terça-feira, 18 de novembro de 2008

Quarta via: educação

Do Ceará para o ITA

De um grupo de escolas de Fortaleza saem todo anoalguns dos melhores alunos em ciências exatas do país
Renata Betti

Em um pequeno conjunto de escolas no Ceará, os estudantes parecem se divertir aprendendo, tamanho é o seu entusiasmo em dissecar plantas, participar de campeonatos de matemática e varar madrugadas no laboratório. Pergunte a esses jovens o que eles mais ambicionam na vida, e a resposta será algo como "me tornar um bom cientista, claro". Tamanho apreço por matemática, química, física já chamaria atenção pelo fato de ser raro nas escolas brasileiras. O que surpreende ainda mais no caso desses estudantes é saber que, em meio a milhões de outros no país, eles estão entre os melhores em tais disciplinas. O desempenho exemplar em exatas é difícil de ver no Brasil – mais ainda no Ceará, onde as notas costumam ficar abaixo da média brasileira. O animado grupo de aspirantes a cientista é, portanto, responsável por dois feitos improváveis. Um deles foi ter alçado o Ceará à condição de estado com o maior índice de aprovações nos últimos cinco vestibulares do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), um dos mais concorridos do país. Entre os calouros, cerca de 30% sempre são cearenses. A posição de destaque se verifica também em outro levantamento recente, este com base nas olimpíadas nacionais de física, química e matemática. Dos 670 alunos que receberam medalhas em diferentes competições, 260 eram do Ceará. Nada menos que 40% dos campeões.

Fabiano Accorsi
O melhor da turma
O cearense Tarcísio Neto:
ele entrou no ITA aos 16 anos


A que se deve o inesperado sucesso cearense na área de exatas? A um grupo de escolas particulares de Fortaleza que, juntas, reúnem 25 000 estudantes dos ensinos fundamental e médio. Quando a primeira delas começou a focar o ensino das ciências, vinte anos atrás, foi sendo copiada pelas outras – que se viram na necessidade de mirar essas disciplinas para sobreviver à disputa por alunos. Os números mostram, agora, que a fórmula aplicada nessas escolas funciona. Não é exatamente original, mas tem o mérito de reunir algumas das medidas de eficiência comprovada em países como Finlândia e Coréia do Sul, os melhores do mundo em educação. Um dos pontos comuns entre as escolas coreanas ou finlandesas e estas cearenses é a carga horária puxada reservada às disciplinas exatas – 25% maior do que a média brasileira. A jornada de estudos é de sete horas, mas, entre aulas extras de xadrez e ("emocionantes") gincanas de matemática, os estudantes ficam ali por mais de doze. Nas escolas em que prevalecem o espírito de competição e a meritocracia, os melhores da turma são alçados às prestigiadas "classes olímpicas". Algo que move alunos como Guilherme Freire, 18 anos, do colégio Farias Brito: "Eu e meus colegas podemos passar o dia inteiro resolvendo um único problema de matemática. E isso é diversão, jamais sofrimento".
David Capibaribe
Campeonato de xadrez
Alunos adoram competir

O ambiente nessas escolas destoa também pelo alto nível dos professores e dos diretores: 60% são mestres ou Ph.Ds. numa ciência exata. É o caso do engenheiro Henrique Soárez, com mestrado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, hoje no comando da escola 7 de Setembro: "O ponto central aqui é que os professores se prepararam para desempenhar a função". Um contraste em relação ao que ocorre na maioria das escolas brasileiras. Nas públicas, impressiona o fato de 70% dos professores jamais terem estudado para ensinar tais disciplinas. Diante desse cenário, não espanta que, às vésperas da faculdade, os brasileiros (incluindo os de colégio particular) desconheçam a função dos órgãos do corpo humano e demonstrem perplexidade com o fato de a Terra girar em torno do Sol. Isso é o que mostra um estudo conduzido pela OCDE (organização dos países mais desenvolvidos), que produz os rankings internacionais de ensino – aqueles em que o Brasil aparece, sempre, entre os últimos. Diz o especialista Gustavo Ioschpe: "O desempenho ruim dos alunos brasileiros tem relação direta com o péssimo nível dos professores".
Bons profissionais, por sua vez, conseguem algo que merece atenção no caso cearense – feito resumido em poucas palavras pela estudante Jéssica Fernandes, 18 anos: "Sabe o que é contar os minutos para uma aula começar?". A moça e seus colegas desfilam camisetas com os dizeres "Just do ITA" (Só faça ITA) e justificam as olheiras citando as noites insones no laboratório. As aulas práticas, cujo cenário são salas bem equipadas, também ajudam a explicar o sucesso do modelo cearense. Básico, mas raro no Brasil. "Os cearenses que chegam aqui sabem como aplicar o conhecimento científico ao mundo real", avalia o coordenador do vestibular do ITA, Luiz Carlos Rossato. Para passar num concurso tão difícil, os estudantes estão sujeitos a privações e muitas exigências escolares, entre elas resolver equações que consomem horas e horas da vida de gente como o cearense Tarcísio Neto, 19 anos, aprovado no ITA aos 16: "Para me tornar um bom engenheiro, vale o esforço". O entusiasmo dele e dos outros é mais um sinal de que se está, sem dúvida, diante de um bom exemplo.
Fotos Photodisc/Eyewire


Fonte: Revista Veja
Enviada por Flávio Lúcio
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Experimentando a ignorância
Leandro Nogueira
Professor EEFD-UFRJ



Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos da América e principal autor da Declaração da Independência Americana, dizia que “se uma nação espera ser ignorante e livre, num estado de civilização, espera o que nunca existiu e nunca existirá”.
Jefferson não foi um homem de bravatas; além de revolucionário e estadista, foi filósofo, arquiteto, arqueólogo, vinicultor, gastrônomo e fundador da Universidade da Virgínia.
Muitos anos depois, outro norte-americano, Derek Bok, jurista, educador e vigésimo-quinto presidente de Harvard, cunhou a famosa advertência, “se você pensa que a educação é cara, experimente a ignorância”.
Não obstante o significado dos Estados Unidos e da Universidade de Harvard no cenário internacional, aqui no lado de baixo do Equador, a maioria dos políticos brasileiros, os especialistas de aluguel e muitos dos chamados “formadores de opinião” presentes em nossa “imprensa livre”, jamais se permitiram sensibilizar por tais declarações.
Com efeito, ao final do sexto ano da Era Lula, regida pelo nosso festivo presidente-companheiro, peladeiro e corintiano, o IPEA divulgou um levantamento revelando que o Brasil gastou com o pagamento de juros do endividamento público, entre 2000 e 2007, nada menos que R$ 1,268 trilhão, o que equivale a 8,5 vezes o dinheiro investido em educação no mesmo período, que foi de apenas R$ 149,9 bilhões.
Deve ser ressaltado contudo, que se a quantia destinada ao pagamento dos juros seguiu líquida e certa para os bolsos dos credores internacionais, boa parte do montante que deveria ser aplicado na educação, terminou por escorrer na vala da corrupção endêmica que envolve politicos, secretarios de educação, diretores escolares, reitores universitários, ONGs, OSCIPs, empreiteiras, fornecedores diversos, lobistas etc .
Não é à-toa portanto, que o país vem colecionando sucessivos fracassos no campo da educação; que a maioria das escolas públicas brasileiras não passam de depósitos de alunos e que as universidades públicas vêm operando à mingua de toda a sorte de recursos.
Historicamente o Brasil vai assim se firmando como grande exportador de capitais e experimentador convicto da ignorância.
Em razão dessa experiência socialmente cancerígena, o ensino médio, segundo dados do INEP, sequer consegue formar um número de alunos que seja igual ao número de vagas oferecidas no ensino superior, hoje privatizado e destituído de qualidade acadêmica em sua maior parte.
Os resultados apontam então, para uma sociedade que está sendo condenada a contar com recursos humanos e empregos de baixa qualidade, uma combinação fatal para qualquer projeto de sustentabilidade.
Nesse sentido, o mesmo levantamento do IPEA revela que de 1990 a 2007, o rendimento médio mensal dos 10% mais pobres, passou de R$ 67,00 para R$ 97,00, enquanto que no caso dos 20% mais pobres, esse mesmo rendimento passou de R$ 202,00 para R$ 236,00.
Não bastasse a evolução irrisória desses rendimentos, houve no mesmo período decréscimo no rendimento médio mensal dos 10% mais ricos, que passaram no mesmo período de R$ 4.559,00 para R$ 4.114,00 (sic!) e também dos 1% dos mais ricos, que passaram de R$ 13604,00 para R$ 11.878,00 (sic!).
Não por outro motivo, segundo o mesmo levantamento, a participação dos salários dos trabalhadores que compunham em 1990, 53,4% da renda nacional (PIB), caiu em 2007 para 46,5% desse mesmo montante, evoluindo a massa salarial na mesma direção da trança de Rapunzel, apesar da recente emergência de uma nova “classe media”, que segundo o IBGE começa no patamar do rendimento médio mensal de R$ 1.064,00 (!).
Em meio à essa deliberada apologia à insensatez, as lideranças do setor da pós-graduação brasileira, talvez o único a escapulir momentamente da tragédia que se abate sobre os demais segmentos educacionais, trabalham como se nada disso lhes dissesse respeito, ocupadas demais com os indices de produtividade acadêmica, com as bolsas e financiamentos oferecidos pelas empresas de capital intensivo e também com a oportunidade de criarem os MBAs disso ou daquilo.
Pior, essas mesmas lideranças e também as que constituem as cúpulas dirigentes do ensino superior brasileiro, portam-se como ovelhas pós-graduadas, diante da sonegação e fiscalização dos recursos fundamentais para a educação brasileira e frente às iniciativas patéticas como o ENEM, o ENADE, o ProUni, o REUNI e a nova Lei de Estágio, somente para citar alguns exemplos, baixadas à revelia de qualquer debate minimamente racional, e que por isso mesmo funcionam como deslavados simulacros do controle e da democratização da questão educacional no país.
Como não existe exemplo de nação que tenha dado certo em meio a tal descaso histórico com a educação, que optou ainda pela exportação de capitais e em detrimento dos investimentos necessários ao desenvolvimento humano de seus habitantes, o futuro do país, que segundo Stefan Zweig seria vocacionado para um desenvolvimento pacífico e civilizador, encontra-se agora sob a perspectiva sombria e atordoante, do aprofundamento de um extraordinário nível de violência social, cada vez mais iminente, que o pesquisador e especialista em literatura médica, Luís Mir, não hesita em já classificá-lo como autêntico estado de guerra civil.

Fonte: http://www.observatoriodauniversidade.blog.br/Blog/blog/2008/11/17/

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