terça-feira, 9 de setembro de 2008

Saudades do Waldick

Juremir Machado

Serei brutal. Chocarei os mais sensíveis. Receberei centenas de e-mails indignados. Senti mais a morte de Waldick Soriano que a do ator Fernando Torres.
Eu estava em Natal na semana passada quando li nos jornais a notícia da morte do 'rei do brega'. Fiquei abatido. Desci para a beira do mar, sentei-me numa pedra sob um coqueiro, se não chorei, pensei na vida. Todo mundo é brega. Essa é a minha convicção.
Não há quem já não tenha algum dia uivado de dor de amor ou latido para o céu de raiva ou felicidade. Eu sempre achei aquela canção do Waldick, 'Eu Não Sou Cachorro Não', um clássico, uma obra-prima, uma pérola, um trabalho artístico da mesma relevância que 'Detalhes', a mais famosa música de Roberto Carlos.
A minha noção de brega é bastante particular. Para mim, do alto da minha arrogância e cultura, o chique é brega. Nada mais brega do que ser fashion. Quarentões de preto e rabo-de-cavalo são bregas. Todo romântico é brega. Todo roqueiro também.
O visual dos roqueiros, sempre vestidos de vampirinhos de novela das 7, é deliciosamente brega. O visual bom moço de Chico Buarque é apaixonantemente brega. O cabelo de índia velha de Roberto Carlos é espetacularmente brega. Chamar alguém de 'rei' é dolorosamente brega.
A mídia é brega. Gisele Bündchen é voluptuosamente brega. Em cada supermercado de Porto Alegre, há sempre cinco caixas mais bonitas do que ela. A vida é brega. Eu amo a breguice. Infelizmente, não consigo ser tão brega quanto foi o Waldick Soriano.
Quando eu era estudante de História e freqüentava as noites do Bom Fim, dividido entre o sonho de uma revolução comportamental e as leituras de Charles Baudelaire, atravessava noites inteiras bebendo e ouvindo Waldick Soriano, Sidney Magal, Tim Maia e Bob Dylan numa jukebox do bar Lola, na avenida Osvaldo Aranha.
Era terrivelmente belo e triste, de cortar os pulsos e sair correndo sem pagar a conta. Loucuras de juventude. Tudo por amor. Waldick era o que mais me sensibilizava. Ainda mais depois de Janis Joplin, Jimi Hendrix ou John Lennon.
Só a breguice é espontânea e autêntica. Ninguém precisa de curso de etiqueta ou de adestramento para ser brega. Vem ao natural. A breguice é intrínseca à natureza humana. Deixado livre, sem a formatação do gosto pela educação, todo ser humano se torna brega.
Gosto de pensar em Waldick com expressões cafonas e incrivelmente exatas: ele era gente como a gente, era povo como nós, farinha do mesmo saco que nós, humilhado e desprezado como nós, falava a nossa língua, sentia os nossos sentimentos, era do nosso mundo. Como todo brega que se respeite, Waldick Soriano morreu pobre.
Eu queria sentir a morte de Fernando Torres, marido de Fernanda Montenegro, mas ele era sofisticado demais, perfeito demais, de uma breguice afetada que eu não curto. Gosto é do brega de raiz, o brega puro, de calçada, o brega de pingüim na geladeira.
O Nordeste brasileiro é sempre maravilhosamente brega nas suas praias internacionais. O sujeito encosta uma camionetona na beira do mar esplêndido e manda o DJ ligar a máquina. A praia fica inundada com cantorias assim: 'Eu vou dar um cheiro no teu cangote e depois um beijo nessa boquinha'. Só Waldick faria muito melhor.
Pena que Caetano Veloso nunca, que eu saiba, tenha feito um show com Waldick Soriano. Teria sido divino. Melhor, divinamente brega. O Brasil teria amado. Eu também.

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