por Eduardo Galeano*
(19-Abr-2008 )
(19-Abr-2008 )
Entre outras coisas, ficamos a saber agora que os pobres mais pobres do mundo, os "indigentes", somam quinhentos milhões a mais do que os que apareciam nas estatísticas. Além disso, tomámos conhecimento de que os países pobres são muito mais pobres do que diziam os números, e que sua desgraça piorou enquanto o Banco Mundial lhes vendia a pílula da felicidade do mercado livre. (Publicado em Envolverde)
Uma mentira
Até há pouco tempo, os grandes meios de comunicação presenteavam-nos, diariamente, com números alegres sobre a luta internacional contra a pobreza. A pobreza batia em retirada, embora os pobres, mal informados, não soubessem da boa notícia. Os burocratas melhor pagos do planeta confessam, agora, que os mal informados eram eles. O Banco Mundial divulgou a actualização do seu International Comparison Programa. Do trabalho participaram, além do Banco, o Fundo Monetário Internacional, as Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico e outras instituições filantrópicas, e nele os especialistas corrigem alguns errinhos dos relatórios anteriores.
Entre outras coisas, ficámos a saber agora que os pobres mais pobres do mundo, os "indigentes", somam quinhentos milhões a mais do que os que apareciam nas estatísticas. Além disso, tomámos conhecimento de que os países pobres são muito mais pobres do que diziam os números, e que sua desgraça piorou enquanto o Banco Mundial lhes vendia a pílula da felicidade do mercado livre. E como se fosse pouco, a desigualdade universal entre pobres e ricos foi mais medida, e em nível planetário o abismo ainda é mais profundo do que o do Brasil, sim, há países injustos.
Outra mentira
Ao mesmo tempo, um ex-vice-presidente do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, num trabalho conjunto com Linda Bilmes, investigou o custo da guerra do Iraque. O presidente George W. Bush havia anunciado que a guerra poderia custar, no máximo, 50 mil milhões de dólares, o que à primeira vista não parecia muito tratando-se da conquista de um país tão rico em petróleo. Eram números redondos, ou melhor, quadrados. A carnificina do Iraque dura há mais de cinco anos, e neste período os Estados Unidos gastaram um bilhão de dólares matando civis inocentes. Desde as nuvens, as bombas matam sem saber quem. Sob a mortalha de fumaça, os mortos parecem não saber o motivo. Aquele número de Bush basta apenas para financiar um trimestre de crimes e discursos. A quantia mentia, a serviço desta guerra, nascida de uma mentira, que continua mentindo.
E mais uma mentira
Quando todo mundo já sabia que no Iraque não havia mais armas de destruição em massa além das usadas pelos seus invasores, a guerra continuou, embora tenha esquecido os seus pretextos. Então, em 14 de dezembro de 2005, os jornalistas perguntaram quantos iraquianos morreram nos dois primeiros anos de guerra. E o presidente Bush falou do tema pela primeira vez. Respondeu: "Cerca de 30 mil, mais ou menos". E a seguir fez uma piada, confirmando o seu sempre oportuno sentido de humor, e os jornalistas riram. No ano seguinte reiterou o número.
Não esclareceu que os 30 mil se referiam aos civis iraquianos cuja morte apareceu nos jornais. O número real era muito maior, como ele bem sabia, porque a maioria das mortes não é publicada, e embora também soubesse que entre as vítimas havia muito idosos e crianças. Essa foi a única informação proporcionada pelo governo dos Estados Unidos sobre a prática do tiro ao alvo contra civis iraquianos. O país invasor só considera a conta, detalhada, dos seus soldados que tombaram. Os demais são inimigos, ou danos colaterais, que não merecem ser contados. E, em todo caso, contá-los seria perigoso: essa montanha de cadáveres poderia causar má impressão.
E uma verdade
Bush vivia os seus primeiros tempos na presidência quando em 27 de julho de 2001 perguntou aos seus compatriotas: Vocês podem imaginar um país que não seja capaz de cultivar alimentos suficientes para alimentar a sua população? Seria uma nação exposta a pressões internacionais. Seria uma nação vulnerável. E por isso, quando falamos da agricultura americana, na realidade falamos de uma questão de segurança nacional. Dessa vez, o presidente não mentiu. Ele defendia os fabulosos subsídios que protegem o campo do seu país. "Agricultura americana" significava, e significa, nada mais do que "agricultura dos Estados Unidos".
Entretanto, é o México, outro país americano, o que melhor ilustra seus acertados conceitos. Desde que assinou o tratado de livre comércio com os Estados Unidos, o México não cultiva alimentos suficientes para as necessidades de sua população, é uma nação exposta a pressões internacionais e é uma nação vulnerável, cuja segurança nacional corre grave risco?
Actualmente, o México compra dos Estados Unidos 10 mil milhões de dólares em alimentos que poderia produzir;
Os subsídios protecionistas tornam impossível a competição;
As tortilhas mexicanas continuam a ser mexicanas pelas bocas que as comem, mas não pelo milho da qual são feitas, importado, subsidiado e transgênico;
O tratado havia prometido prosperidade comercial, mas a carne humana, camponeses arruinados que emigram, é o principal produto mexicano de exportação.
Há países que sabem defender-se. São poucos. Por isso são ricos. Há outros treinados para trabalhar pela sua própria perdição. São quase todos os demais.
(IPS/Envolverde)
* Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, autor de As veias abertas da América Latina, Memórias do fogo e Espelhos/Uma historia quase universal. Montevidéu, Abril/2008(Envolverde/IPS)
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