terça-feira, 26 de maio de 2015

brilha apesar da maldade dos outros

por Patrícia Reis, em 26.05.15

 
Deixa-te vestir de escuridão apenas para fora e ninguém verá que brilhas, podes tudo, pensa devagar, pensa depressa. Faz por dentro e mantém os gestos banais que te garantem o lugar no grupo, na dinâmica de grupo que brada pelo direito à diferença, mas que não tolera o que é impossível de descodificar. Constrói em ti sem ninguém ver. Aprende o sabor das palavras, uma a uma, cada letra com o seu sabor e, antes de dizeres em concordância com o mundo o que é suposto, ou apenas político e correto, invade-te com a verdade que ninguém entenderá. Importa pouco o que o mundo quer que sejas, sê para ti e tudo se tornará mais fácil. Brilha por dentro. Cá fora faz frio. Acredita em mim.

 

 
Fonte: Delito de Opinião

domingo, 10 de maio de 2015

Outras Mães


 Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono. 

Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.
 
Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.
 
Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou
                                                       [pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.

José Jorge Letria

Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e agressivo. 


Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus, que também tem a sua vida. Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de comemoração de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros. Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar ansiosamente à espera.

Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos mais tarde.

Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital. A vida é um espaço e um tempo maravilhosos mas não se contenta com a contemplação. Ela exige reflexão. E exige soluções.

A vida é exigente porque é generosa. É dura porque é terna. É amarga porque é doce. É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo. A vida é a mais séria das coisas divertidas.

Joaquim Pessoa

Fonte:  http://alicealfazema.blogs.sapo.pt/

sábado, 9 de maio de 2015

As correspondências entre Einstein e Freud, sobre a violência humana


 
 
 
Prezado professor Freud: “Existe alguma forma de livrar a Humanidade da ameaça de guerra?”
 
Assim está exarado no caput da carta enviada ao cognominado Médico de Almas e Pai da Psicanálise, Sigmund Freud. A correspondência estava assinada pelo famoso físico alemão Albert Einstein, datada de 30 de julho de 1932, às vésperas da invasão nazista à Áustria, o qual apresenta a questão a convite da Liga das Nações [precursora da ONU] e de seu Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, localizado em Paris. Além daquela, outras duas perguntas compõem a histórica missiva: “Como os mecanismos de poder conseguem despertar nos homens um entusiasmo extremado, a ponto de sacrificarem suas vidas?” e “É possível controlar a evolução da mente do homem de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade?”1
 
Einstein nasceu na cidade de Ulm, Alemanha, em 14 de março de 1879. A partir de 1912-1914 começa a realizar os seus famosos estudos em torno da Teoria da Relatividade Geral, publicando-a em 1916. Recebe o prêmio Nobel de Física em 1922, desencarnando em 18 de abril de 1955, aos 76 anos.2
 
Sigmund Freud, nasceu na Morávia em 6 de maio de 1856, na cidade de Freiberg, atual Pribor, na República Checa. Ingressa no curso de Medicina, na Universidade de Viena, em 1873, concluído em 1881. A partir de 1885 e até março de 1886, faz estágio com o grande médico francês Jean Martin Charcot (1825-1893), no hospital Salpêtrière, em Paris. Desencarna em Londres, a 23 de setembro de 1939.3
 
A essência do pensamento de Einstein, ao formular ao criador da Psicanálise as suas instigantes perguntas4, demonstra a preocupação do grande físico, inicialmente com a ameaça constante de nova guerra. Ele um dia declarou: Não sei quais serão as armas da Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta Guerra Mundial será combatida com paus e pedras5. Destaca para o Dr. Freud, assim, que, com o progresso da Ciência de nossos dias, “esse tema adquiriu significação de assunto de vida ou morte para a civilização”, e de que “todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em lamentável fracasso”. Ao justificar o seu apelo ao famoso psicanalista, em nome das entidades de caráter social e científico que representa, o gênio da Matemática declara que “o objetivo habitual do seu pensamento não lhe permite uma compreensão interna das obscuras regiões da vontade e do sentimento humano”, e posiciona a sua expectativa de que Freud “proporcione a elucidação do problema mediante o auxílio do seu profundo conhecimento da vida instintiva do homem”.
 
No segundo questionamento, derivado do primeiro, Einstein enfatiza o seu diagnóstico científico que “o homem encerra dentro de si um desejo de ódio e destruição e que esse estado de paixão pode ser elevado à potência de psicose coletiva e que só um especialista [como no caso de Freud] na ciência dos instintos humanos pode resolver ”.
 
Finalmente, na última questão formulada naqueles idos de 1932, pelo criador da Teoria Geral da Relatividade – e que um dia declarou que “apenas duas coisas são infinitas, o Universo e a estupidez humana, mas não estou certo quanto ao primeiro”6 –, ele argumenta que possuía consciência do interesse das classes dominantes, que “não tinham limite em sua fome de poder político” e que “consideravam a guerra como uma forma de expandir seus interesses pessoais”, tendo Einstein ainda noção exata, além das guerras entre as nações, “da existência dos conflitos por intolerância religiosa ou perseguições a minorias raciais”.7
 
Em setembro de 1932, Sigmund Freud responde ao “prezado professor Einstein”, declarando ter sido pego de surpresa acerca da indagação: O que pode ser feito para proteger a Humanidade da maldição da guerra?, enfatizando que, em princípio, entendeu ser o assunto do domínio de estadistas, mas teve a intuição que Einstein formulara a questão não como cientista, mas na qualidade de filantropo, solicitando, portanto, a ele, Freud, uma resposta-abordagem a partir da Psicanálise, enfatizando ser a guerra consequência das “pulsões”*, do ódio e do desejo de destruição e que a sociedade vive em constante transformação da violência. Em muitos indivíduos, segundo Freud, existem agressividade e crueldade, conforme apurava o ilustre psicanalista, ouvindo relatos dramáticos resultantes de transtornos da personalidade.
 
O pensamento freudiano ensina que os seres humanos são incitados à guerra por diversos motivos, entre eles o desejo da agressão e destruição, e que a satisfação desses impulsos destrutivos seria facilitada por sua mistura com outros motivos de natureza emotiva e idealista. Freud enfatiza que, se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo, a solução será contrapor-lhe o “eu” antagonista mais poderoso: Eros, o instinto do amor. Nesse ponto, portanto, a Psicanálise fala de amor e Freud lembra o Novo Testamento: Ama a teu próximo como a ti mesmo e que nesse momento “os homens partilham seus interesses e produzem comunhão de sentimentos”. O autor de O Mal-estar na Civilização (1930) propunha que era necessário um cuidado com a educação dos homens de mentalidade independente, educação essa que não deveria ser baseada na coação ou na intimidação, embora para ele esse ideal educacional fosse uma utopia.
 
No ano em que Sigmund Freud fazia treze anos de idade, Allan Kardec desencarnava em Paris, a 31 de março de 1869. Einstein nasceria somente dez anos depois e, em 1932, a sua famosa carta, escrita quando ele tinha cinquenta e três anos, poderia também ter sido submetida à apreciação do pensamento doutrinário do Espiritismo, constante de suas obras básicas, resultado do esforço pessoal de Allan Kardec e de sua equipe de médiuns e de colaboradores diretos, e da ação coletiva, organizada, com dinâmica de universalidade de ensino, promovida pelos Espíritos que se mobilizaram, em nome de Deus e de Jesus, para consolidarem a vinda do Consolador à Terra.
 
Imaginando-se a possibilidade, que resposta Allan Kardec daria aos questionamentos de Einstein? O Codificador certamente se reportaria ao capítulo VI – Da Lei de Destruição, constante da parte terceira de O Livro dos Espíritos8, publicado em 18 de abril de 1857, máxime a partir da questão 742, quando os Espíritos, indagados sobre: Qual a causa que leva o homem à guerra?, respondem que é “Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e satisfação das paixões” e que “À medida que o homem progride, a guerra se torna menos frequente, porque ele evita suas causas, e quando a julga necessária, sabe adicionar-lhe humanidade”. Reforçaria esses lúcidos e racionais ensinos informando que o homem não tem duas almas, uma boa e outra má, maneira de ver que resultaria serem, os bons e maus instintos do homem, efeito da predominância de uma ou outra dessas almas, e sim o que dupla no homem só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza espiritual, tal como exarado na questão 605.
 
Comentaria, ainda, consoante a questão 743 do livro básico da Doutrina Espírita, que a guerra desaparecerá um dia da face da Terra, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus e que, nessa época, todos os povos serão irmãos.
 
Elucidaria, também, a respeito do livre-arbítrio, tal como está registrado na questão 843, na qual os Espíritos destacam que o homem tem a liberdade de pensar e de agir, e que seria uma máquina se não possuísse a liberdade de escolha consoante o seu próprio discernimento. Apresentaria, igualmente, os seus estudos em torno da educação moral, aquela que consiste na arte de formar os caracteres, que pode ser definida como o “conjunto dos hábitos adquiridos”, afirmando que “só a educação poderá reformar os homens”, ensinamentos estes constantes das questões 685a e 796 de O Livro dos Espíritos.
 
Finalmente poderia encerrar a sua resposta a Einstein informando-o que “o homem é quase sempre o artífice da sua própria infelicidade”, mas que, “praticando a lei de Deus, ele pode poupar-se de muitos males e alcançar felicidade tão grande quanto o comporte a sua existência grosseira”, consoante as informações dos Espíritos, exaradas na questão 921 do referido livro.
 
Num futuro próximo, muitas indagações acerca de enigmas da vida e do comportamento humano, que aturdem cientistas, religiosos, pensadores agnósticos e de visão reducionista do homem, serão examinadas à luz do Espiritismo, obtendo-se, então, a claridade necessária à sua interpretação e solução.
 
* Instinto (no sentido freudiano) que compele a agir.
1. Tudo Sobre Freud. Revista Mythos Editora, n.19, p.30.
2. COHEN, Marleine. Albert Einstein. Biblioteca Época – personagens que marcaram época. Editora Globo.
3. Tudo Sobre Freud. Opus cit. e Freud e o Despertar do Inconsciente. Coleção Memórias da Psicanálise 1. Viver Mente e Cérebro.
4. Vide http://www.scribd.com/doc/7182942/Einstein-e-Freud-Por-Que-a-Guerra-Cartas
5. COHEN, Marleine. Albert Einstein. Opus cit. p.109.
6. Idem, Ibidem, p.110.
7. Tudo Sobre Freud, p.30.
8. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1. edição comemorativa do Sesquicentenário.Tradução de Evandro Noleto Bezerra, 2006, FEB.
 
Revista RIE - Janeiro de 2010
Fonte: \http://jornalggn.com.br/noticia/as-correspondencias-entre-einstein-e-freud-sobre-a-violencia-humana