quinta-feira, 9 de outubro de 2008

continuação...

Se você falar mal do Maluf, vai muita
gente votar em Maluf, se você esquece Maluf,
pouca gente vota em Maluf

Sérgio de Souza - Aliás, eu queria fazer essa pergunta já há um tempinho: você suportaria ser um homem rico?
Tom Zé - É o que eu digo: sou uma pessoa em estado de observação (risos) Mas acho que não. Eu e Neusa teríamos que nos estruturar para começar a ser o que as pessoas com muito menos já fazem: como aquele cara no Paraná que ganha 400 mil-réis, é chofer de ônibus – tem gente que não dá valor –, que achou uma família que ia dormir na rua e disse à mulher dele: “Ou levo a família para casa ou eu não durmo”. E a mulher dele, outra inspirada, botou a família dentro de casa. Outra coisa: agora tem muitas campanhas contra a violência. A pessoa chega e fala: “Já botaram cinco revólveres na minha cabeça”. Isso não é campanha contra, é campanha a favor da violência. Campanha contra é a que incentiva as coisas diferentes da violência. Fulano de tal teve um gesto generoso: “Venha cá, como foi?” “Ah, realmente, meu amigo ia caindo do carro e aí...” “Puxa, mas você arriscou a vida para tirar ele...” “Ora, na hora eu não pensei. “E aí todo mundo fica incentivado ao amor pelo outro ser humano. Como é que campanha contra violência é pra contar que meteram quatro revólveres na cabeça dele? Isso aí é campanha a favor do revólver na cabeça. E quem está falando isso não sou eu aqui, um boboca de merda, quem está falando isso é uma pessoa, em nome dos técnicos em teoria da comunicação, que dizem que aquilo que você fala é que é o exemplo. Por exemplo, se você falar mal do Maluf, vai muita gente votar em Maluf, se você esquece Maluf, pouca gente vota em Maluf. É assim que a teoria da comunicação ensina. Se você fala em ACM todo dia... (risos) – agora, eu estou falando mal da Caros Amigos. (risos)

Sérgio de Souza - É mensal. (risos)
Tom Zé - Se você fala mal de ACM todo dia, ACM se elegerá

José Arbex Jr. - Qual é a tua fonte de inspiração?
Tom Zé - Meu quarto e a solidão. Eu defendo que tudo começa do zero. O artista que quer fazer qualquer coisa precisa fazer o exercício do zero. O zero qie foi uma invenção dos árabes, que deram grande desenvolvimento à matemática, também. O zero, no meu processo, é uma coisa fundamental. Aquela hora em que você está sozinho que não em mais a bossa nova, o tropicalismo, a harmonia, o contraponto a quatro vozes de Palestrina, o sonho louco de Beethoven com seu egoísmo, a perfeição e o equilíbrio de Bach e Mozart, a explosão da tonalidade pelo lado da extremidade dos acordes através de Debussy e pelo lado interno do acorde através de Wagner, você não tem nada mais dessas grandes coisas. Aí você não tem nada. Está só. Morto. No caos. Nesses lugares, quando você faz o primeiro tartamudeio é como se o gênese acontecesse de novo. Porque você sai com uma coisa nova e aí tem que dar atenção, não deixar os terremotos te tirarem do seu centro. E foi sobre isso que uma vez, depois de muito perder tempo, o Charles Sanders Peirce fala. Ele diz: tem pessoas que, no momento mais capacitado da vida, aos trinta anos, quando todas as células ainda mais nascem do que morrem, que a cabeça ainda está a todo vapor, estão fazendo coisas que não vão ter nada a ver com o futuro delas, e isso acontece com todo mundo – aconteceu comigo uma vez, com cinqüenta anos, eu por acaso investi um pouco, assim no desespero, no suicídio, investi nessas coisas que estou falando agora, que nasceram na solidão e do zero, que é o primeiro disco chamado Estudando Samba, produzido por Heraldo do Monte. Que foi uma pessoa que me ajudou muito a me realizar como músico. Porque Heraldo é músico e, ao mesmo tempo, permite conversar com ele. Porque às vezes o músico não quer nem conversar com o criador. Músico não liga, acha que tudo o que você faz é bobagem.

Sérgio de Souza - Pouco antes, você parecia que ia começar a falar de gravadoras, vale a pena voltar a falar disso?
Tom Zé - Vale a pena, sim. Eu fui sempre um alienado. Por exemplo, nunca me queixei se o programador de rádio não bota a minha música. Eu penso que não fiz a minha bem-feita a ponto de disparar o gatilho da comunicação. Sempre penso assim. Acho que isso é bom, porque tem pessoas que fazem seu trabalho e começam a dizer: “Ah! Não querem saber de música brasileira, não querem saber de música...”. Como é que se sabe se aquilo é mesmo sério? Como é que se sabe se não é uma porção de malandro metido a sofisticado? Diga a verdade, não tem tanta gente aí que é pretensiosa? Prefiro dizer que quando eu fizer direito, eles vão tocar. Então não tenho pressa, mesmo porque não quero me meter no que o programador de rádio faz, no que o dono da gravadora escolhe pra gravar, porque ali tira o alimento de sua família. E eu não posso, no caso de ele me programar e ouvir minha opinião se eu falhar, não posso dar o dinheiro da família dele.

José Arbex Jr. - E você acha que não tem uma política das gravadoras?
Tom Zé - Ah, tem, tem. A política do analfabetismo é triste. Uma das coisas de que eu mais me queixo é que eles pensam que sabem o que vou fazer. Ora, meu Deus do céu, na maior parte das vezes, eu vou pro estúdio com o risco de acertar ou errar, de não conseguir. Porque tem uma coisa que é importante e é bom lembrar isso: o gravador, o microfone, a máquina é um sensor estético do sistema. Ele é feito para gravar o que está circulando. Não é que está na moda, mas ele é quase aquilo em si. Mesma coisa o ventilador: ele faz vento, mas, se você assoprar, ele roda. Então, o gravador é isso. Muitas vezes eu já tive idéias e fui para o gravador e o gravador não aceitou. Você pode acreditar nisso? Eu posso dar um exemplo só – não é dos mais brilhantes, mas ele tem até a simbologia do não feito pela VU (unidade de volume, ponteiro que indica o volume). (risos) Eu queria gravar uma música chamada Brigitte Bardot, que era o seguinte: naquele tempo, a colega dela americana, a Marilyn Monroe, tinha se suicidado e parecia que o destino de todas essas grandes mulheres era trágico. E Brigitte Bardot era uma mulher do mesmo nível de amor do sonho da nossa infância. Então, quando ela tinha trinta anos eu queria uma música que dissesse assim: “A Brigitte Bardot está ficando velha”, e isso, aquilo e aquele outro; que tivesse certas armadilhas. Que era o seguinte: começava com uma batida de violão bem baixinha – pense que o gravador suporta 100 por cento, que é o que ele suporta; que você ouve dos 16 até os 20.000 (hertz), então, esse é o 100 por cento, e geralmente as bandas tocam ali até os 16.000, e o resto elas jogam fora, como se não precisassem. Mas, tudo bem, então eu queria começar só com o violãozinho, só com uma coisa aqui média, vamos dizer, ocupando só 10 por cento do 100. Então vai lá: (cantando) “A Brigitte Bardot está ficando velha...” bem baixinho. Aí, de repente, quando falava “será que algum rapaz de vinte anos vai lhe telefonar...” e baixava toda a banda, na sílaba dar da palavra suicidar, todo mundo gritava. Era como se acendessem as luzes no palco, como se fosse um susto aquela palavra, e aí para 100 por cento de ocupação do som. Resultado, você sabe como é que se cortava o disco antigamente? Era uma máquina de cortar que era uma espécie de pênis que estuprava o acetato. E nesse estupro ele gravava o som. (risos) E, geralmente, um músico de música popular não faz, quer dizer, não faz altos e baixos, piano e forte. Então, o técnico de som mais ou menos. Se é uma banda pauleira, ele equaliza na banda pauleira e vai lá, se é João Gilberto tocando ali baixinho, ele equaliza o Joaõ Gilberto e vá lá. Mas nunca tem uma coisa que use isso para transmitir emoções, no disco não tinha. Eu estava inaugurando uma pilhéria de forma. Muito bem, então ele equalizou lá na primeira música e botou para tocar e ficou ali sentado, escrevendo, fumando um cigarro – todo mundo fumava naquele tempo –, e daqui a pouco a música da sexta faixa começou baixinha demais. Porque Brigitte Bardot começa baixinha de tudo. Ele disse: “Esse Tom Zé, que moleque sem-vergonha, ele está a fim de jogar meu acetato fora. (risos) Ele vai ver uma coisa”. “Daí ele marcou para na sexta faixa, aumentar a música. Quando foi na sexta faixa, ele botou mais som. Então, pronto, a música ficou na altura das outras, porque, para ele, música não tem dinâmica, é tudo na altura das outras. Muito bem, acontece que, na hora em que entrou a banda toda, a música ficou alta e o VU disse: “Não, não, não!” Ele pegou de novo e disse: “Esse desgraçado quer me acabar”. Aí acabou de cortar minha brincadeira estética da seguinte maneira: botou um aparelho que se chama condensador, que diminui o que está alto e aumenta o que está baixo. Então eu vou gravar essa música novamente agora, que já tem recursos melhores. Isso para falar em problemas estéticos. Tem vários como esse. Quando fui gravar essas coisas que falei aqui, do ostinato, da bateria, do cavaquinho, foi no estúdio Miguel Maimone, de Três do Rio, que me fez a gentileza de fazer um disco de graça, com o Cesare Benvenutti lá dirigindo. E aí nós fomos tocar aquele tin-gun-din-gun-din (faz o som com a voz), esse tipo de som, aí vão os agudos, vão os graves e tal, aí fomos ouvir e não saía. “Mas o que é isso, meu Deus, o que é que está acontecendo?” Aí o Cesare disse: “Não dá para gravar, isso está errado”. Então falei para ele: Cesare, olha aqui, eu gravei isso lá em casa”. Ele disse: “Ah, se você gravou em casa, eu gravo aqui”. Vejam o que custou. Eu era um artista pobre, que não tinha lugar pra gravar. O Cesare foi para casa pensar em como resolver, a gravação foi suspensa, foram jogadas fora dezoito horas, três dias de gravação. Cesare voltou um mês depois, eu em casa tentei resolver o problema também, pensando nas minhas aulas de instrumentação na escola. Demoramos dois meses para descobrir o jeito. Hoje é essa música que fez sucesso nos Estados Unidos. Isso foi gravado em 1976 e 1980 e fez sucesso nos Estados Unidos em 1990. Para vocês verem o quanto a gente apanhou.

Ricardo Kotscho - Baixando um pouco o nível da conversa: o que você canta no banheiro?
Tom Zé - Ah, eu canto os exercícios da doutora Mara Behlau, é assim: Zzzzz. (risos) E canto:mmmmmmmmm, mi, nii, maaa! A gente faz uma brincadeira. As palavras são Z, V e J. – Zzvvjj... Porque isso põe o som aqui e evita de eu ficar rouco, porque eu estou com 62 anos.
Neusa - Parece tibetano. Um mantra.
Tom Zé - E outra coisa, muito gozada: a doutora outro dia me disse: “Vou te dar um exercício para relaxar as cordas vocais, que é assim: TRRRRRRRRRR”. E aí eu falei: “Doutora, o que é isso? Minha música chamada Fliperama começa assim: Trrrrririiii-rrr (risos); se ouvissem isso antes, o que iam dizer?” Mas ela é uma técnica, dessas pessoas que descobrem as coisas, desses Charles Sanders Peirces da humanidade.

Regina Porto - Quanto tem de cerebralismo na tua música?
Tom Zé - Tem muito.

(continua...)

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