quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A vida como ela é: sexo real x sexo virtual


Conexão total
Fábio Steinberg

Ainda traumatizada com o divórcio, depois de um casamento que pareceu perfeito por 20 anos até o marido se apaixonar por aluna da universidade onde lecionava, Tereza só queria uma coisa: reintegrar-se ao mundo. Derrubado o muro de isolamento social que até então restringia suas atividades ao trabalho, a primeira coisa que a advogada fez foi tomar pé das transformações ocorridas enquanto esteve casada. Descobriu que o Facebook, Orkut, SMS e demais redes sociais haviam se tornado a forma de comunicação e relacionamento entre pessoas. Sem prática no assunto, ela se sentia como quem retorna ao país após longa ausência, uma estrangeira em relação a novos hábitos ditados pela tecnologia da mobilidade. Timidamente tentou dar os primeiros passos dentro desses novos parâmetros estranhos. Depois de colocar nome e email na praça, em dias começou a receber dezenas de solicitações de conexão de todo tipo de gente desconhecida. Conhecidos também, desses que nem lembrava mais, ou preferia esquecer que existiram.
Já pensava em desistir das conversas superficiais e inúteis pelo facebook, cansada também de tanta exposição pessoal, quando surgiu João Tadeu em sua vida virtual. Solteirão, dono de uma concessionária de caminhões em Araçatuba, interior de São Paulo, ele parecia ser diferente. Educado e gentil, razoavelmente bem informado, logo os dois estabeleceram uma comunicação natural e até meio antiquada para os padrões da net, seguindo protocolos de conduta respeitosos e formais. Do mundo virtual ao telefone foi um pulo. Logo Tereza e João Tadeu estavam pendurados nos seus aparelhos horas seguidas como velhos conhecidos, na busca de tempos perdidos e denominadores comuns.
É verdade que de vez em quando João Tadeu iniciava uma conversa chatíssima sobre a sua rotina diária à frente da concessionária de caminhões, qual o tipo de motor ideal para cada veículo, e detalhes de vendas realizadas. Mas Tereza, carente de companhia e com a autoestima em baixa, tratava esses momentos sem graça como deslizes menores, procurando associar João Tadeu aos demais bons diálogos mantidos entre eles. Seja por medo de decepção com o verdadeiro “eu” escondido em cada um, protegidos pela confortável muralha da internet e pela distância de quase meio milhar de quilômetros que os separava, ambos culpavam compromissos profissionais para adiar o quanto puderam o primeiro encontro ao vivo. Isto não impediu, no entanto, que criassem entre eles uma intimidade galopante, típica dos que convivem em redes sociais. Foi com essa falsa sensação de quem se conhece há anos, num rompante de audácia, que em uma tórrida conversa sensual um dia João Tadeu pediu a Tereza para fotografar a própria boca e enviar por SMS ao seu celular.
Diante do mal estar provocado pelo silêncio dela no outro lado da linha, explicou que a sua proposta nada tinha de indecente ou desrespeitoso. Explicou que a prática do sexting, que inclui enviar fotos eróticas pelo celular, era amplamente adotada nos países mais civilizados entre pessoas adultas. Relutante e sentindo-se ridícula pelo vacilo, Tereza acabou por concordar. Ele por sua vez se desmanchou em elogios à beleza e sexualidade da advogada logo que o material solicitado chegou pelo celular.
Dias depois, mais confiante, pediu à Tereza um SMS com a foto dos seios, no que, para sua surpresa, foi prontamente atendido. Atribuiu à timidez e inexperiência de Tereza não ser por ela requisitado a retribuir a gentileza com uma imagem de uma parte mais íntima de seu corpo dele. Na verdade, sentiu-se até aliviado por não ter que apresentar a calvície pronunciada e o estômago saliente.
Algum tempo mais tarde, o jogo erótico voltou a ocorrer, só que de forma inesperada. Estava Tereza em seu escritório recebendo clientes engravatados de uma multinacional quando o celular apitou com uma mensagem. Rabo de olho, ela viu que era João Tadeu: “Mande agora sua foto pelada, sem calcinha”. Como que comandada por força superior irresistível, ela pediu licença e trancou-se no banheiro, fazendo o solicitado.
Agora que estavam sem freios nas ações e muito excitados, veio o próximo comando do amor à distância. Tereza deveria tirar uma série de fotos, nua e provocante, e enviá-las a João Tadeu. Era uma tarde de sábado. Com calma e relaxada, deitada em sua própria cama, ela se despiu e passou a buscar posições sensuais, com ângulos que melhor a favoreciam para primeiro clicar, e a seguir remeter ao celular de Araçatuba.
Estava no meio do processo quando o telefone da casa tocou. “Desculpe assustar você. Por favor, não desligue”, pediu uma voz masculina muito agradável e segura. Entre surpresa e curiosa, Tereza permaneceu na linha.
O interlocutor se apresentou como Carlos, vizinho do prédio da frente. “Não me tome a mal, não sou desocupado nem tarado. Não pude deixar de observar da janela a sua beleza e sensualidade. Com todo o respeito, o seu corpo é encantador”.
Foi quando ela percebeu que, de tão entretida na atividade erótica, deixara abertas as janelas do quarto. Paralisada pelo inusitado da situação, Tereza não se decidia entre desligar o telefone, cobrir o corpo nu, fechar as janelas, ou permanecer na linha. O bip do celular a interrompeu com mensagem de João Tadeu: “Por que você parou de mandar as fotos?”
“Faço estes comentários sobre você não só apenas como homem, mas profissionalmente. Sou cirurgião plástico”, emendou o doutor Carlos pelo telefone da casa. Novamente foi interrompida por bip no celular. O companheiro virtual cuspia mensagens sem parar. “O que aconteceu?” “Por que seu telefone está ocupado?” “O que está fazendo?”
“Por favor, me dê uma chance de conhecê-la”, implorava o doutor pelo telefone. “Prometo que você não vai se arrepender”.
Num rompante, Tereza desligou o celular e resolveu concentrar atenções na ligação com o doutor Carlos. Estava fascinada pelo tratamento respeitoso e pela prosa inteligente, e a conversa entre os dois fluía fácil e agradável. Quase que automaticamente ela concordou em um encontro pessoal dentro de meia hora em território neutro e seguro: a portaria do seu próprio prédio. Que mal isso poderia causar?
Na hora marcada, apresentou-se um distinto senhor, muito bem vestido, elegante, charmoso, perfumado, e mais velho. Soube que o doutor Carlos era um solitário viúvo, com filhos criados, casados e resolvidos. Revelou uma vida triste e cinzenta, limitada à rotina trabalho-casa-trabalho. Os dois sentaram-se no sofá da recepção, e lá ficaram por horas seguidas, mas que pareceram passar em segundos. Foi um encontro sadio, à moda antiga, carne e osso, olho no olho. Testemunha discreta, o porteiro do prédio, sentado numa mesa de trabalho próxima, acabou fazendo o papel de mãe que acompanha o namoro da filha casadoura, como antigamente.
Hoje, casados e feitos um para o outro, doutor Carlos e Tereza estão muito bem de vida e amores. Sempre disposto a atender as vontades da esposa, ele só é intransigente em uma questão: celulares para ela, apenas os básicos, destes que só falam mas não tiram fotos.
Quanto a João Tadeu, sumiu do radar por uns bons tempos. Até que a sua revendedora de caminhões trocou de propriedade. Dizem que agora é dono da maior rede de sex shops do interior de São Paulo.

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