O ADEUS À VILA LIDINHA
(Josecy Almeida)
19 de julho de 1983, entre nuvens de poeira sucumbia a “Vila Lidinha”. Desaparecia de Ipaumirim um monumento que fez parte da nossa história. Uma residência que não foi somente residência da tradicional família Barbosa; contudo foi palco de grandes festas que mais pareciam espetáculos produzidos e apresentados pelo seu autor – ex-proprietário de saudosa memória – Osvaldo Ademar Barbosa. Pelo seu grande porte nos serviu como sede da Prefeitura Municipal e Associação Atlética Banco do Brasil
(AABB).
“Vila Lidinha”, assim denominada, deixa nas páginas do livro de memórias de cada ipaumirinense, fatos sociais que somente os traços suntuosos da engenharia de Ademar Barbosa pode transcrever diante dos nossos olhos. Acontecimentos inesquecíveis ficaram marcados nos jardins daquela residência. Naqueles degraus, ficaram marcados, para sempre, a imagem esbelta e elegante de quem por duas vezes foi a primeira dama do nosso município – D. Lidinha.
Existiu sempre muita coisa em comum entre a “Vila Lidinha” e Dona Lidinha pois nem sempre os efeitos implacáveis do tempo conseguiram apagar a beleza de ambas. Acredito que a geração mais nova ao ler ou ao me ouvir se sentirá invejosa por não ter tido, como eu, o privilégio de conhecer a “Vila Lidinha” de ontem.
Como sempre, Ademar Barbosa não se contentava com seus momentos de prazer e alegria que lhe eram proporcionados na capital do Estado. A sua satisfação maior era dividi-los com seu povo. E, numa bela manhã, ao ribombar de fogos de artifício, aos acordes de banda de música, sob os aplausos delirantes de centenas de ipaumirinenses, surgiu no último degrau da escadaria daquela residência a fina flor da nossa sociedade - Maria Auxiliadora Barbosa – que com sua graça e beleza exuberante arrebatara o título de Rainha do Algodão do Estado do Ceará. Sob uma chuva de pétalas de rosas descia elegantemente a escadaria e tomava posição em carro aberto. Desfilava pelas ruas de nossa cidade acenando para os seus conterrâneos que se postavam nas calçadas e retribuam o aceno através de calorosas salvas de palmas. Após a alegoria que conduzia nossa rainha, um outro carro aberto com seus genitores, Sua Excia. Prefeito Municipal Osvaldo Ademar Barbosa e Sra. Lídia Abrantes Barbosa. Após o desfile, um verdadeiro carnaval balançava as colunas da bela residência que, hoje, impiedosamente o homem atira ao chão.
Hoje, a “Vila Lidinha” é despojada dos nossos olhos, mas não das nossas lembranças. Dezenas de pessoas foram atraídas àquele local, alguns curiosos para se divertirem com o show agonizante das paredes que eram obrigadas a desaparecerem entre ruínas; outros, como eu, foram fotografar na memória e levar seu último adeus ao belo casarão. Ontem, tão bem zelado, suas paredes pintadas e decoradas com quadros que eram verdadeiras obras de arte; hoje, simples amontoados de terra.
Cada tábua, cada tijolo, cada grão de areia estão marcados pelas mãos de seu arquiteto Ademar Barbosa que pelo trabalho, sua coragem, sua perspicácia e humildade soube perpetuar seus gestos no coração de cada ipaumirinense.
Quase nada resta no local a não ser uma enorme cratera para dar passagem a um majestoso edifício – BANCO DO BRASIL. Mas ali ainda existem duas vidas indefesas. Nada fizeram e estão condenadas à morte. O homem com suas serras afiadas já delimitaram o local onde ambas tombarão sem vida. Duas árvores que foram plantadas e regadas por duas mãos finas e delicadas, duas mãos que embora sejam de uma senhora de requinte também é uma devotada dona de casa e jamais dispensou suas tarefas domésticas. Estas árvores estão com seus dias contados. Estes dois seres não podem pedir socorro e não sabem demonstrar a angústia da morte àqueles que ainda procuram suas sombras. Elas que, no alto, embelezaram por muitos anos a nossa cidade serviram de abrigo aos senhores bancários e amigos que se deleitaram tomando sua cervejinha gelada. Por que ignoram os últimos acontecimentos? Ninguém se manifesta. Elas estão lá, sempre muito verdes, com o vento embalando suas folhas. Alguns pássaros, em forma de despedida, gorjeiam de galho em galho como se quisessem despedir-se de folha por folha. Eles estão chorando, eu sei; eles choram os últimos momentos destas que carinhosamente sempre lhe davam pousada.
Com a voz embargada, a mão trêmula, mas com a consciência do dever cumprido, deixo o meu adeus sofrido a saudosa “Vila Lidinha”.
Josecy Almeida, 20/07/1983
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