domingo, 23 de dezembro de 2007





A vida é um sopro, a gente vem, conta uma história e todo mundo esquece depois."
(Oscar Niemeyer)
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Discreto lembrar

Outro dia, li alguns textos que falavam sobre os 100 anos do Oscar Niemeyer e em um dos textos, que não lembro qual, o arquiteto faz uma observação interessante quando diz que 100 anos não é assim tanta coisa considerando que aos 70 começamos a perder os amigos. É um pouco por esse viés que não penso a morte apenas como um rito solitário. Fomos assistindo, ao longo dos últimos anos, o esgarçar de um grupo de amigos. Na época da morte do meu avô, em 1960, além da expectativa de vida ser bem menor que hoje, a idade não me permitia fazer certas leituras dos fatos. O sentimento de perda existia mas parecia estar mais distante e ser menos ameaçador. Estou falando dos anos 60 e 70 quando Ipaumirim começa a perder as suas mais antigas lideranças políticas, praticamente aquelas que foram fundamentais para a emancipação do município. Depois, pela ordem natural das coisas, as perdas foram se acumulando e o tempo foi impondo seus limites. Não tenho o perfil de quem cultiva tristezas, sou meio avessa a exposição pública de sentimentos, longe de mim os gestos dramáticos mas não sou indiferente. Sei que as perdas não são apenas familiares. São coletivas porque pautaram um tempo da nossa vida comunitária. Sem discutir méritos pessoais, foram os exemplos que tivemos e com eles compartilhamos espaços. Os seus valores, errados ou certos, construíram a nossa compreensão que naturalmente foi-se ampliando por nossas próprias experiências individuais. Nesse contexto, vejo a partida de Seu Alberto. Poucas lembranças tenho de quando ele era mais jovem. Para mim, era o homem que trabalhava na estatística e era pai de Socorro, Maria do Carmo com quem eu brincava e mais dos outros meninos. Na época, ainda no primeiro casamento, tenho vagas lembranças que viviam ali por perto de Bosco Bidu e depois (ou antes?) na casa da esquina vizinha a antiga prefeitura. Parece-me que o IBGE ficou um tempo na rua do cemitério (ou seria o correio??) e depois na Praça do Posto. As lembranças mais remotas são sempre lembranças de um leitor dedicado. Enfrentou uma sociedade conservadora e preconceituosa quando se separou de Graziela e foi viver com Socorro. Teve coragem e paciência de esperar a acomodação das coisas quando seria mais fácil optar por uma segunda relação sem desvincular-se da primeira. Escândalo na época, mas uma forma de agir mais corajosa num período em que tantas mulheres foram sacrificadas e submetidas aos estigmas e estereótipos impostos pelo cinismo de uma sociedade machista. Entra na política na década de 70, período cinzento da nossa história, sem grandes embates, país dominado pela ditadura militar, partidos políticos sem expressão. Numa cidadezinha interiorana e inexpressiva praticamente não havia o que fazer além de ter o título de vereador. O país implementando um processo de modernização , o interior ficando com o sobejo das sobras, mais por um processo de decantação que pela importância política ou estratégica. Assim, o município foi incluído, de certa forma, na expansão da malha rodoviária, recebeu energia elétrica e os reflexos da ampliação dos sistemas de comunicação. Também participa do início do período de renovação de lideranças na Câmara dos Vereadores quando entraria, acredito eu, o que viria a ser o inicio de uma terceira geração de políticos com a entrada de jovens como Zé Alan, Zé Strauss e Salete Vieira, projetos de liderança política que não vingaram por diferentes motivos. Na prefeitura, convive com os jovens prefeitos Miraneudo Linhares e Luiz Alves Freitas. Homem de seu tempo, apaixonado pelos livros e principalmente por Canudos, tinha um perfil intelectual conservador calcado na formação positivista que permeou o século XX. Fazia poesias e gostava de poesia popular. Encontrei-o muitas vezes na loja de meu pai tirando dois dedos de prosa. Meu pai gostava dele e de conversar com ele. Já no fim da sua jornada, freqüentar a casa de Seu Alberto era o seu passeio favorito. Vinha das prosas mais animado. Eu também gostava de sua conversa, de ouvi-lo contar as estórias do Cedro, de cantadores e de dizer que o seu mundo estava ali, não queria outra coisa, era fiel a si mesmo e às suas convicções. Que bom que não o vi doente, assim preservo a lembrança saudável do homem e do seu tempo.


Recife, 23 de dezembro de 2007.
Maria Luiza Nóbrega de Morais

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