terça-feira, 27 de maio de 2008

TERÇA POESIA E PROSA

O casamento do futuro
(Martha Medeiros)


Recentemente gravei uma entrevista com a apresentadora Patrycia Travassos, do programa Alternativa Saúde (GNT), para ir ao ar na semana dos namorados, em junho. Achei que falaríamos apenas sobre amenidades, mas chegando lá, a conversa girou em torno dos casamentos do futuro: como serão as relações daqui pra frente?
Onde fui me meter. Já que havia esquecido minha bola de cristal em casa, tentei sair de fininho, mas antes que eu pudesse escapulir o diretor disse: gravando!
É sempre um assunto delicado. Em minha defesa, aviso: sou romântica. Acredito que uma vida sem amor é uma vida árida, e não estou me referindo a amor pelos filhos, por amigos, por cachorros. Estou falando de homens e mulheres que nunca se viram até que um dia, uau. Acontece.
E tem mesmo que acontecer. Não se pode desistir de amar por causa da propaganda contra: amor não dura, amor vira amizade, amor faz sofrer. Tudo verdade, mas e daí?
Não restando saída, encarei a câmera e fiz minha previsão, que nem é original, já que há inúmeros exemplos práticos ao nosso redor: o casamento "até que a morte os separe" está com os dias contados.
Um casamento único será raro. As pessoas terão no mínimo dois casamentos, talvez três. Pessoas excessivamente animadas terão mais. Alguma novidade nisso? Nenhuma. É só olhar para os lados. Não há mais sedentarismo emocional.
Homens e mulheres não estão morrendo aos 60 anos, como antigamente, e sim aos 90, aos 100. Essa longevidade alterou nossos planos. Ganhamos praticamente uma vida adicional, e pode-se fazer muita coisa com ela, inclusive reapaixonar-se.
É o fim da era do "pra sempre". Mais valerá uma relação que dure uma ou duas décadas, porém intensa, do que uma eterna, porém passível de um tédio brutal. As crianças saberão desde cedo que o pai e a mãe seguirão os mesmos ad infinitum, porém haverá novos arranjos familiares, com madrastas e padrastos sendo absorvidos, assim como novos irmãos. Já é assim, não é?
A única diferença é que, nos dias de hoje, essa desagregação ainda gera muita culpa e sofrimento. No que a Igreja Católica, claro, dá sua gentil contribuição. Ainda somos vistos como hereges que carregam um coração de pedra.
De minha parte, tenho um coração mole, me emociono com histórias de amor e valorizo as longas parcerias: se forem honestas e apaixonantes, o que mais se pode desejar? Mas se deixarem de ser, não há razão para hipocrisia.
Já começa a ser aceita a idéia de que a diminuição do tempo de convívio não constitui um fracasso amoroso. Um dia haverá uma mudança total de mentalidade (não parcial, como hoje) que gerará uma sociedade menos ansiosa, menos iludida e, quem sabe, até menos infiel.
Foi isso o que eu mais ou menos disse naquela entrevista, e todos que estavam lá concordaram - mas éramos um bando de artistas, e opinião de artista vale menos que um palito de fósforo usado, como se sabe. Então aguardemos o tal futuro chegar.
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A esperança
(Paulo Sant'ana)
Eu tenho uma desconfiança de que uma das causas básicas da loucura é a ausência completa da esperança.
Porque está comprovado que a causa básica do suicídio é a ausência mais completa da esperança. E quando o desesperado não consegue suicidar-se por qualquer razão, entre tantas a falta de coragem, ele acaba enlouquecendo.
Isso tudo porque quando a gente passa pela rua e vê aquela multidão indo e vindo, o que a move é, em última essência, a esperança.
O que leva as pessoas à frente é a esperança.
Até mesmo as pessoas felizes circunstancialmente têm a esperança de que continue sua felicidade - ou de que, se ela se for, retorne em outra oportunidade.
Os crentes de todas as religiões nutrem a esperança de serem acolhidos no reino dos céus, de encontrarem-se em outra vida com seus profetas e com Deus.
Apenas, no caso dos crentes, a esperança tem outro nome: fé. Mas a fé é a base de todas as religiões. Por ela, os fiéis têm a certeza de que serão salvos, que estão no único caminho certo. E isso os anima na vida e os faz diferentes das outras pessoas desnorteadas ou repletas de dúvidas. As mulheres jovens se incendeiam na esperança de virem a ser mães. E as mulheres que já foram mães têm como única razão de vida a esperança de que seus filhos se realizem e sejam felizes.
O cadete tem esperança de vir a ser coronel, o soldado de vir a ser sargento, o taxista de vir um dia a deixar de ser empregado e vir a ser proprietário de um táxi.
É imprescindível a esperança na vida das pessoas. Nem que seja a esperança de vir a ter esperança.
A capacidade de pensar de um cérebro, de pulsar de um coração e de manter-se ereto e movimentar-se de um corpo dependem da esperança.
Quando não houver mais esperança, a pessoa desiste e morre. Ou enlouquece, é o meu palpite, porque a ciência ainda não identificou bem a causa da loucura.
Eu aposto que é a ausência mais completa da esperança.
Por isso é que Chesterton, um dos maiores pensadores modernos, disse "que louco é aquele de quem tiraram tudo menos a razão".
E o que quis dizer Chesterton com isso? Que foram tiradas tantas coisas de uma pessoa, todos os seus encantos, sonhos, haveres, afetos, crenças, a esperança, todos os seus valores, destroçaram-na e decepcionaram-na tanto, que acabou sobrando-lhe só a razão. Sozinha, ela também soçobrou e deu lugar à loucura.
A pessoa virou nada porque a razão não sobrevive sem os fatos.
Os fatos é que muitas vezes se desenrolam desastradamente sem a razão.
Toda a energia do homem deriva da esperança, isto é, da convicção, da certeza ou até dúvida de que poderá vir a ser feliz.
Como já expliquei outra vez, em face de que a felicidade, por ser efêmera, não existe, o dever do homem, em última análise, é procurar vir a ser menos infeliz.
Mas mesmo não podendo vir a ser feliz, porque a felicidade não existe, o homem obviamente sobrevive sem a felicidade.
Mas não tem nenhuma chance de sobreviver sem a esperança de ser feliz.

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