Há coisa de dois ou três meses apareceu, no portão do sítio, um pacote grande, embrulhado num saco de lixo preto. Ninguém viu quem trouxe. Amanheceu e estava lá. Assim que foi notado, ficaram todos da casa, bípedes e quadrúpedes, muito cabreiros com a sua presença. Nos dias de hoje, ninguém vê com confiança ou simpatia pacotes grandes, embrulhados em sacos de lixo pretos.
Os cachorros cheiraram e latiram, os gatos mantiveram distância, o Dirceu olhou de longe, cutucou com uma vareta, chamou Mamãe. O conteúdo parecia ser duro, sólido, como madeira. Não era nada morto, com certeza. E não parecia ser bomba, muito embora ninguém da família tenha a mais remota idéia de como seja uma bomba, salvo pelo que se vê no cinema e nos desenhos animados.
Finalmente, depois de mais cutucadas e de muita hesitação, o pacote foi trazido para dentro, e aberto com o cuidado que a desconfiança recomendava. Quando o conteúdo se revelou, surpresa total: quem poderia imaginar que um poema roubado há 30 anos voltasse ao lar daquela maneira?!
* * *
Com o tempo, as tabuletas foram sumindo. Algumas queimaram junto com as suas árvores nos incêndios que, há alguns anos, eram comuns na região e que, apesar dos esforços do pessoal lá de casa, eventualmente atingiam partes do terreno. Outras foram vítimas do tempo. A maioria, porém, desapareceu sem deixar vestígios.
* * *
Forrarei tua casa já tão antiga
Com um papel que imita as paredes de tijolo.
Ficará tão lindo como se estivéssemos na Holanda.
Forrarei tua casa assim, mas por dentro,
De modo que, longe de todas as vistas,
Será como se estivéssemos ao ar livre, no jardim.
E deixarei uma parede quebrada ? não uma porta, não uma janela:
Uma parede quebrada por onde passe um ramo de goiabeira
Carregado de flores e vespas.
Parecerá que estamos sonhando,
E estamos sonhando mesmo,
E parecerá que estamos vivendo,
E a vida não é mesmo um sonho impossível?
* * *
Dentro do pacote, junto com a tabuleta, veio um bilhete escrito em letra pouco cultivada, na folha arrancada de um caderno. Dizia o seguinte: "Quando era menino achei este quadro lindo, pelo poema. Peço perdão por ter roubado este quadro. Hoje sinto necessidade de devolvê-lo. Sinto-me envergonhado pela minha atitude. Mais era só um menino. Peço perdão a Deus e a vocês. E que vocês também consigam perdoar."
Não havia nome, assinatura, nada. Ficamos com muita pena, pois teríamos gostado de conhecer e abraçar o menino antigo que roubou o poema e o homem correto que o devolveu, passados tantos anos. Mal sabe ele que nos deu um presente muito maior do que o que levou: um mundo onde crianças roubam poemas e adultos os devolvem é um mundo de beleza e de esperança.
Um comentário:
Parabéns pelo seu blog, fico feliz em ver um blog tão bem feito e atualizado. Obrigado por citar a nossa cidade de Icó, da qual sou natural e temos o blog de Icó (www.icoenoticia.com). Só uma correção,a fota é da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Expectação e não do Senhor do Bonfim. Posso te mandar a foto da igreja.
Estará nos favoritos do Icó é Notícia. Convido você a visitar o Icó e seu belo acervo arquitetônico. Mora onde? Até mais e mais uma vez parabéns !
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