sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Nossa terra, nossa gente

AVÓS EM DOSE DUPLA

Por Cairo Arruda
(membro da ACI e ACEJI)

Como avós, (eu e a esposa Mirian), estamos tendo uma maravilhosa oportunidade de vivenciarmos par e passo, o crescimento, em todos os sentidos, do nosso segundo neto.
É uma sensação muito prazeirosa, poder acompanhar de perto, cada passo que ele dá, porém , é claro, “guardando a distância regulamentar”, para evitar a intromissão indébita de nossa parte, em relação à educação que seus pais, a seu modo, e dentro da maneira deles de pensar, estão dando ao filho.
Vez por outra, a avó (que ainda tem o coração de mãe) quer se afastar da linha certa e de equilíbrio, mas a filha e o genro a chamam a atenção e lhe dão aquele puxavante de orelhas, e ela volta a assumir o seu verdadeiro papel de avó que realmente almeja o bem do neto, passando a agir com a razão e não com o coração.
É uma criança muito inteligente e que, mesmo apesar de ter menos de dois anos, “pega tudo no ar”, exigindo, pois, da parte de todos que com ela convivem, muita vigilância e cuidados redobrados, quanto ao que dizem e praticam, (inclusive da sua babá), no seu dia-a-dia.
Certa feita, estava ela, fazendo uma travessura em suas brincadeiras, e eu por perto a observá-la e a repreendê-la, quando, de repente, pega-me pelo braço, e me leva para o meu quarto (que estava com a porta aberta), botou-me para dentro, e ordenou: “aqui”. Fechou a porta e voltou para o local em que brincava travessamente, coberta de felicidade, toda orgulhosa e senhora da situação.
Como se nota, para a sua idade, faz coisas admiráveis, numa demonstração de que tem tudo para nos orgulhar mais ainda no futuro.
O outro neto, com cinco anos, que mora fora, também é motivo de orgulho para os avós: mesmo apesar de não ser brasileiro (é natural de um país em que o futebol não é o esporte principal), mas, devido à influência dos pais, gosta e pratica o nosso esporte-rei, está frequentando uma escolinha de futebol, com direito a trajar o uniforme azul e amarelo da nossa seleção, para a satisfação dos avós e dos seus genitores.
Por essas e outras tantas coisas que esses dois entes queridos estão aprontando e certamente vão aprontar, daqui para frente, é que dizemos alto e bom som: como é bom e gratificante ser avós em dose dupla!

E-Mail:cairomiri@.yahoo.com.br
##########
Em homenagem a você e Miriam, estou postando uma bela crônica de Rachel de Queiroz
#####
A arte de ser avó

Quarenta anos, quarenta e cinco. Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as suas compensações - todos dizem isso, embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.
Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade.
Não de amores nem de paixão; a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas, que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que se lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo ou decepção, se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.
Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.
Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avô, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto...
No entanto! Nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do neto. Não importa que ela hipocritamente, ensine a criança a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha" e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante nos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe banho, veste-o, embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
Já a avó não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulito. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso dos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café, mexer na louça, fazer trem com as cadeiras na sala, destruir revistas, derramar água no gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado!
Fazer má-criação aos gritos e em vez de apanhar ir para os braços do avô, e lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...
Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós com seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!
E quando você vai embalar o neto e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz "Vó", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.
E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe castiga, e ele olha para você, sabendo que, se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade.
Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menino - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beicinho pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague.

Rachel de Queiroz

Nenhum comentário: