quinta-feira, 9 de outubro de 2008


Fui algemado pro DOPS,
passei quatro dias lá
e ficava imaginando,
porque lá você tem que trabalhar
a mente feito o diabo

José Arbex Jr. - Qual era a acusação contra vocês?
Tom Zé - Porque eu estava com esse rapaz italiano, que, depois eu soube, tinha denunciado uns caras que o haviam também denunciado porque comprava aquelas pedras semipreciosas de Minas Gerais e levava pra Itália, comprava por 5 mil-réis pra vender por 10. Então, ele denunciou uns caras que contrabandeavam gravadores, e eles o denunciaram como contrabandista de armas. Ele estava passando três dias comigo, fazendo uma versão de uma canção minha muito romântica, que fazia sucesso, Silêncio de Nós Dois, que ele queria levar pra Itália. Como eu tinha irmãs muito metidas na coisa, uma que eu não sabia onde estava presa, outra estava no exílio, eu preso pensava: “E na hora que me perguntarem sobre elas, o que é que eu vou dizer?” Eu com medo disso, fazendo esse cálculo, e pensei: “E, no CPC, o que é que vão dizer de mim?” Na época do CPC eu morava na casa de Nemércio Salles. Como eu era muito tímido, tinha um caderno onde anotava quando ia na rua o tanto de timidez que eu sofria. Era um sofrimento terrível, eu tinha vergonha quando a moça estava na janela, quando alguém olhava pra mim, eu ia e anotava: “Comecei a andar desajeitado porque tinha uma moça na janela, nota três; andei alegre, altivo, concentrado, nota cinco... Fiquei perturbado porque perguntaram que sapato é esse, eu pensei que era comigo, era com o homem da feira, nota três.” (risos) Aí, Nemércio foi preso eperguntaram a ele: “O que é isto aqui?” (gargalhadas) E ele: “Isso aqui não é nada”. “Não, senhor, isto é um método chinês de dominação da mente! O senhor é um praticante das idéias de Mao Tsé-tung! (gargalhadas) O senhor é um perigo.” Então Nemésio disse que passou o diabo, e me contou sem saber que o caderno era meu! (gargalhadas) Muito bem, passei quatro dias no fundão do DOPS, felizmente – Deus abençoe ele! – aquele delegado que agora é senador, o Tuma, já havia tirado a porrada de lá. Então, quando entrei, depois de andar algemado no meio da rua, aquelas angústias todas e tal, vi uma coisa fantástica: imediatamente fizeram uma chamada pro meu lado da prisão e não tinha meu nome! E não faltava ninguém. Eu falei: “Ai, meu Deus, já mudei de nome, já sumi”. De repente veio a quinta, a sexta, o sábado, falei: “Eles vão procurar informações minhas na Bahia”. E naquele tempo não tinha e-mail, o sujeito, na melhor das hipóteses tinha um telefone daqueles que gritando quase se ouvia na Bahia, ou então telex da polícia.
Ricardo Kotscho - Você estava sozinho?
Tom Zé - Não, estava com o tal do italiano, mas aí é que é o diabo, porque o italiano era tão medroso que desarmava minha capacidade de pensar, de me manter vivo! (risos) O problema de você estar preso e se manter vivo é você pensar, eu por acaso tinha essa intuição, você tem que pensar, pensar lhe salva. Aí eu pensava, eu trabalhava, sem um papel, sem um lápis, uma luz acesa de 300 velas num quarto branco estreitinho. Aquilo era dia e noite, um castigo terrível. Até que, segunda-feira de tarde, os capitães, aqueles rapazes altos, guapos, artistas de cinema americano, simpáticos, me chamaram numa sala lá em cima no DOPS e um perguntou assim: “Escuta, o Sílvio Santos é simpático mesmo?” E eu: “É! (gargalhadas) O Sílvio Santos é simpático”. E comecei a me interessar pelo assunto, né? “E a Hebe Camargo?” “Ah, também! Simpaticíssima!” (risadas) E me mandaram embora! Não sei se porque não acharam meu nome na Bahia – eu era profissional do CPC com meu nome, Antônio José Santana Martins, ou Tom Zé – ou então porque eu não brigava com o IBAD...
Cláudio Júlio Tognolli - Você já se pegou fazendo algum tipo de autocensura, às vezes até para se adaptar aos tempos? Pelo seguinte: lembro que fui ver um show teu em janeiro de 1978, no Paulicéia Desvairada, a casa que era do Nelson Motta, umas garotas começaram a berrar, você pegou o microfone e na hora, não sei se foi de improviso, saiu: “Filha, contra o tédio te receito o dedo médio”. Aí imagino você falando hoje isso num palco, na época do politicamente correto...
Tom Zé - Essa música se chama O Dedo, que é o pênis multiplicado. E aí diz assim: “Menina, pra tanta dor, dedo de doutor! Menina que tem receio, dedo pelo meio! Menina que tem saudade, dedo pela metade! Menina que tem não sei o que lá, dedo por baixo da mesa! Menina, para o seu tédio, receito meu dedo médio! Menina, pro teu chorinho, receito meu dedo mindinho!” – que é um negócio machista, filha da puta, mas enfim é uma coisa bonita. (risos)
José Arbex Jr. - Uma coisa que está me intrigando: de um lado tem a queixa que você fez do segundo enterro etc.
Tom Zé - Não, retire a palavra queixa – a constatação. José Arbex Jr. - A constatação. Mas você sempre teve um grande trânsito entre o pessoal que faz novela, teatro, que faz música, atores, produtores. Sempre foi uma referência, então não há uma contradição aí entre... Tom Zé - Tinha respeito. Você tem razão em outra coisa que você nem citou. A crítica do Brasil sempre falou bem dos meus discos.
José Arbex Jr. - Então, tem uma contradição aí. O que causou o ostracismo?
Tom Zé - É assim. Os críticos do Brasil me disseram que não existe um poder de orientação que saia das páginas dos jornais. Aí eu falei isso em Nova York com esse pessoal que me trata com tanto carinho e eles disseram: “Nós também não”. Eu falei: “Mentira, vocês sim, foi porque vocês falaram bem de mim que eu fui cantar no MoMa, onde nunca brasileiro nenhum cantou, fui cantar no Walker Art Center, em Minneapolis, fui cantar na inauguração do Festival de Teatro de Londres. Em tudo quanto é lugar eu fui cantar por causa de vocês”. E a crítica no Brasil me tratava com o maior carinho. Se fosse lembrar do meu tempo de miséria, de não ter o dinheiro nem pra comida, que Elifas Andreatto ia lá, oferecia até dinheiro. Eu nunca precisei, mas, quando eu tinha um showzinho em qualquer lugar vagabundo, o Elifas conseguia até colocar na Bandeirantes, na Globo.
Marina Amaral - Mas o que aconteceu? Se não foi a crítica que causou o ostracismo, o que foi então?
Tom Zé - Eu tenho uma opinião: em 1973 fiz o disco chamado Tom Zé, Todos os Olhos, que tem um cu na capa. Não foi o cu que me tirou da circulação, foi o tipo de disco que era. Eu começava a brincar, a tentar me divertir, a tentar fazer esse negócio que chamo de pequenos abridores de garrafa que a pessoa vai decifrar. Como foi o primeiro e como eu tinha feito sucesso antes com Se o Caso é Chorar: (cantarola) Amor, deixe sangrar meu peito. Nego foi lá comprar – Se o Caso é Chorar, é flor, vamos dizer assim –, aí não achou flor, achou cordão de amarrar flor. Aí diz: mas que diabo, o Tom Zé me enganou, esse disco cheio de malandragem... Acontece que esse disco começou a formar um público, e fez sucesso nos Estados Unidos dezessete anos depois. Como coisa cult e como coisa de mercado. Então, o que que a gente pode pensar? Talvez aquele negócio que eu tenho medo de dizer, talvez tivesse feito uma coisa que não era pra fazer naquela época.
José Arbex Jr. - Você nunca sofreu a tentação de se adaptar ao mercado? De tentar fazer uma coisa pra vender?
Tom Zé - Eu quero contar duas coisas sobre isso. Primeiro: Guilherme Araújo, em 1975, quando fui fazer o Rock Horror Show, no Rio, dirigido por Rubens Corrêa, me disse: “Por que você não faz música caipira?” Música caipira ainda não era esse estouro generalizado, era uma coisa que começava a despontar. E eu falei, puxa, se eu pudesse fazer e pudesse ganhar dinheiro era bom, mas não sei fazer música caipira. Chico Buarque gosta de dizer, de brincadeira, que ele faz sete rocks em uma tarde, muito bem, ele faz, mas o rock que toca nunca será um desses sete que ele faz numa tarde. Ele faz rocks musicais. E rock é outro tipo de força, não é que não sejam musicais. É outro tipo de energia que não é a musicalidade. É a barbárie, é a força de suspender o sujeito do estômago pra cima. Tudo bem, eu não sei porque não sou teórico, mas acho engraçado o Guilherme não acreditar em nada do que eu fazia, porque ninguém ouvia também e nem ligava, e ter me mandado fazer música caipira.
Marina Amaral - Então, você nunca caiu em tentação de fazer alguma música mais comercial? Tom Zé - Eu não sei se cairia. Agora tem uma coisa, eu fico pensando assim: estou vivo até hoje, por que foi que não me aproximei de música fácil? Toda vez que eu sento pra fazer uma música penso, quero, trabalho pra fazer um sucesso.
José Arbex Jr. - Você busca o sucesso, então? Comercial?
Tom Zé - Sim. Xiquexique, que as moças dançaram na Olimpíada, eu pensava que ia ser um sucesso comercial. Adalberto Rabelo Filho - Menina Amanhã de Manhã também. Tom Zé - (cantarolando) “...menina amanhã de manhã quando a gente acordar quero te dizer...” também pensava que seria um sucesso comercial.
continua...

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