
Em política, uma imagem vale mais que mil palavras. A construção da
imagem política é um processo lento, que exige a repetição contínua de
alguns mantras e a obstinação de seus seguidores.
Uma vez construída, a desestruturação da imagem de um partido ou
candidato pode se provar difícil de se consumar, mesmo com bons
argumentos para isso.
No caso do PT, por exemplo, ao longo de sua história constituíram-se
duas fortes imagens vinculadas ao partido: a de guardião da ética na
política e a de defensor dos mais pobres e trabalhadores.
A primeira imagem, formada enquanto o PT se encontrava na oposição,
foi fortemente abalada por alguns escândalos de corrupção ocorridos nas
gestões petistas.
Mesmo assim, até hoje o PT não representa, no imaginário da maior
parte da população (excluindo-se aí parcelas tipicamente antipetistas),
um partido corrupto, apesar do bombardeio midiático incessante contra a
agremiação partidária.
Por outro lado, a imagem de partido defensor dos interesses dos
pobres e trabalhadores apenas se reforçou com os quase doze anos de
governo petista à frente da presidência da República.
Projeto próprio
No caso de Marina Silva, a construção de sua imagem é mais recente.
Após cumprir mandato no Senado pelo PT e ser ministra do Meio Ambiente
de Lula, Marina abandonou o partido em busca da construção de um projeto
político próprio.
Sua histórica ligação com as causas ambientais iniciaram a construção
da imagem de uma militante verde, que apenas se reforçou com seu
ingresso e candidatura federal pelo Partido Verde.
No entanto, a causa ambiental, apesar de possuir forte apelo em
parcelas da juventude, é insuficiente para construir uma imagem política
forte para gabaritar alguém à assumir o cargo máximo da república.
Novidade política?
Sendo assim, outro fator teve que ser agregado à imagem de Marina ao
longo dos últimos anos: a de novidade política que propõe uma ruptura
com o sistema político atual.
Com essas duas imagens construídas, Marina Silva parece conquistar
parte significava da juventude de classe média alta das grandes cidades,
que se preocupam com a questão ambiental e gostariam de ver uma nova
ordem política no país.
Neste momento em que Marina mais uma vez se lança a presidência da
república, nos cabe perguntar: qual o conteúdo por trás de sua imagem?
De galho em galho
Pois vejamos: do ponto de vista político, Marina é uma ex-petista
que, após sua saída do PT, passou pelo PV, do qual fez uso como
plataforma para organizar sua campanha.
Após desavenças no PV, tentou fundar um novo partido a tempo de
servir como plataforma eleitoral para seu renovado projeto eleitoral.
Não tendo êxito nesta empreitada, aceitou aderir ao PSB para ser capaz
de manter seu projeto de poder vivo.
O projeto político de Marina Silva parece ser a ascensão ao poder de Marina Silva, independente de por qual partido isso ocorra.
Nada mais tradicional no jogo de poder da política brasileira do que
políticos com projetos pessoais de poder, independente de partidos e
base social, como o caso aqui descrito.
Além disso, Marina é incapaz de explicar como irá governar sem o
apoio dos principais partidos políticos constituídos, se valendo de
frases de efeito como “governar com os melhores”, que não possuem
aderência à realidade do modelo político brasileiro.
Discurso frágil
O fato de sua campanha ser liderada pela família Bornhausen em Santa
Catarina e por Heráclito Fortes no Piauí, ambos conservadores políticos
tradicionais ex-integrantes do DEM , demonstra a fragilidade do discurso
marinista.
Do ponto de vista econômico, Marina Silva não representa nenhuma
novidade no debate público. Suas posições sobre o tema, até o momento,
são repetições do discurso liberal de Eduardo Giannetti, seu assessor
econômico ligado historicamente ao PSDB.
Em recentes declarações,
Gianetti tem repetido para quem quiser ouvir que o projeto econômico de
Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves, o que ao
contrário de representar uma novidade, parece apontar para um retorno ao
modelo econômico do governo FHC.
A defesa da redução do papel do Estado, do corte de gastos (inclusive
de gastos sociais) e do controle radical da inflação, mesmo que as
custas de maior desemprego e de uma recessão, foram plenamente
incorporadas no discurso de Marina.
Dúbia e conservadora
Por fim, do ponto de vista dos valores, Marina representa o completo
oposto da renovação, possuindo opiniões bastante conservadoras sob
qualquer prisma que se analise.
Sua postura sobre aborto, combate às drogas, criminalização da
homofobia dentre outros tópicos polêmicos a tornam a candidata mais
conservadora do pleito atual no que diz respeito ao debate sobre
costumes.
Sua formação evangélica, que lhe serve como base de sustentação
política, permite que mantenha em público um discurso dúbio sobre temas
polêmicos (como sua proposta de realizar um plebiscito para discutir a
questão do aborto), mantendo assim seu eleitorado evangélico ao mesmo
tempo em que sinaliza alguma esperança aos eleitores mais progressistas.
Imagem e semelhança
Ao final, o que sobra de novidade em Marina? Apesar de incorporar ao
seu discurso a temática ambiental, em todas as outras áreas Marina se
parece muito com um político tradicional.
Politicamente, muda de partido com o objetivo de viabilizar seu
projeto pessoal de poder. Economicamente, se alinha ao discurso liberal
do PSDB, se valendo de ex-tucanos como seus principais assessores.
No quesito dos valores, adota posturas conservadoras e as minimiza
posteriormente para agradar algumas parcelas da juventude mais
progressista.
Em caso de vitória eleitoral, um possível governo Marina Silva se
veria diante do seguinte dilema: garantir governabilidade se apoiando em
setores políticos tradicionais dentro e fora do Congresso, o que
equivaleria a uma traição aos eleitores que apostaram na ideia de que é
possível fazer política de uma forma “nova”; ou honrar seus compromissos
com o eleitorado e não ter força política para governar, caindo no
risco de paralisia governamental ou mesmo instabilidade institucional.
Caso resolva construir uma aliança com os setores tradicionais,suas
recentes declarações e seus apoiadores atuais nos fazem crer que seu
governo se aliará aos interesses dos bancos, do mercado financeiro e de
parcelas do empresariado, enquanto no Congresso Nacional se verá
obrigada a amarrar uma aliança que conte ao menos com o PSDB e o PMDB
para lhe garantir governabilidade. O que há de “novo” nessas alianças de
poder?
Não seria esse arco de sustentação o retorno à velha coalizão liberal
de FHC? Talvez isso explique o recente abandono do ex-presidente ao
candidato de seu partido e suas declarações de apoio velado à Marina
Silva.
Apesar de seu discurso e suas ações não corresponderem à sua imagem,
será difícil a seus adversários desconstruir o mito Marina Silva.
Além de haver pouco tempo de campanha eleitoral, a candidata
dificilmente irá assumir posturas muito claras na maior parte do debate,
mantendo-se como um “espectro” inatacável. Caso se mantenha bem
posicionada nas pesquisas, dificilmente tal espectro irá se materializar
em verdadeiros compromissos políticos, seja com os eleitores, seja com
outros partidos políticos.
Caso, no entanto, a população passe a duvidar da imagem de Marina,
ela terá que se materializar, sair do campo das ideias dúbias e assumir
algumas posições concretas. Se isto ocorrer, o “mito” Marina Silva
estará seriamente ameaçado, pois suas contradições podem vir à tona e
torná-la apenas mais uma dessas boas ideais que se desmancham no ar.
* Guilherme Santos Mello é economista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/Unicamp e professor da FacampFonte: http://brasildebate.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário