quinta-feira, 9 de outubro de 2008


Sabe o que é? Se eu ficar falando em Caetano
todo dia, fico dando uma importância
tão grande a isso que prejudica
minha própria capacidade de trabalhar


José Arbex Jr. - Eu acho ótimo isso!
Tom Zé - Muito bem, todos nós ficamos felizes porque parece que vai ter espaço para outras coisas. Mas acontece que, porque fracassou É o Tchan, fracassou o contratchan, o subtchan, o auditchan, fracassaram todos esses grandes heróis desse grande negócio aí que as multinacionais viviam lavando o rabo. Sabe o que vai acontecer, qual é a notícia triste? Trinta por cento dos empregados de gravadoras vão ser postos pra fora até o mês de dezembro. Então, só pra poder continuar com isso: axé eu não ouço, não conheço axé, não sei as regras de composição daquilo, mas também não conheço nada das baladas que vocês (dirigindo-se ao gravador) chamam música popular brasileira, isso não tem nada de brasileiro. E, por falar nisso, onde é que se faz música popular brasileira agora? Um dos raros lugares é esse disco meu aqui que eu trouxe de presente pra vocês, que tem samba e baião, que fala do povo daqui. Porque essas baladas que tocam no rádio, isso não é MPB, e tem uma porção de gente boa se referindo a isso como tal e tanto.
Cláudio Júlio Tognolli - Mas tentaram ou não tentaram?
Tom Zé - Pera aí, agora eu queria falar em Feagacê e no problema do É o Tchan mental com o que ele colabora para a imprensa brasileira. O que desespera é que todos são contra Feagacê, todos o odeiam, mas, na hora de agir, fazem a mesma coisa que Feagacê faz. Isso é triste, que diabo de coisa fizemos para receber um castigo desses, imitar Feagacê? Procedemos assim porque não temos em disponibilidade outra estrutura de pensamento, estamos falidos de utopia e depauperados de filosofia, somos na verdade governados pela USP e por um professor chamado Fernando, que dirigiu o departamento de filosofia e agora usa o nome artístico de Feagacê. Então, quero dar um exemplo do que eu chamo odiar Feagacê e ser o cavalo de Feagacê, como diria o professor Paulo Freire na sua tese de hospedar o opressor. Por exemplo, o... como é o nome dele? Da Folha de S. Paulo?... O Dimenstein. Ele fez uma reportagem convincente sobre a prostituíção entre as universitárias. Muito bem, será que é honesto, nós da imprensa fazermos isso? Será que a profecia de J.P. Sousa (o regente americano de banda de coreto), que ao visitar a primeira exposição de fotografia, naquela ocasião uma arte inaugural, disse: “Mas isso é o bordel sem paredes!” Será que queremos confirmar essa profecia do maestro? O que eu quero dizer é que nós vendemos nossos jornais nas bancas e as bancas de revistas são um açougue puro. Eu sou a imprensa, eu falo contra a prostituição e eu mesmo vendo a prostituição. Quer dizer, eu sou Feagacê, eu falo contra a pobreza e provoco a miséria. Isso não é mais Feagacê, isso é Feagacê ao quadrado. Por favor, escrevam assim (e mostra escrito no papel), FHC2. Parece fórmula matemática, não é? Mas continua no departamento de filosoporria, como eu canto no Defeito 11 Tangolomango. A tradução de FHC2 é Fernando Henrique Cachorra no Cio. O nome do “maior amigo do homem” está no feminino porque eu não estou botando apelido pornográfico no presidente, estou falando na imprensa que parece uma cachorra no cio. Não se ofenda, mas me responda: o que acontece quando Feagacê vai, por exemplo, para a rua Maranhão? Toda região ali, inclusive a praça Buenos Aires, fica entupida de repórteres. Por que nós, da imprensa, temos que tratar um presidente da República como se fosse uma vedete? Outro dia, eu estava em Zurique e tinha um funcionário público que de vez em quando passava pra cá e pra lá. No princípio, eu pensei que fosse técnico de som. Depois me disseram que era o presidente da República deles lá. Ninguém tava botando microfone na boca dele, o pessoal nem ligava para aquele funcionário um pouco mais engravatado. Então, será que a gente precisa virar uma cachorra no cio, e sair atrás de qualquer funcionário como se fosse uma vedete prestes a tirar a roupa? De forma que assim o presidente parece uma Xuxa. Nem a rainha Elizabeth, quando se desloca de Westminster, para lavar a calçola no Bridge Royal Club, movimenta tanto jornalista.
José Arbex Jr. - Mas que relação isso tem com o que fez o Dimenstein lá da Folha?
Tom Zé - Desculpe, você me ajudou a voltar, que eu fico empinando a raia com muita linha e perco a direção. É o seguinte: a gente age igual ao Feagacê como no trabalho do Dimenstein. Dimenstein, você tá certo, pelo amor de Deus! A prostituição universitária é realmente uma coisa tão triste nesse mundo, é talvez uma amostra da decadência da nossa civilização. Porque o Império Romano durou quinhentos ou mil anos, sei lá, a Macedônia durou quantos? Nem quinhentos. Babilônia durou quantos anos? E a Grécia durou do século 10, quando estava terminando a tal fase micênica, até que Atenas e Esparta se destruíram mutuamente. Nós, essa civilização ocidental, cujo bonde o Brasil tomou há somente quinhetos anos, estamos durando quando tempo? Nós somos o quê? Nós somos o resultado da primeira revolução industrial e a ética da Primeira Guerra Mundial, quando, se Bismarck e Maquiavel ficariam envergonhados. Até Maquiavel ficaria assustado. Então, nós somos essa ética. Pois muito bem, aí eu tô falando de quanto tempo nós ainda estaremos a salvo do Tânatos coletivo, ou se há sinais de que já o estamos incorporando, querendo fogo e enxofre. Porque é o seguinte: nós fazemos uma reportagem sobre a prostituição. Perfeito. Agora, nós mandamos essa reportagem para a nossa loja de venda, que é o açougue público chamado banca de revistas, onde está pendurado filé mignon: Playboy. Quanto custa uma moça pra Playboy? Umas custam 900.000, como a Tiazinha, outras custam 200.000, outras custam um apartamento... todas são compráveis! Todas são prostituíveis! Esse grande açougue coletivo, isso é ou não agir como Feagacê? Outro exemplo que eu queria lembrar: um país de 8 milhões e meio de quilômetros quadrados e todos os países enormes usam trem pra transportar sua carga, a gente transporta até automóvel em estrada de rodagem! O que é que custa um trem? Custa dois trilhos e uns dormentes de madeira, que hoje podem ser substituídos ecologicamente por plástico. Isso não custa nada. Se você olhar, vai ver que às 6 horas da tarde todas as cidades do Brasil estão cheias de pessoas, cada uma gastando um motor, uma combustão de gasolina, um cavalo de lata enferrujando, um carro. Cada carga de 7.000 quilos precisa de um caminhão. Tudo isso o que é? É um esbanjamento de coisas! E por que fazemos isso? Aí que eu volto pra imprensa: alô, alô, senhora!, quando aparecer o próximo projeto de grande estrada de ferro, eu estou de aviso pra ver qual é o grande repórter que vai esculhambar o projeto! Que vai dizer que o projeto tem falhas estruturais que tem isso, tem aquilo... a quem é que serve que o projeto seja ruim? Serve ao senhor Ford, ao senhor Chevrolet, que nos tornaram o país da lata com motor, então não é possível que... os exemplos não são bons, vocês tão vendo que não são bons... (risos)
Todos - São, sim.
Tom Zé - ...Mas são um pouco! Essa tristeza, porque nós todos somos Feagacê, ou FHC2 ... nós todos somos. Nós não temos em nossa disponibilidade atualmente, no mundo, outra estrutura de pensamento? Como nós podemos fazer isso? Se eu for fazer uma brincadeira, antes de vocês tornarem isso sério outra vez - aqui tem a Universidade de São Paulo, eu podia fundar a Universidade do Sertão Pobre, USPO. Então, eu boto a USP contra a USPO. Quem são os fundadores? O fundador daqui é o Lévi-Strauss. Então, na USPO, o fundador de honra é o Euclides da Cunha, e Guimarães Rosa será o ministro da Justiça, porque Guimarães, lá naquele negócio do Cumpadre meu Quelemen, tem um negócio que ele diz assim: “O mundo seria bom se tivesse só uma lei”. Ele andava à procura de uma só lei só para o mundo, que era a seguinte: “Ninguém tem direito de meter medo em ninguém”. Puta que pariu! Se não se tem direito de meter medo em ninguém, então Jesus é dispensável. Baniram os pecados da face da Terra.
continua...

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