sábado, 30 de agosto de 2014

As mil faces de Marina Silva, por Guilherme Mello

 Divulgação Band

Em política, uma imagem vale mais que mil palavras. A construção da imagem política é um processo lento, que exige a repetição contínua de alguns mantras e a obstinação de seus seguidores.
Uma vez construída, a desestruturação da imagem de um partido ou candidato pode se provar difícil de se consumar, mesmo com bons argumentos para isso.
No caso do PT, por exemplo, ao longo de sua história constituíram-se duas fortes imagens vinculadas ao partido: a de guardião da ética na política e a de defensor dos mais pobres e trabalhadores.
A primeira imagem, formada enquanto o PT se encontrava na oposição, foi fortemente abalada por alguns escândalos de corrupção ocorridos nas gestões petistas.
Mesmo assim, até hoje o PT não representa, no imaginário da maior parte da população (excluindo-se aí parcelas tipicamente antipetistas), um partido corrupto, apesar do bombardeio midiático incessante contra a agremiação partidária.
Por outro lado, a imagem de partido defensor dos interesses dos pobres e trabalhadores apenas se reforçou com os quase doze anos de governo petista à frente da presidência da República.
Projeto próprio
No caso de Marina Silva, a construção de sua imagem é mais recente. Após cumprir mandato no Senado pelo PT e ser ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina abandonou o partido em busca da construção de um projeto político próprio.
Sua histórica ligação com as causas ambientais iniciaram a construção da imagem de uma militante verde, que apenas se reforçou com seu ingresso e candidatura federal pelo Partido Verde.
No entanto, a causa ambiental, apesar de possuir forte apelo em parcelas da juventude, é insuficiente para construir uma imagem política forte para gabaritar alguém à assumir o cargo máximo da república.
Novidade política?
Sendo assim, outro fator teve que ser agregado à imagem de Marina ao longo dos últimos anos: a de novidade política que propõe uma ruptura com o sistema político atual.
Com essas duas imagens construídas, Marina Silva parece conquistar parte significava da juventude de classe média alta das grandes cidades, que se preocupam com a questão ambiental e gostariam de ver uma nova ordem política no país.
Neste momento em que Marina mais uma vez se lança a presidência da república, nos cabe perguntar: qual o conteúdo por trás de sua imagem?
De galho em galho
Pois vejamos: do ponto de vista político, Marina é uma ex-petista que, após sua saída do PT, passou pelo PV, do qual fez uso como plataforma para organizar sua campanha.
Após desavenças no PV, tentou fundar um novo partido a tempo de servir como plataforma eleitoral para seu renovado projeto eleitoral. Não tendo êxito nesta empreitada, aceitou aderir ao PSB para ser capaz de manter seu projeto de poder vivo.
O projeto político de Marina Silva parece ser a ascensão ao poder de Marina Silva, independente de por qual partido isso ocorra.
Nada mais tradicional no jogo de poder da política brasileira do que políticos com projetos pessoais de poder, independente de partidos e base social, como o caso aqui descrito.
Além disso, Marina é incapaz de explicar como irá governar sem o apoio dos principais partidos políticos constituídos, se valendo de frases de efeito como “governar com os melhores”, que não possuem aderência à realidade do modelo político brasileiro.
Discurso frágil
O fato de sua campanha ser liderada pela família Bornhausen em Santa Catarina e por Heráclito Fortes no Piauí, ambos conservadores políticos tradicionais ex-integrantes do DEM , demonstra a fragilidade do discurso marinista.
Do ponto de vista econômico, Marina Silva não representa nenhuma novidade no debate público. Suas posições sobre o tema, até o momento, são repetições do discurso liberal de Eduardo Giannetti, seu assessor econômico ligado historicamente ao PSDB.
Em recentes declarações, Gianetti tem repetido para quem quiser ouvir que o projeto econômico de Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves, o que ao contrário de representar uma novidade, parece apontar para um retorno ao modelo econômico do governo FHC.
A defesa da redução do papel do Estado, do corte de gastos (inclusive de gastos sociais) e do controle radical da inflação, mesmo que as custas de maior desemprego e de uma recessão, foram plenamente incorporadas no discurso de Marina.
Dúbia e conservadora
Por fim, do ponto de vista dos valores, Marina representa o completo oposto da renovação, possuindo opiniões bastante conservadoras sob qualquer prisma que se analise.
Sua postura sobre aborto, combate às drogas, criminalização da homofobia dentre outros tópicos polêmicos a tornam a candidata mais conservadora do pleito atual no que diz respeito ao debate sobre costumes.
Sua formação evangélica, que lhe serve como base de sustentação política, permite que mantenha em público um discurso dúbio sobre temas polêmicos (como sua proposta de realizar um plebiscito para discutir a questão do aborto), mantendo assim seu eleitorado evangélico ao mesmo tempo em que sinaliza alguma esperança aos eleitores mais progressistas.
Imagem e semelhança
Ao final, o que sobra de novidade em Marina? Apesar de incorporar ao seu discurso a temática ambiental, em todas as outras áreas Marina se parece muito com um político tradicional.
Politicamente, muda de partido com o objetivo de viabilizar seu projeto pessoal de poder. Economicamente, se alinha ao discurso liberal do PSDB, se valendo de ex-tucanos como seus principais assessores.
No quesito dos valores, adota posturas conservadoras e as minimiza posteriormente para agradar algumas parcelas da juventude mais progressista.
Em caso de vitória eleitoral, um possível governo Marina Silva se veria diante do seguinte dilema: garantir governabilidade se apoiando em setores políticos tradicionais dentro e fora do Congresso, o que equivaleria a uma traição aos eleitores que apostaram na ideia de que é possível fazer política de uma forma “nova”; ou honrar seus compromissos com o eleitorado e não ter força política para governar, caindo no risco de paralisia governamental ou mesmo instabilidade institucional.
Caso resolva construir uma aliança com os setores tradicionais,suas recentes declarações e seus apoiadores atuais nos fazem crer que seu governo se aliará aos interesses dos bancos, do mercado financeiro e de parcelas do empresariado, enquanto no Congresso Nacional se verá obrigada a amarrar uma aliança que conte ao menos com o PSDB e o PMDB para lhe garantir governabilidade. O que há de “novo” nessas alianças de poder?
Não seria esse arco de sustentação o retorno à velha coalizão liberal de FHC? Talvez isso explique o recente abandono do ex-presidente ao candidato de seu partido e suas declarações de apoio velado à Marina Silva.
Apesar de seu discurso e suas ações não corresponderem à sua imagem, será difícil a seus adversários desconstruir o mito Marina Silva.
Além de haver pouco tempo de campanha eleitoral, a candidata dificilmente irá assumir posturas muito claras na maior parte do debate, mantendo-se como um “espectro” inatacável. Caso se mantenha bem posicionada nas pesquisas, dificilmente tal espectro irá se materializar em verdadeiros compromissos políticos, seja com os eleitores, seja com outros partidos políticos.
Caso, no entanto, a população passe a duvidar da imagem de Marina, ela terá que se materializar, sair do campo das ideias dúbias e assumir algumas posições concretas. Se isto ocorrer, o “mito” Marina Silva estará seriamente ameaçado, pois suas contradições podem vir à tona e torná-la apenas mais uma dessas boas ideais que se desmancham no ar.
* Guilherme Santos Mello é economista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/Unicamp e professor da Facamp
Fonte: http://brasildebate.com.br/

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Poesia popular


 O poeta João Paraibano estava numa festa e devido a uma confusão com a sua mulher, por motivo de ciúmes desta, foi preso. Conta-se que assim que se viu dentro do cárcere, o poeta (que é analfabeto) aos prantos e em estado de embriagues, proferiu de improviso os seguintes versos para o delegado:

Doutor eu sei que errei
Por dois fatos: dama e porre.
Por amor se mata e morre.
Eu nem morri, nem matei,
Apenas prejudiquei
Um ambiente de classe.
Depois de apanhar na face
Bati na flor do meu ramo.
Me prenderam porque amo
Quanto mais se eu odiasse.

Poeta mesmo ofendido
Sabe oferecer afeto.
Faz pena dormir no teto
Da morada de um bandido,
Se humilha, faz pedido
Ninguém escuta a voz sua,
Não vê o sol, nem a lua
Deixar o espaço aceso.
Por que um poeta preso
Com tantos ladrões na rua?

Sei que não sou marginal,
Mas por ciúmes de alguém,
Bebi pra fazer o bem,
Terminei fazendo o mal.
Eu tendo casa, quintal,
Portão, cortina, janela,
Deixei pra dormir na cela
Com a minha cabeça lesa,
Só sabe a cruz quanto pesa
Quem está carregando ela.

Poeta é um passarinho
Que quando está na cadeia
Sua pena fica feia,
Sente saudade do ninho,
Do calor do filhotinho,
Da fonte da imensidade.
Se come deixa a metade
Da ração que o dono bota,
Se canta esquece da nota
Da canção da liberdade.

Doutor, se eu perder meu nome
Não acho mais quem o empreste,
A minha mulher não veste,
Minha filhinha não come
E a minha fama se some
Para nunca mais voltar.
Não querendo lhe comprar,
Mas humildemente peço:
Se puder, rasgue o processo
E deixe o poeta cantar.


Fonte:http://www.santannacantador.com.br/prosas/texto.php?id=6 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O circo dos horrores no velório de Campos, por Ronaldo Souza




Confesso que me chocou.
Somente 12 dias após a sua morte, escrevo sobre a tragédia que abateu Eduardo Campos e as pessoas que estavam com ele naquele avião.
Preferi assim para não me deixar levar por deduções ou conclusões precipitadas, ainda que desde o início algumas posturas já indicavam o rumo que as coisas iriam tomar.
O comportamento da imprensa em absolutamente nada representa qualquer novidade. A imprensa é isso aí; sórdida.
É inevitável o uso de uma expressão em inglês que é muito utilizada na imprensa mundial:
“Good news is no news”.
Notícia boa não é notícia.
Isso espelha o interesse por situações como essa. A comoção é trabalhada nos mínimos detalhes. Entretanto, não me lembro de ter visto tanta sordidez antes.
Relembremos a morte de Ayrton Senna.
Comoção nacional.
A imprensa, no seu uniforme de gala, nos fez chorar a morte de um ídolo nacional.
O Brasil chorou.
Mas naquele momento, apesar de eventuais abusos, não parecia haver outro sentimento que não fosse a dor pela perda de Ayrton Senna, um ícone nacional.
Parte da própria imprensa chorou junto com o Brasil.
Não foi assim dessa vez.
O que aqueles homens fizeram com os filhos de Eduardo Campos foi absolutamente execrável.
Ali nada reverenciava Eduardo Campos.
Filhos não enterram o político. Filhos enterram o pai.
A dor dessa hora não pode ser substituída por camisetas e punhos cerrados. Aquilo não era uma batalha a vencer.
Ainda que seja o que ocorre com todos nós, ainda que seja o final esperado, representava a primeira grande derrota imposta pela vida a aqueles meninos.
Como impor aquele espetáculo dantesco a crianças de 17, 18, 20 anos naquele momento de dor única e inigualável.
Em nenhum momento eles homenagearam e muito menos respeitaram a perda do pai. Material de campanha política foi distribuído já no velório.
Um verdadeiro veloriomício, expressão que me esforcei muito para não usar como título desse texto, porque chocaria mais ainda.
Confirma-se mais uma vez que o amor de mãe é algo intocável, sagrado.
Ana Arraes, mãe de Eduardo Campos, esteve todo o tempo fora das manifestações que ocorreram nesses dias, desde a morte até o velório e sepultamento de Campos.
E continua assim.
Mesmo antes do sepultamento, o irmão de Eduardo Campos já enchia o peito para anunciar a candidatura de Marina e se insinuava como vice.
Deplorável.
Não se deve avaliar a dor de quem quer que seja e muito menos como ela se manifesta. Como diz Caetano Veloso em uma de suas músicas, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Confesso, porém, que tive certa dificuldade em aceitar o comportamento de Renata Campos, a viúva de Eduardo Campos. Mas depois entendi que na verdade se aproveitaram da sua fragilidade naquele momento. Chegaram ao cúmulo quando tentaram coloca-la como vice de Marina, galgando-a ao posto de maior liderança do PSB.
A viúva de repente se tornara a maior liderança política do partido. Escancarava-se de maneira chocante a jogada política que todo o tempo comandou o episódio que envolveu a morte de Eduardo Campos.
A própria Marina também tentou convencer Renata Campos a ser sua vice.
A vida saudável exige a maturação dos seus acontecimentos.
Há um tempo para a celebração de todos os nascimentos.
E ele começa com a festa interior. A alegria do filho, do neto, do irmão, do sobrinho que nasce tende a se prolongar por toda a vida. Ao mesmo tempo surgem as primeiras dificuldades, os primeiros dissabores. É a vida chegando mais plena e nos dando cada vez mais o lastro para o que virá.
Há também um tempo para a celebração de todas as mortes.
A morte é dor. Doída, insuportável.
Exige um tempo para a reflexão. Daí pode nascer mais força para a vida.
Como terá sido a alegria de Eduardo Campos diante do nascimento de cada um dos seus cinco filhos?
Ele teve esse tempo.
Que papel desempenhará na vida dessas crianças a morte do pai?
Não deram a aqueles meninos o direito de sentir a morte do pai. E não há referencial maior para os filhos do que os pais.
Nossos pais são nossos heróis.
Não lhes permitiram o tempo para o ritual da despedida.
É a hora da dor chorada sozinho, com os irmãos, com a mãe, com a família, com os amigos.
São as primeiras dificuldades, os primeiros dissabores chegando.
Em momentos e de formas diferentes para cada um de nós, mas é a vida que chega através da morte, às vezes parecendo cruel, para nos ensinar a viver, dando-nos cada vez mais o lastro para o que virá.
É a maturação da morte na nossa alma.
Tão necessária à nossa vida.
E os demais?
Abutres.
É o que todos eles são.
Vão usar essa morte por algum tempo.
Um tempo com validade definida.
Aí Eduardo Campos finalmente descansará em paz
E será chorado só pela família.
Que os demais continuem a sua festa.

Fonte:http://jornalggn.com.br/noticia/o-circo-dos-horrores-no-velorio-de-campos-por-ronaldo-souza#.U_vYmtomA84.facebook 

As nuvens se movem (quanto mais as intenções de voto)

Michel Zaidan


Como era de se esperar, a primeira pesquisa de intenções de voto, depois da morte do ex-governador e do ato político-eleitoral que a seguiu, juntamente com a exploração da mídia, mostrou os efeitos conjunturais da tragédia no comportamento eleitoral dos votantes. Já se sabia, há muito tempo, que o potencial político de uma eventual candidatura de Marina Silva era muito maior do que a de Aécio Neves, que convenhamos, não se constitui propriamente numa novidade para o eleitor brasileiro: representa a volta da agenda gerencial e privatista do governo do FHC, sem o brilho acadêmico deste último. A candidata pentecostal - vinculada à Assembléia de Deus - esta sim, poderia encarnar o espírito (e a carne) da novidade, ao esconder, com uma retórica ambiental, o conservadorismo de base de sua candidatura. Agradaria a gregos e troianos: aos religiosos fundamentalistas e aos verdes. Pousaria de defensora da família cristã unida e de protetora do meio-ambiente, como crítica das injunções entrópicas do chamado "desenvolvimentismo" de Dilma e, paradoxalmente, de Eduardo Campos.
           Mas, o que faz da candidata evangélica um cometa eleitoral é a marca "anti-Dilma" que ela carrega consigo depois da eleição passada. Apresentando-se como uma vestal no cenário sórdido da campanha política, Marina pode alegar que saiu do governo petista porque ele trocou o meio-ambiente pelos imperativos do crescimento econômico a qualquer custo, partiu o IBAMA em dois pedaços, acelerou a concessão de licenças ambientais, fez a opção pelo agro-negócio, abandonou a reforma agrária etc. etc. etc. Ela não, ainda tem as mãos limpas, é uma bem intencionada, acredita em sonhos, e esse discurso tanto pode arrebanhar votos da juventude, como da classe média urbana descontente com as denúncias de corrupção no governo petista, e ainda a extensa base religiosa das várias igrejas pentecostais e neo-pentecostais. Acrescente-se a isso a postura defensiva de Dilma Rousseff nos debates eleitorais, a sua insegurança, a sua tensão.
          No entanto, há algo de curioso nesse fenômeno eleitoral "postmortem" eduardiano. Há  algo de curioso e inquietante no engajamento de pessoas da classe média na exaltação político-eleitoral do PSB, nos bairros nobres da cidade. 0 que leva este extrato da população recifense a vestir  a camisa de uma candidata pobre, doente, negra e  pentecostal? - que fez toda carreira política e sindical no PT e no governo LULA - como se fosse a "virgem do contestado" que viria redimir a política brasileira de seu vícios de deformações seculares. Será que tudo isso é obra e graça da mera espetacularização do velório e funeral do esquife do ex-governador?0 que há por atrás disso tudo?  - As artimanhas da família e dos marqueteiros do PSB?
          É isso que tem de ser investigado com profundidade e isenção. 0 que alimenta o dinamismo da conjuntura e as mudanças de intenção de voto,  pode ser uma vontade de renovação - sobretudo de setores médios  e da juventude - numa disputa sem novidades políticas e eleitorais. Vontade capturada  pela candidatura de Marina Silva (como terceiro elemento). Mas não é de se desprezar o investimento emocional e material da oligarquia de Pernambuco, que naturalmente não deseja perder o controle da sucessão estadual e nacional.
          Vamos nos preparar para o embate entre o candidato de retrocesso, a candidata obscurantista (embora travestida de pós-moderna) e "mais do mesmo". 0 Brasil merece mais do que isso!

Michel Zaidan é filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
 
Fonte: http://blogdojolugue.blogspot.com.br/2014/08/michel-zaidan-as-nuvens-se-movem-quanto.html?spref=fb

Para refletir

Penso rápido
 
por Pedro Correia, em 27.08.14
 
Devemos ter sempre a noção muito clara que a democracia é um bem precioso mas extremamente frágil. E há quem se aproveite dela, a todo o momento, para a exterminar. O populismo, a demagogia, os nacionalismos, a xenofobia, o radicalismo identitário são instrumentos políticos de que se usa e abusa - à esquerda e à direita - para estrangular a democracia. Não devemos perder de vista as lições da história. Em 1900, na chegada ao século XX, muitos pensadores e um número incontável de políticos embriagados de "optimismo" e "modernidade" vaticinaram um mundo de imparável progresso. Ninguém imaginava então que esse seria o século dos maiores morticínios registados desde sempre e das mais tenebrosas ditaduras. Ninguém supunha que nesse mesmo século então emergente seria inventada a mais terrível das palavras: totalitarismo.
Nada mais ilusório do que o optimismo histórico, nada mais enganador do que a noção de que existe necessariamente um "final feliz" e redentor na sucessão dos ciclos históricos.
Fonte: http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O terno abençoado de LSD anima qualquer culto

 Basta passar o terno nas irmãs que a festa começa



TUNTS TUNTS TUNTS TUNTS TUNTS
TUNTS TUNTS TUNTS TUNTS TUNTS


Música gospel é o caralho, eu quero é fritar nessa porra!!!!! UHAUHAUHAUHAU…….. olha….. eu sinceramente não sei o que pensar disso tudo. Sei que esse pastor precisa emprestar o terno pro pessoal do Tomorrowland Brasil.
As mina cai. As mina roda. As mina fica tonta. As mina pula. As mina paga o dízimo. Ô terninho bom, hein? Bateu forte a onda UHAUHAUAH, é tanta coisa errada nesse vídeo que não da pra comentar tudo. Já revi umas 10 vezes e cada vez fica mais engraçado. Lembre-se jovem: não use drogas, use religião!

Fonte: http://www.naosalvo.com.br/

"Tudo que é sólido desmancha no ar"


Campos estendeu incentivo fiscal à empresa dos aviões, que está sendo executada pela União

24 de agosto de 2014 | 09:10 Autor: Fernando Brito
incentivo

A Folha mostra hoje, com a reportagem “PF vai investigar se avião foi comprado com uso de caixa dois“, o quanto é explosiva para a campanha do PSB a questão da propriedade da aeronave que matou o candidato Eduardo Campos, há 10 dias, em Santos.
Não foi à toa que outro “especialista aeronáutico”, Aécio Neves, partiu para cima do tema, apavorado com a erosão eleitoral que Marina Silva está lhe causando.
A Folha afirma que há um documento assinado com a empresa proprietária do avião, a AF Andrade – um grupo de usineiros em situação pré-falimentar e interesses em vários estados-  dizendo que a BR Par e a Bandeirantes Companhia de Pneus assumiriam a aeronave, por R$ 16 milhões.
Segundo a Folha, a BR Par não existe no endereço indicado na Junta Comercial. Nem poderia, porque lá funciona a S&A Serviços Empresariais, que se presta à tarefa de, entre outras, hospedar empresas de participações que só existem no papel.
Resta a Bandeirantes Companhia de Pneus.
Esta é um embrulho de dar gosto, como já apontei aqui, que é proprietária também do Learjet prefixo PP-ASV, que servia antes à campanha do presidenciável (clique aqui para ver o registro deste avião)
E é destinatária  de incentivos fiscais do Estado de Pernambuco.
Os benefícios do Prodepe, um programa estadual que renunciou, no total, a R$ 232 milhões de ICMS, eram concedidos desde o final de 2006 à empresa Bandeirantes Renovação de Pneus Ltda., que trabalhava com pneumáticos usados e foram estendidos por Eduardo Campos, em 2011 para a Bandeirantes Companhia de Pneus SA, que transferiu sua sede para a Paraíba.
O decreto está publicado na página 12 do Diário Oficial de Pernambuco, à página 12 da edição de 24 de setembro de 2011.
Não posso afirmar, é claro, que isso seja irregular. Existe aprovação de órgãos inferiores. Mas é engraçado que uma empresa de distribuição de pneus que tem capacidade para comprar um Learjet  (pelo menos este, para não falar do outro, no qual se disse apenas “interessada”) ande precisando de abatimento nos impostos.

devo
Impostos, aliás, dos quais  a Bandeirantes foge de pagar.
Há vários processos da União cobrando impostos devidos pela empresa, como este que reproduzo ao lado e que se amplia ao clicar.
A Certidão de Débitos da empresa, que é de acesso público, registra que  ”constam débitos relativos a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) com a exigibilidade suspensa, nos termos do art. 151 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN)” ( ou seja, contestados judicialmente)  e que “constam nos sistemas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) débitos inscritos em Dívida Ativa da União com exigibilidade suspensa, nos termos do art. 151 do CTN, ou garantidos por penhora em processos de execução fiscal”.
 Mas para avião para ceder a candidato amigo, sobra dinheiro.
Se cavarem a história desta Bandeirantes (ou destas Bandeirantes, porque existe também uma Sociedade Limitada, funcionando no mesmo endereço) vão encontrar uma coleção de empresas de importação de pneus (usados e novos) que opera através do Porto de Cabedelo, na Paraíba.
Com um passivo tributário e uma história de autuações e contenciosos ambientais terrível, que surgirá à medida em que as investigações avançarem.
FONTE:  http://tijolaco.com.br/blog/?p=20307

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Portrait

 Jr. Walker Evans

 “Os olhos trafegam em sentimentos, não em pensamentos” 
Walker Evans

"Walker Evans nasceu a 3 de Novembro de 1903 em Saint Louis, EUA, mas passou maior parte da sua infância em Chicago na cidade de Illinois, e faleceu a 10 de Abril de 1976 em New Haven também nos EUA. Quando os seus pais se separaram, Evans e a sua mãe mudaram-se para Nova Iorque. Em 1922, quando terminou os seus estudos do secundário, decidiu que queria ser escritor, e em 1926 decidiu ir para Paris, mas descobriu a sua paixão pela fotografia durante os anos 20. Após o retorno de Paris e impossibilitado como escritor, entregou-se à câmara fotográfica. Foi um fotógrafo estado-unidense. Os seus primeiros trabalhos já exibiam a sua visão objectiva e extremamente atenta ao pormenor. Em 1935 entrou ao serviço da F.S.A. (Farm Security Administration), um organismo federal criado por Roosevelt para dar solução à crise agrícola dos EUA durante o período da Grande Depressão. Usando a fotografia como prova da miséria em que viviam os agricultores americanos, Evans registava o quotidiano com precisão objectiva, honrando, apesar de tudo, a pobreza em que estes agricultores viviam. Em 1938, depois de concluir o seu trabalho para a F.S.A., o Museu de Arte Moderna de Nova York honrou a obra de Evans com uma exposição, a primeira dedicada por este museu a um fotógrafo." 

Fonte: http://pt.slideshare.net/patriciaalexandravieira/walker-evans-15003915

domingo, 24 de agosto de 2014

Finalizando o domingo


Dizer Não

Dizer não


Reprodução parcial da crónica «El que dice no», de An­to­nio Mu­ñoz Mo­li­na, publicada na Babelia de 17 de Maio de 2014.


Há uma beleza própria no gesto daquele que diz não, com calma e firmeza, por vezes com fúria, ou que diz não ao inimigo ou ao déspota que deseja subjugá-lo. E também no que diz não aos que esperavam e confiavam em que dissesse sim, aos próximos, aos seus, aos que se sentirão magoados, quando não traídos, pela sua inesperada negativa. Aos que, talvez depois de o haverem nomeado filho dileto, decidem rebaixá-lo a filho pródigo. Há um não heroico que conduz com toda a certeza ao cativeiro e à morte, e esse é um não que não pode exigir-se a ninguém, porque ninguém está em condições de exigir o que não sabe se ele próprio faria, ainda que existam seres humanos suficientemente mesquinhos para julgar com dureza aqueles que sofreram muito mais que eles.
Uma das vantagens menos celebradas da democracia é que exclui a necessidade do heroísmo na vida pública. Dizer não numa tirania acarreta a desgraça imediata, e não apenas para quem decide não seguir a corrente, mas para todos os que o rodeiam. Os regimes totalitários acreditaram sempre na culpabilidade por parentesco, por contágio. Se a um cidadão soviético acusassem de conspirador ou de inimigo do povo, as consequências pagava-as equanimemente toda a sua família. Num livro que aborda da heroicidade de dizer não, e de dizer não podendo facilmente ter dito sim, o historiador alemão Joachim Fest contava a perseguição a que os seus irmãos e ele próprio se haviam visto submetidos quando o seu pai, um diretor de escola que militava no Partido Católico do Centro, se negou a jurar lealdade ao regime de Hitler. Há formas subtis de integridade que apenas conhecem aqueles que as viveram. Na Alemanha, conta Fest, muitas pessoas que se opunham aos nazis tomavam a precaução, ao sair à rua, de levar as duas mãos ocupadas com algo, e assim tinham uma desculpa para não levantar o braço na saudação obrigatória. O seu pai, o digno católico conservador que não cedia nem um milímetro, negava-se também a secundar essa astúcia, e saía com as mãos livres. Ir pelas ruas com as mãos nos bolsos pode ser um gesto de heroísmo.
Há um não secreto e formidável naquele momento em que Boris Pasternak e Vasili Grossman decidem, cada um por si, escrever um romance que por contar a verdade sobre o horror das vidas destroçadas pela tirania correram o perigo certo da censura e de que os seus autores acabassem na prisão. A integridade da experiência que exige a criação de uma obra de arte é incompatível com qualquer cedência ou qualquer deferência perante os censores. Em 1973, durante o sinistro final do franquismo, Juan Marsé concebeu aquele que iria ser o seu romance mais radical até então, o mais poderoso, o mais sombrio, o mais perto do coração da sua memória infantil e da sua consciência política, Si te dicen que caí. E porque esse romance era tão importante para ele, decidiu escrevê-lo, contaria anos depois, como se o franquismo não existisse, com uma liberdade de espírito que não aceitava rebaixar-se ao nível da menor concessão, pois aceitá-lo teria coberto de infâmia o mais nobre que possuía.
O não começa por ser muito pouco, uma sílaba dita de forma solitária, ou nem tanto, um simples gesto da cabeça, que pode por vezes redundar em revolta coletiva, mas preserva sempre a sua irredutível semente individual, pois há uma parte da consciência que se manterá em guarda contra as coações do coletivo e do unânime, e porque o cidadão digno negar-se-á sempre a dissolver-se na massa. Durante a greve dos trabalhadores do lixo, em Memphis, na primavera de 1968, cada grevista levava nas manifestações um cartaz idêntico, embora individual, que reclamava, inclusive na luta coletiva, a singularidade de cada pessoa: comove-nos ver nas fotografias a preto e branco esses homens, dignamente vestidos apesar da sua pobreza, exigindo entre todos a dignidade de cada um: «I Am a Man». Sozinha, sem cartaz, com os seus óculos, com o seu sorriso largo, com as suas mãos de trabalhadora poisadas sobre o colo, Rosa Parks disse que não quando lhe exigiram que cedesse o seu lugar no autocarro a um passageiro branco, e essa negativa foi muito mais poderosa porque uma só pessoa, uma mulher, se atreveu a exercê-la. (…) Em plena epidemia de fervor evangélico, na pequena cidade de Amherst, no seio de uma família religiosa, Emily Dickinson escolheu dizer que não: «Alguns observam o sábado indo à igreja, eu observo-o ficando em casa».
A democracia torna em larga medida desnecessário o heroísmo, mas não liberta o dissidente dos incómodos e dos desgostos de escolherem o sentido oposto. Mais ainda nestes tempos nos quais se difunde com tanta facilidade o que Jaron Lanier chamou de «maoismo digital», a súbita agressividade coletiva contra uma só pessoa. O que está só e dá a cara é ainda e sempre vulnerável: no anonimato de Internet podem desfrutar-se como nunca os velhos prazeres do ultraje unânime e do linchamento. Mas (…) sendo humanamente compreensível que nas ditaduras alguém baixe a cabeça por medo da polícia, nas democracias é inaceitável que muita gente, que poderia e deveria falar, diga sim em vez de não apenas pelo medo de não estar na moda, de não fazer como os outros.

FONTE: http://aterceiranoite.org/2014/06/08/dizer-nao/

Quem tem razão contra Quem tem razão




israpalest
AFP/Jaafar Ashtiye

Ainda um dia me esforçarei por compreender as razões profundas que levam a que o conflito israelo-palestiniano seja o tema de política internacional que maiores clivagens cria na opinião pública. Ao ponto de toldar pessoas habitualmente razoáveis ou de incompatibilizar outras que pouco antes de se zangarem partilhavam opiniões próximas sobre muitos assuntos. E isto acontece há décadas. Pelo menos desde as rápidas mas brutais guerras dos Seis Dias (1967) e do Yom Kippur (1973), quando os mais duros dos duros militares israelitas, comandados no terreno por homens como Moshe Dayan ou Ariel Sharon, tomaram conta de Israel, ampliando a ocupação sionista do território da Palestina e deitando por terra qualquer possibilidade de um entendimento com a antiga OLP. A sua atitude de impiedade e conquista favoreceu ao mesmo tempo o crescimento de setores palestinianos radicalizados que excluíam qualquer acordo, presente ou futuro, com Tel Aviv. A partir dessa altura a paz transformou-se numa miragem. E o sofrimento, sobretudo o dos mais fracos, não mais parou, regressando periodicamente aos paroxismos de violência e assassinato em massa como aqueles a que estamos a assistir.
Pode dizer-se, em abono das posições extremas e de ódio ao ódio, que perante o horror dos bombardeamentos indiscriminados que o exército de Israel está agora a lançar sobre a Faixa de Gaza, existem limites da desumanidade que requerem atitudes imediatas e frontais, sem panos quentes, de protesto, repúdio público e busca de uma solução rápida e eficaz. Estou de acordo com este princípio e por isso defendo que a primeira medida, uma medida mínima, implica a forte condenação internacional do governo de Israel, o seu isolamento, pela política de genocídio que, em nome do combate ao extremismo do Hamas, está a levar a cabo sobre uma população indefesa e sem possibilidade de escape. Colocada até, em alguns casos, entre dois fogos. Mas tal não pode implicar um encolher de ombros por parte dessas mesmas pessoas diante dos assassinatos em massa que ainda há poucas semanas tinham lugar, por exemplo, na Síria, e em relação aos quais a «capacidade de indignação» referente à existência de alvos humanos civis se não fez sentir de qualquer forma. A dualidade de critérios apenas se entende dado quem a pratica não colocar o valor da vida humana no centro das suas preocupações, aceitando a possibilidade de existirem atrocidades más e outras «boas», consoante o lado que as aplica ou a teia de interesses políticos que as condiciona. Desta forma, a sua indignação, por muito justa que possa ser, e neste caso é-o, perde força e autoridade moral.
Nestes termos, é fácil cair em armadilhas, confundindo o odioso da intervenção comandada a partir de Tel Aviv com uma espécie de essência maléfica da generalidade dos israelitas diante da qual qualquer outro comportamento, como o aplicado pelo Hamas – que sabemos só não ser de idêntico calibre dada a desproporção da força militar disponível e que, como também é sabido, não representa, nem de longe, a generalidade dos palestinianos – surge como quase benévolo. Não sei a quem serve, que não a um prazer mórbido em distorcer as razões do ódio, inventar histórias como a dos israelitas que assistem aos bombardeamentos como a um espetáculo (Franco serviu-se da mesma invenção em 1936, quando dos 70 dias de bombardeamento republicano sobre o Alcázar de Toledo) ou a da deputada do Knessett que exigia que «todas as mães palestinianas sejam executadas» (nenhum jornal ou agência de informação credível divulgou tal «notícia»).
Estes exemplos são extremos, bem sei, mas são elucidativos a respeito da forma como a defesa irracional de uma causa pode causar danos. Em primeiro lugar, à própria causa, que nada ganha com tais invenções. Mas também ao seu sentido da luta pela justiça, que deixa de ser contra o governo israelita e os setores do centro e da direita que o apoiam, aplicando-se a todos os cidadãos de Israel, muitos dos quais se têm erguido, entre grandes perseguições, contra a guerra em curso e por uma solução pacífica do conflito. Os portugueses que viveram parte das suas vidas do lado da luta contra o regime ou no exílio recordarão como eram internacionalmente culpabilizados e apodado de «fascistas» pelos crimes da Guerra Colonial.
De facto, qualquer pessoa avisada, justa, e com um sentido da história que ultrapasse o que pode divisar-se apenas a dois palmos do seu nariz, sabe que o fim do conflito no Médio Oriente e do confronto israelo-palestiniano passará sempre, mais tarde ou mais cedo, por uma solução de compromisso, com responsabilidades repartidas. Esta solução implicará dois Estados lado a lado, numa base de igualdade e tendo Jerusalém como capital partilhada; a esta separação pacificada estariam associadas reparações financeiras e morais para os refugiados palestinianos, com possibilidade de viverem no seu estado independente ou de poderem regressar às suas terras de origem. Outra solução, minoritária mas também apoiada por muita gente que quer a paz – assim a pensaram intelectuais como o israelita Amos Oz ou o palestiniano Edward Saïd –, passaria por um único Estado com direitos iguais para todas as religiões e povos que vivam no seu território. Em qualquer caso, o governo israelita teria de ceder, passando a respeitar os direitos dos palestinianos e a legalidade internacional, só assim deixando de ser tratado como um governo pária. Tal como os setores extremistas e fanatizados do Hamas deveriam ser limitados no seu desejo expresso de expulsar todos os judeus da Palestina, o que, para além de historicamente injusto, criando, a acontecer, um novo problema humano, é política e militarmente impossível.
Claro que para se chegar a essa situação permanece quase tudo por fazer – ao fim de todas estas décadas, é verdade, quase estamos de novo na estaca zero –, a começar pela necessidade absoluta de palestinianos e israelitas serem capazes de afastar das suas lideranças e das suas alianças de circunstância aqueles que, em nome de projetos imperiais ou de fidelidade a um deus superior, tudo fazem para impedir uma solução de aproximação que não se traduza na anulação impiedosa do outro. Mas será esse o primeiro passo para que se torne possível começar a lamber as feridas e iniciar a via longa e dolorosa do tratamento de ódios tão profundos quanto compreensíveis. Percebendo-se que a luta não é, as palavras são de Oz, «entre quem tem razão e quem tem razão», entre os assassinos sionistas e os algozes islamitas, entre quem sustenta um estado confessional fundado na força das armas ou outro nas mesmas condições, mas contra quem se aplica todos os dias em impedir um estado de paz, de desenvolvimento e de democracia para a região e para os seus povos. Produzindo ondas de choque que chegam às nossas casas. Um dia elas terminarão, todos o esperamos, mas não será a cegueira a consegui-lo.

Fonte: http://aterceiranoite.org/2014/07/25/quem-tem-razao-contra-quem-tem-razao/

    sábado, 23 de agosto de 2014

    O dia da criação

    Vinicius de Moraes/ Rio de Janeiro , 1946

    Macho e fêmea os criou.
    Bíblia:
    Gênese, 1, 27

    I

    Hoje é sábado, amanhã é domingo
    A vida vem em ondas, como o mar
    Os bondes andam em cima dos trilhos
    E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.

    Hoje é sábado, amanhã é domingo
    Não há nada como o tempo para passar
    Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
    Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

    Hoje é sábado, amanhã é domingo
    Amanhã não gosta de ver ninguém bem
    Hoje é que é o dia do presente
    O dia é sábado.

    Impossível fugir a essa dura realidade
    Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
    Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
    Todos os maridos estão funcionando regularmente
    Todas as mulheres estão atentas
    Porque hoje é sábado.


    II

    Neste momento há um casamento
    Porque hoje é sábado.
    Há um divórcio e um violamento
    Porque hoje é sábado.
    Há um homem rico que se mata
    Porque hoje é sábado.
    Há um incesto e uma regata
    Porque hoje é sábado.
    Há um espetáculo de gala
    Porque hoje é sábado.
    Há uma mulher que apanha e cala
    Porque hoje é sábado.
    Há um renovar-se de esperanças
    Porque hoje é sábado.
    Há uma profunda discordância
    Porque hoje é sábado.
    Há um sedutor que tomba morto
    Porque hoje é sábado.
    Há um grande espírito de porco
    Porque hoje é sábado.
    Há uma mulher que vira homem
    Porque hoje é sábado.
    Há criancinhas que não comem
    Porque hoje é sábado.
    Há um piquenique de políticos
    Porque hoje é sábado.
    Há um grande acréscimo de sífilis
    Porque hoje é sábado.
    Há um ariano e uma mulata
    Porque hoje é sábado.
    Há uma tensão inusitada
    Porque hoje é sábado.
    Há adolescências seminuas
    Porque hoje é sábado.
    Há um vampiro pelas ruas
    Porque hoje é sábado.
    Há um grande aumento no consumo
    Porque hoje é sábado.
    Há um noivo louco de ciúmes
    Porque hoje é sábado.
    Há um garden-party na cadeia
    Porque hoje é sábado.
    Há uma impassível lua cheia
    Porque hoje é sábado.
    Há damas de todas as classes
    Porque hoje é sábado.
    Umas difíceis, outras fáceis
    Porque hoje é sábado.
    Há um beber e um dar sem conta
    Porque hoje é sábado.

    Há uma infeliz que vai de tonta
    Porque hoje é sábado.
    Há um padre passeando à paisana
    Porque hoje é sábado.
    Há um frenesi de dar banana
    Porque hoje é sábado.
    Há a sensação angustiante
    Porque hoje é sábado.
    De uma mulher dentro de um homem
    Porque hoje é sábado.
    Há a comemoração fantástica
    Porque hoje é sábado.
    Da primeira cirurgia plástica
    Porque hoje é sábado.
    E dando os trâmites por findos
    Porque hoje é sábado.
    Há a perspectiva do domingo
    Porque hoje é sábado.


    III

    Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação.
    De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
    E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
    E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
    Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
    Na verdade, o homem não era necessário
    Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
    Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
    Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
    Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
    Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
    Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
    Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
    Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
    Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
    Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia,
    Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
    A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
    A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
    Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
    Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
    Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
    Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
    E para não ficar com as vastas mãos abanando
    Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
    Possivelmente, isto é, muito provavelmente
    Porque era sábado. 
    Fonte: http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-avulsas/o-dia-da-criacao

    sexta-feira, 22 de agosto de 2014

    Cine Ipaumirim: Um domingo tropical




    Aos amantes da fotografia




    Vallée de l´Huisne, albumina de prata(1858)
    Camille
     Silvy (1834-1910) 
    A fotografia nos primórdios,
    quando se limitava a imitar a pintura. 
     
    Fonte: http://antreus.blogspot.com.br/

    quinta-feira, 21 de agosto de 2014

    Livra-me de mim, por Fernando Pessoa




    Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte!
    O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!
    Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também.
    Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo.
    Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
    Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.
    Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
    Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
    Senhor, protege-me e ampara-me.
    Dá-me que eu me sinta teu.
    Senhor, livra-me de mim.

    Fernando Pessoa em 'O Eu Profundo' - 1912(?) 
    Fonte:  http://assisprocura.blogspot.com.br/

    quarta-feira, 20 de agosto de 2014

    Lembrando de Alberto Moura


     Alberto Moura
     
    Uma vez, seu Alberto me contou um episódio que aconteceu em Cedro e que eu lembrava só um pedacinho do final do verso. Virei mundos e fundos buscando por esse pedacinho recuperar o verso e o contexto onde ele se insere. 
    Acabei encontrando num artigo de Barros Alves publicado em http://www.oestadoce.com.br/noticia/mocas-da-vaca-braba na página de Opinião. O texto chama-se As moças de vaca brava onde o autor conta uma anedota publicada por Padre Antonio Vieira, nascido em Várzea Alegre, no seu livro Sertão Brabo.
    Transcrevo para vocês um recorte de texto do artigo com o verso que procurei durante muito tempo.

    (...) em Cedro, município do centro-sul do Ceará, existe uma localidade chamada Vaca Brava, mesmo nome do rio que banha a cidade. Certa feita, um morador do lugar convidou uma dupla de cantadores para realizar uma cantoria na residência dele. Simultaneamente, um vizinho inventou de fazer um forró. À noitinha tome verso e viola e nada de ninguém aparecer para ouvir os cantadores. Todo mundo passava para ir balançar o esqueleto no “samba” do vizinho. Então, um dos cantadores, já amuado com a situação, resolveu provocar:

    As moças da Vaca Braba
    São todas doidas por dança,
    Se abufelam com os rapazes
    Juntando pança com pança,
    Nunca vi uma vaca braba
    Ter tanta garrota mansa.

    Fonte:  http://www.oestadoce.com.br/noticia/mocas-da-vaca-braba

    terça-feira, 19 de agosto de 2014

    Agosto

    por Teresa Ribeiro, em 17.08.14


    Acho que não cheguei a dizer-te que a D. Idalina deixou a loja, reformou-se, e que agora está lá um indiano. E que a prima da Paula também vai emigrar. Foi tão pouco tempo, ainda tanta coisa por dizer, não deu para nada.
    - Os dias passam a correr, qualquer dia já estás cá outra vez.
    Já sinto saudades e ainda nem partiste. Quem dera ter já acabado as minhas férias, para não ficar a ver o tempo passar devagar, devagarinho, sem ti.
    - Pois é, o tempo voa.
    A Versailles agora tem esplanada, se calhar não viste. E o jardim do Campo Grande ficou pronto.
    - Puseste o bilhete de avião e o passaporte na bagagem de mão?
    - Estão aqui.
    Não é isto que eu te quero dizer. Vais-me fugir outra vez e não consigo dizer-te o que quero.
    - Logo telefono, quando chegar.
    "Adoro-te", era isto que eu te queria dizer, mas não posso.
    - Sim, não te esqueças.
    Em 365 dias tenho-te vinte. É uma tortura.
    - Felizmente temos o skype.
    - Pois, no tempo em que não havia nada, só o telefone e as cartas do correio, era muito pior.
    Mas e o teu cheiro? Onde é que no skype posso sentir o teu cheiro?
    - Viste como está lá o tempo?
    - Sim, dizem que também vai estar calor.
    Sou uma piegas, isto é bom para ele. Toda a gente diz. Lá ganha 3000, aqui ganhava 700. É bom, dá-lhe currículo, dá-lhe mundo. É tão bom. Devia estar feliz, devia sentir aquilo que toda a gente diz que eu devia sentir. Estar orgulhosa e pensar que isto é uma aldeia global e que num instante estamos em qualquer lado e a começar uma nova vida e a ter muitas experiências. Aplicar a teoria à prática e por uma vez ser também empreendedora, forjar um amor menos exigente, mais flexível e 100% digital, para substituir este que me deixa a morrer de cada vez que o vejo, analógico e lindo, e volto a perder entre aviões.
    - Levas o anti-inflamatório?
    - Sim, vai na mala de porão.
    É bom!I like, like, like, like it.
    - Bem, tenho de ir.
    O pior nem é estares lá, mas saber que "nunca mais volto a viver aqui, mãe". Que nunca mais voltas a viver nesta merda de país.

    Fonte: http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/

    segunda-feira, 18 de agosto de 2014

    A atualidade do pensamento de Milton Santos


     "Teríamos que retomar o debate da civilização, que foi substituído pelo debate do crescimento econômico: se vamos aumentar os juros, se vamos facilitar um pouco de inflação. Mas a civilização, ela própria, não é objeto de discussão. E isso abre espaço para uma série de barbáries."

    Sobre a globalização

    “É preciso perceber três espécies de globalização se queremos escapar à crença de que este mundo, assim como nos é apresentado, é a única opção verdadeira:

    Há o mundo tal como nos fazem vê-lo, com a globalização como fábula; o segundo é o mundo como ele é, com a globalização como perversidade; e o terceiro, o do mundo como ele pode ser, o da outra globalização.

    A globalização tem três faces, portanto: é uma fábula, na medida em que fantasia-se acerca de mitos como a comunicação universal, o fim do Estado e a aldeia global.

    O outro lado é a globalização perversa, que ataca a maioria dos países pobres, trazendo miséria, fome e doenças. Mas as mesmas técnicas que permitem em países ricos a proliferação da ideologia perversa permitirão aos países pobres um movimento de baixo para cima, que imporá uma nova ideologia mais humana.”


    A imprensa como instrumento de propaganda a serviço de grupos específicos

    “A globalização perversa é baseada em fábulas como a da comunicação global, do espaço e tempo contraídos, da desterritorialização e da morte do Estado. São fábulas porque a informação é centralizada e manipulada no interesse das grandes empresas. A diminuição de espaço e tempo pregada só acontece para poucos. A globalização perversa precisa dos territórios e dos governos internos para se manter e a morte do Estado, por sua vez, só aproveita às poucas empresas hegemônicas.

    Todas essas fábulas são inculcadas nos cidadãos antes mesmo de qualquer ação.

    Nascem daí a violências estrutural e a perversidade sistêmica, onde a competitividade e a potência (falta de solidariedade ou prevalência sobre os outros) puras, unidas à ideologia neoliberal, fazem parecer normais as exclusões sociais. Fala-se muito em violência da sociedade de nosso tempo, mas esquece-se que as violências que mais percebemos são apenas derivadas. A violência estrutural resulta da presença, em estado puro, da competitividade, da potência e do dinheiro. A essência da perversidade é a competitividade, uma guerra em que tudo vale para conquistar melhores espaços no mercado.”


    A gestão do “novo”

    “... A gestação do novo, na história, dá-se frequentemente, de modo quase imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante. É exatamente por isso que a “qualidade” do novo pode passar despercebida... A história se caracteriza como uma sucessão ininterrupta de épocas. Essa idéia de movimento e mudança é inerente à evolução da humanidade. É dessa forma que os períodos nascem, amadurecem e morrem...”

    “... Uma outra globalização supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem: a precedência do homem. Sem dúvida, essa desejada mudança apenas ocorrerá no fim do processo, durante o qual o reajustamentos sucessivos se imporão. Nas presentes circunstâncias a centralidade é ocupada pelo dinheiro, em suas formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro sustentado por uma informação ideológica, com a qual encontram simbiose...”

    Os atores que vão mudar a história são os atores de baixo. Vão agir de baixo para cima. Os pobres em cada país, os países pobres dentro dos diversos continente, os continentes pobres em face dos continentes ricos. De tal forma, não teremos uma revolução sincronizada: haverá explosões aqui e ali em momentos diferentes, mas que serão impossíveis de conter.


    O Estado

    O Estado é indispensável porque as chamadas organizações do terceiro setor não são abarcativas, não podem cuidar do conjunto das pessoas que precisam de cuidados. Já o Estado tem a tendência de cuidar de todos, de todas as pessoas. Essa produção democrática que as ONGs ou o terceiro setor – por suas limitações de origem, financiamento, objetivos – não podem fazer. Então, o Estado torna-se algo cada vez mais indispensável, porque as fontes criadoras de diferenças e desigualdades são muito mais fortes que no passado.


    Democracia vazia

    A gente esvaziou a palavra democracia de conteúdo. Continua-se falando em uma democracia sem saber muito bem do que se está falando. Nós utilizamos uma série de conceitos que vêm de um outro tempo – e que tornam vazios, porque o tempo mudou! – da maneira que é conveniente. Usa-se o conceito de democracia com referência ao meramente eleitoral. O resto – a representatividade, a responsabilidade, tudo isso – perdeu força.


    Responsabilidade da educação

    "A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu tempo histórico."


    O tecnicismo engessador

    "Em nome do cientismo, comportamentos pragmáticos e raciocínios técnicos, que atropelam os esforços de entendimento abrangente da realidade, são impostos e premiados. Numa universidade de ‘resultados’, é assim escarmentada a vontade de ser um intelectual genuíno, empurrando-se mesmo os melhores espíritos para a pesquisa espasmódica, estatisticamente rentável. Essa tendência induzida tem efeitos caricatos, como a produção burocrática dessa ridícula espécie de ‘pesquiseiros’, fortes pelas verbas que manipulam, prestigiosos pelas relações que entretêm com o uso dessas verbas, e que ocupam assim a frente da cena, enquanto o saber verdadeiro praticamente não encontra canais de expressão."


    Sobre a violência atual

    “O caldo de cultura que baliza a vida já é violento em si. A globalização exige de todos os atores, de todos os níveis e em todas as circunstâncias, que sejam competitivos. Esse processo exige que empresas, instituições, igrejas sejam competitivas. A competição estimula a violência porque a regra que vigora é a regra do resultado. Não existe ética. Quando, por exemplo, se privilegia, no ensino secundário, a formação técnica, sem nenhum conteúdo humanístico, está se criando mais um caldo de cultura que estimula atitudes violentas.” 
    Fonte:  http://assisprocura.blogspot.com.br/