Célia de Dedé, Antocildo,Vanda, Valquiria, José Mujica, Anchieta, Sebastião(Lau), Geraldo, Eraldo de Centor e outros mais. As brincadeiras e os brincalhões ainda se estendiam até dentro da Igreja. Inúmeras vezes, Maria Lourenço e Madrinha Beatriz nos deram broncas por estarmos correndo dentro da casa de Deus. Neli Cassiano cedo da noite ia rezar o terço, também não poupou os “pssius” e repreensões, dizendo: deixe de brincadeira dentro da igreja, menino! Espero que não se ofendam os citados e os que não foram citados também.
E a primeira missa à noite? Perdeu quem não estava lá. Tenho certeza que tinha mais gente na calçada da Igreja do que dentro, cada um que cochichava, que fazia comentários interessantes: quem já viu missa de noite é o fim do mundo; outro respondia: missa tem que ser em latim, o padre de costas para o povo e às 6:00Hs da manhã; outros acrescentavam nunca mais assisto missa!
Na Semana Santa os curiosos e curiosinhos, inclusive eu e meu irmão Antonio, ficávamos na calçada da igreja esperando Julinha e sua amigas(mulheres de vida livre)muito bem vestidas de trajes preto virem assistir as cerimônia da Quinta Feira Santa.Quem lembra o carnaval dos anos 50 em Ipaumirim? Na minha infância três carnavalescos me marcaram: Mundinho, filho de Raimundo Paulo, com trajes de bebê, João Bosco Macedo, com a bicicleta toda enfeitada, o chapéu com dizeres: ou casa de Noca ou mamãe sem nora e Jader(Bereco) que não ficava atrás. E qual seria o melhor local para vê-los passar? A calçada da igreja.
E os hipnotismos do padre Juarez, tinha crianças que bastava ver o padre, já fechava os olhos e começava a sorrir: vendo nossa Senhora ou entrava em desespero vendo o fogo do ínferno. Cícero ou Aristóteles, ao ser hipnotizado chorava vendo a mãe dele e nós, crianças ficávamos comovidas, chorando também, porque fazia pouco tempo que a mãe dele havia morrido. A meninada, logo cedo pela manhã, ao meio dia ou à noitinha já estava sentada na calçada da Igreja, em frente a casa de Zé Macedo.
Acredito, que não houve manifestação maior do que a passagem da imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, talvez tenha sido o maior acontecimento neste local, houve muita emoção, muito choro, acenos com lenços brancos, até pombas deram show.
As missões de Dom Francisco de Assis Pires, também trouxe muita gente para a calçada da Igreja, me lembro de um incidente, que se não fosse trágico, seria cômico, uma mulher passou mal, durante a pregação devido o amontoado de pessoas e o calor, algumas pessoas correram para socorrer e o povo sem entender nada, sem saber o que estava acontecendo corria sem rumo e sem direção. O missionário começou a gritar: Calma, foi um ataque e quanto mais o frade gritava, foi um ataque, mas se entendia foi uma tapa, eu fui escapar na casa de Antonio Dantas, nesse corre corre saiu gente machucada.
Seria interessante citar os nomes dos namorados, dos anos 50 que participaram da história da calçada da Igreja, só que como há muito tempo sai de Ipaumirim, não sei quem casou com quem, então para evitar constrangimentos prefiro abrir espaço para que eles contem suas historias. Citarei algumas travessuras, sem contar os travessos, pois prometi guardar segredo. Na época moça decente, isto é, direita como chamavam os mais velhos, namorava sentado ao lado um do outro e aquele que sentasse muito próximo do namorado, as más línguas das “Caindinhas” ficavam ocupadas por um longo tempo. Nas festas da Igreja havia 2 partidos: azul e vermelho, quem era do azul usava lacinho azul, quem era do vermelho, lacinho vermelho e isso facilitava alfinetes e broches nas mãos da gurizada e a turma começava a brincar correndo, rodeando os casais, muitos desses se sentiam incomodados, o que eles não sabiam era que “os santinhos do pau oco” estavam unindo os casais com broches ou alfinetes e o nosso divertimento era observar quando eles se levantavam.Espero que o(a) mentor (a) dessa astúcia escreva um novo texto contando com mais detalhes.
A calçada da Igreja tinha outra turma cativa: papai, Maria Abreu Adautiva, Auta, esposa de Zé Maria, Socorro e Dorinha Duarte, Socorro Nóbrega, Maria Luiza, Vilani, Blandina, Miriam, Socorro Vieira, Luizete, Maria Gonçalves, Maria de Sousa, Olga, Ilca, Jandira, Anita... os assuntos variavam desde quem seria eleitos: Virgilio Távora ou Parsifal Barroso, até as paqueras ou “Flerts” hoje “ficas” das senhoritas Ipaumirinenses.Tem muito o que se contar da calçada da igreja: a festa do dia das mães; os filmes do padre Argemiro, a espera das aulas de Socorro Pontes, na sala de Carlota, a chegada dos noivos, batizados, anjos e defuntos, a reunião dos moradores do sitio são Pedro no final da feira, aguardando o caminhão, a comemoração da emancipação política; e a espera de uma das visitas mais ilustres de Ipaumirim Dr. Francisco Vasconcelos de Arruda, meu padrinho de batismo, a quem tenho um profundo respeito à sua memória.
Vi da calçada as procissões e as via sacras, os anúncios dos espetáculos do Circo Araujo, a peregrinação de Raimundo Rocha e Joana Doida, o abalroamento de bicicleta em Fátima Lemos, e o namoro de Heitor e Adalgisa, escondido de Dona Glória.
Quem conheceu Luiz Nóbrega, líder político, coerente, firme, hospitaleiro, fiel e Paizão? Não era somente seus filhos Dr. Luiz Filho, Sebastião Nóbrega, Maria Eunice, Maria Luiza, e Vilani, tinha seus filhos de coração Socorro Nóbrega, Maria das Dores e Socorro Duarte, dedicava amor paternal a Maria Abreu, Maria Henrique, Maria Lourenço, tinha outros adotivos: meia centenas de moradores do sitio São Pedro e a comunidade infantil de Ipaumirim. Seus filhos não dependiam de cor, sexo idade ou religião, porque seu coração enorme. Quem da minha idade não teve o afeto e o carinho de papai Lalá? Eu sim e louvo a Deus ,por isso. Mas realmente quero registrar o choro incontido de papai Lalá, na calçada da igreja, quando ele viu em 58, se não me engano, um grande número de pessoas faminta, de sacos vazios nas mãos em busca de alimentos para saciar a fome dos filhos. Imediatamente, após o choro, ele firme e decidido disse: ninguém fecha o comércio enquanto eu for vivo e providenciou alimentos para todos.
Um fato muito triste também aconteceu na minha vida, quando eu estava na calçada da Igreja, minha mãe suicidou-se jogando querosene e ateando fogo a seguir. Talvez tenha sido por isso que as lembranças da calçada ficaram durante tanto tempo em minha memória.
Como a vida é uma sucessão de alegrias e tristezas e uma seqüencia de fatos, a calçada da Igreja continua fazendo parte da minha historia.
Em 1998, após 50 anos, meu filho Pablo Sávio, portador de medalhas de artes marciais na categoria de Kung-fu, fez uma apresentação em meio a multidão e tendo como palco a calçada da Igreja, não sabendo ele nem os presentes que era mais um fato na participação da calçada da Igreja na minha vida. É isso aí...
(Texto de Maria do Carmo Brito Mendes)

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