terça-feira, 6 de maio de 2008

TERÇA POESIA E PROSA


A vida a dois
Danuza Leão

E os amigos? A mulher implica com os dele, e ele com os dela, o que é um dos problemas do casamento.
O GRANDE problema da vida é que, mesmo quando duas pessoas são muito próximas, uma delas quer, com freqüência, exatamente o oposto do que quer a outra - e isso nos mais variados campos.
A mãe quer que o filho vá para a cama às dez horas -razão suficiente para que ele queira ir às três da manhã. E como resolver esse problema, a não ser usando da autoridade no que ela tem de mais antipático e antidemocrático?
Ponderar, explicar que a aula no dia seguinte começa cedo, tentar entrar num acordo, é apenas uma ilusão; cada um quer fazer o que quer e bem entende, e ceder, em nome do bom senso e da civilidade, deixa uma das partes -a que cede- de péssimo humor.
Com toda a razão, aliás. Existe coisa mais insuportável do que ir ver o filme que o namorado quer quando a vontade é ver um outro?
Jantar no restaurante que o amigo escolheu, fazer a viagem que o marido achou mais interessante, na época que ele decidiu ser a melhor? Mas para não ficar só é preciso ceder, e geralmente quem cede é sempre o mesmo -uma grande injustiça, aliás.
A marca e a cor do carro, o bairro onde vão morar, o tipo de comida que a empregada faz, as frutas que são compradas na feira, tudo costuma ser decidido sempre pelo gosto de um dos dois -e o outro que se habitue.
Só num ponto não há acordo: quem não gosta de alho não vai tolerar, jamais, que o outro chegue em casa com a prova do crime cometido no almoço; este é um tema sem nenhuma esperança de solução.
E os amigos? A mulher costuma implicar com os dele, e ele com os dela, o que é um dos grandes problemas do casamento.
Mas como estão os dois apaixonados e dispostos a qualquer coisa para que dê certo, cada um cede -olha aí a palavra de novo- um pouco; um dia saem com os dela, no outro com os dele, o que significa que sempre um vai estar com um certo mau humor quando chegar em casa -mas tudo pelo amor.
Ah, mas por que não se pode fazer apenas o que se quer? Poder até pode, mas para isso é preciso abrir mão de um marido, namorado ou caso -o que tem sido, aliás, a escolha de muita gente, nos últimos tempos. Mas será esta a solução?
Às vezes é ótima; não ter que dividir o controle remoto da televisão com ninguém -convenhamos- é uma grande felicidade. Mas como seria bom também ter com quem ir ao cinema e depois sair comentando, trocando uma idéia, parar num bar e tomar um chope, comer uma pizza e sentir que faz parte da humanidade, digamos, normal.
Porque, com todas as vantagens, quem escolheu ficar só se sente muitas vezes um estranho no ninho, seja entrando numa festa, seja saindo, seja sentado sozinho no restaurante observando os casais das outras mesas, juntos - mesmo que, grande parte das vezes, se você reparar bem, eles estão mais sós que você.
São muitas as vantagens de uma solteirice assumida; mas às vezes, numa tarde de sábado, batem uns sentimentos que contrariam essa escolha tão duramente feita. E nessas horas você pensa: ah, como seria bom estar com alguém, mas de verdade mesmo. Como seria bom.
Aí você passa em revista os amigos, todos os homens por quem poderia eventualmente ter algum interesse, e se pergunta: será que eu gostaria de estar com algum deles aqui comigo, agora?
E se a resposta for um não convicto, talvez seja a hora de reconhecer que algumas pessoas nasceram para serem sós, e que você -feliz ou infelizmente- é uma delas.
Ou, pensando melhor: será que não somos, todos nós, uma grande multidão de solitários?
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Doidas e santas
Martha Medeiros



"Estou no começo do meu desespero/e só vejo dois caminhos:/ou viro doida ou santa". São versos de Adélia Prado, retirados do poema A Serenata.
Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo o ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão - não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude. E encerra: "De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?".
Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz. Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente?
Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões - e a gente sabe como as desilusões devastam - terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?
Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???
Nem ela, caríssimos, nem ela.
Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do).
Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar "the big one", aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo?
Mas além disso temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio-pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar uma cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascina a todos.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.
Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.

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