quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Telefone grampeado paga conta?



Fortemente constrangido

Dora Kramer
O Estado de S. Paulo
3/9/2008


O envio da diretoria da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para o altar dos sacrifícios já no primeiro dia útil da crise instalada no fim de semana, quando a revista Veja exibiu prova da existência de uma usina de invasões de privacidades em Brasília, foi entendido como um sinal de rigor e agilidade por parte do presidente Luiz Inácio da Silva.
Houve, de fato, uma alteração no padrão habitualmente adotado no Palácio do Planalto para a administração de escândalos. Mas nada que autorize entusiasmos com a rapidez e a austeridade da “ação” do presidente da República.
Primeiro, porque não foi uma ação, foi uma reação. Segundo, não foi rápida e, terceiro, não revelou o vigor e sim a fragilidade de Lula diante de um Supremo Tribunal Federal unido e disposto ao combate, caso se repetisse o roteiro de sempre.
Aquele velho conhecido: surge a denúncia, uma sindicância interna é aberta, a Polícia Federal inicia inquérito para investigar “a fundo”, ministros produzem versões contraditórias sobre o episódio, o Congresso põe o caso em alguma CPI e o presidente Luiz Inácio da Silva queda-se em mutismo absoluto esperando a passagem do vendaval.
Se a coisa fica muito feia, toma-se a corda em seu lado mais fraco, providencia-se ali uma punição a título de satisfação ao público e assunto encerrado.
Desta vez, o governo fez uma passada meteórica pelas preliminares e apresentou logo um suspeito. E por que fez isso? Porque se viu diante de uma emergência: ou fazia alguma coisa logo, apresentava um alvo qualquer, ou se arriscaria a se tornar ele mesmo o alvo de uma artilharia pesada.
A cobrança pública por providências, desde sábado, não partiu de um Congresso desmoralizado, nem de uma oposição acuada ou de uma opinião pública difusamente indignada.
Quem pressionava era a cúpula do Poder Judiciário, a guardiã da Constituição, dona da palavra final sobre as leis, a única instituição com poder e credibilidade suficientes para, em determinado momento - não precisava nem dizer, bastava insinuar que o presidente da República hesitava na defesa do Estado de Direito -, levar Lula às cordas.
Daí a necessidade de alterar a programação habitual e começar pelo fim: a apresentação do suspeito. Um ato inédito. O governo sempre se recusou a adotar o método consagrado no governo de Itamar Franco, quando seu então braço direito, Henrique Hargreaves, foi afastado do Palácio em função de denúncias envolvendo irregularidades nos Correios e reconduzido ao posto depois de inocentado.
Não que tenham faltado cobranças nesse sentido, ao contrário. As inúmeras foram rechaçadas pelo governo Lula sob o argumento da presunção de inocência e que demissões, mesmo temporárias, equivaleriam a condenações antecipadas.
A regra, até agora seguida sem exceção, levaria à suposição de que o governo agiu agora de forma diferente porque já dispunha de base sólida para apresentar o suspeito sem correr o risco de transformá-lo em réu injustamente.
A reação das autoridades ontem em Brasília mostrou que, quem chegou a essa conclusão, precipitou-se. Do vice-presidente da República, José Alencar, ao ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, passando pelo chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Jorge Felix, saíram todos em defesa do diretor demitido da Abin, Paulo Lacerda.
Um homem inatacável, um profissional bom e confiável, uma vítima de armação de gente interessada em desmoralizar a agência foi o mínimo que se ouviu a respeito da pessoa apresentada na noite anterior como chefe dos principais suspeitos.
Junto a esses elogios, ganharam reforço também as versões sobre a possibilidade de as escutas ilegais não terem sido produzidas dentro do aparelho de Estado, mas por quadrilhas de “ouvidores” (no mau sentido) do setor privado, vale dizer, Daniel Dantas.
Uma hipótese nem de longe a ser jogada fora, dada a trajetória de obscuridades protagonizadas pelo esquisitíssimo rapaz.
Agora, se vai nessa direção a desconfiança mais forte e se no dia seguinte o governo inteiro põe a mão no fogo por Paulo Lacerda, por que o afastamento em regime de exceção?
Por qualquer caminho que se vá, chega-se ao mesmo lugar: para proteger o presidente Lula de uma confrontação com o Supremo Tribunal Federal no âmbito onde este é autoridade máxima e àquele cabe submissão absoluta jurada no ato da posse: a legalidade.
Enaltecido o presidente poderia ser caso tivesse sido dele a iniciativa de compreender o significado da disseminação dos grampos. Mas tal entendimento não havia ainda se apresentado à cena, a despeito das várias denúncias (inclusive do próprio presidente do Supremo) sobre a propagação da invasão de privacidade da capital da República.
Apareceu apenas quando a situação foi traduzida para o idioma de Lula, um ás na distinção entre o que pode lhe render benefícios ou lhe causar prejuízos políticos no exercício do poder.

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O Estado não é policial, é frouxo

Clóvis Rossi
Folha de S. Paulo
2/9/2008


Dois presidentes, Gilmar Mendes, do STF, e Garibaldi Alves, do Senado, viram nos "grampos" em seus telefones um "estado policialesco".
É precisamente o contrário. Estado policialesco pressupõe um Estado forte, onipresente, hiperativo. O que existe no Brasil é um Estado frouxo, inerme, ausente exatamente onde a sua presença é mais necessária.
Episódios como o dos "grampos" contra duas das mais altas autoridades da República, para não mencionar Gilberto Carvalho, o mais próximo assessor do presidente Lula, só demonstram o quanto o atual governo é omisso. Prova-o a seguinte frase do ministro da Justiça, Tarso Genro, falando precisamente sobre interceptações telefônicas: "Estamos chegando a um ponto em que temos de nos acostumar com o seguinte: falar no telefone com a presunção de que alguém está escutando".
Traduzindo: o chefe da Polícia Federal, em vez de se indignar -e agir em conseqüência, o que seria ainda mais relevante-, prefere conformar-se com a sua incompetência, impotência, inapetência ou tudo isso ao mesmo tempo para controlar atividades que desrespeitam o Estado de Direito. Fosse menos relapso, o ministro diria que tomaria todas as providências para que a arapongagem deixasse de ser tão disseminada e que os inocentes poderiam ter a "presunção" de que só são ouvidos pelos seus interlocutores.
Se seu chefe, o presidente da República, também fosse menos relapso, teria afastado o ministro no ato, para demonstrar que não compactuava com a omissão do subordinado. Como não o fez, é forçado a agir tardiamente, punindo o policial, Paulo Lacerda, que foi o símbolo de uma elogiada PF. Não há símbolo que resista no governo Lula. Cai um após o outro sempre que qualquer labareda chega perto do presidente.

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Perguntar só por perguntar
Folha de S. Paulo
3/9/2008

1 - Se o delegado Paulo Lacerda foi afastado da Abin em benefício da "transparência" da investigação sobre o grampo no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, significa que ele, se mantido no cargo, "embaçaria" o processo?

2 - Se é assim, como a lógica elementar indica, não seria o caso de demiti-lo em vez de afastá-lo temporariamente? Afinal, um funcionário suspeito de ser capaz de atrapalhar uma investigação não deve chefiar nada, certo?

3 - Se Lacerda fez um bom trabalho na PF -e o fez, sim-, por que agora humilhá-lo publicamente com o afastamento que coloca em suspeição sua lisura?

4 - Se Lacerda foi preventivamente afastado, por que não o foi também o general Jorge Félix, afinal, superior hierárquico de Lacerda como chefe do Gabinete de Segurança Institucional? A lógica não deveria ser a mesma? Ainda mais que o próprio general, segundo a Folha, teria dito que a principal hipótese para os grampos é um ou mais funcionários da Abin terem sido contratados pelo banqueiro Daniel Dantas para executar o trabalho. Se essa informação é correta, então o general demonstra ter "hipóteses" antes mesmo de a investigação começar, o que pode, ante seu nível hierárquico, conduzir o processo investigatório a uma linha que, de repente, é incorreta.

5 - Se, como já disse orgulhosamente o ministro da Justiça, Tarso Genro, todo mundo deve falar ao telefone com a "presunção" de que alguém está ouvindo, por que os chefes do crime organizado, mesmo quando presos, continuam falando ao telefone, até dos presídios, com a maior tranqüilidade e, portanto, sem tal "presunção"? Ou será que é mais difícil -além de bem mais perigoso- grampear prisioneiros condenados do que cidadãos em liberdade e sem crimes a eles imputados?

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O grampo é cultural

Fernando Rodrigues
Folha de S. Paulo
3/9/2008

Aqui, na convenção republicana, por óbvio não se fala nada a respeito da grampolândia em Brasília. Mas entro no assunto para concordar com a definição do Estado brasileiro ("frouxo, inerme, ausente") feita ontem por Clóvis Rossi. Arrisco-me a ampliar o conceito.
O Estado brasileiro gosta dessa esculhambação geral. A falta de controle serve muito bem aos políticos. Eles vão se acomodando ao problema em vez de resolvê-lo. Quando cheguei a Brasília, na década de 90, um senador da República dado a bizarrices havia encomendado um revestimento acústico completo para seu gabinete. Rico, pagou de seu bolso.
Não seria melhor denunciar as tentativas de escuta clandestina em vez de revestir o gabinete?, perguntei na minha ingenuidade de neófito brasiliense. A resposta: "Impossível. Não vale a pena comprar essa briga. Eles ouvem quem eles querem. Não quero me indispor. Então, tento me proteger".
Mais adiante, durante o episódio dos grampos na Telebrás, em 1998, agentes do antigo SNI e dos porões do governo militar tiveram a ousadia de grampear uma conversa do presidente Fernando Henrique Cardoso. Vários políticos tiveram acesso às fitas. Cada um divulgou a parte que mais lhe convinha. Eram de oposição e da situação. Não há notícia de nenhum ter tentando realmente acabar com a mania nacional dos grampos.
Esses fatos se deram no governo FHC. Agora, sob Lula, pouca coisa mudou. É difícil afirmar ter havido um aumento dos grampos. Certamente as mazelas do país estão mais visíveis. Sabe-se até quantas linhas são monitoradas: 397 mil. Lula começou a atacar o problema pelo lado mais frágil. Afastou a direção da Abin. Incomodar as telefônicas, exigindo investimentos para tornar a burla mais difícil, é algo que ficará para depois. Típico.

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