Uma de cada seis pessoas em todo o mundo está passando fome hoje. É mais ou menos como se duas pessoas do seu time de futebol não conseguissem jogar porque estão sem comer há dias. Na América Latina, somos mais de 51 milhões de subnutridos, apesar de sermos uma região exportadora de todo tipo de alimentos.
José Graziano da Silva
José Graziano da Silva
Querido Arthur,
No dia 16 de outubro, a FAO comemora o Dia Mundial da Alimentação em todo o mundo, para lembrar a data da sua fundação.
Espero que você ainda se lembre o que é a FAO: onde o vô trabalha: é uma Organização criada há muitos anos para acabar com a fome no mundo. Infelizmente temos pouco a comemorar em relação a isso: o número de subnutridos – ou seja, pessoas que passam fome - vem aumentando, tendo atingido 923 milhões em 2007, sem contar os milhões que morrem antes. Uma de cada seis pessoas em todo o mundo está passando fome hoje. É mais ou menos como se duas pessoas do seu time de futebol não conseguissem jogar porque estão sem comer há dias.
Na América Latina, continente onde está o Brasil, somos mais de 51 milhões de subnutridos, apesar de sermos uma região exportadora de todo tipo de alimentos –frutas, carnes, leite, cereais- para todo o planeta. Desde 1990 o número de famintos na nossa região vinha diminuindo de 53 milhões para 45 milhões em 2005. Infelizmente em 2006 e 2007 – voltou a aumentar em 6 milhões, passando para 51 milhões de famintos em 2007.
Ou seja, em apenas dois anos perdemos quase tudo o que havíamos conquistado anteriormente. Isso porque os preços dos alimentos subiram muito nesses últimos anos. E apesar de que o nosso continente é um grande produtor de alimentos, milhões de pessoas não têm dinheiro suficiente para comprar o mínimo que necessitam para garantir uma alimentação adequada para suas famílias. Talvez você queira saber por que temos tantas pessoas tão pobres numa região tão rica. Seu bisavô dizia que era porque não se fazia uma reforma agrária de verdade. Mas isso é um tema para discutirmos em outra oportunidade.
O que eu quero te contar hoje é que a cada ano a FAO indica um tema para o Dia Mundial da Alimentação. Esse ano o tema é “Mudança Climática, Biocombustíveis e Segurança Alimentar”. Talvez você queira saber o que tem uma coisa a ver com a outra, especialmente nesses dias de tanta incerteza que vivemos onde além da alta dos preços, a crise financeira que afeta hoje os bancos e poderá amanhã contagiar todos os negócios, paralisando muitas atividades econômicas. Isso significaria menos empregos, menos oportunidades de gerar renda para as pessoas poderem comprar os alimentos que necessitam. O que faria aumentar ainda mais o número da famílias que não têm o que comer...
Mas é importante que você saiba porque os preços dos alimentos subiram tanto nos últimos 2 a 3 anos. Há muitas razões, mas uma das mais importantes é que as pessoas mais pobres estavam começando a comer mais e melhor nos últimos anos, principalmente naqueles países de população muito grande como a China, a Índia e também o Brasil. E comer melhor para as pessoas mais pobres significa comer mais carne, principalmente de frango e ovos. E não sei se você sabia que para produzir cada quilo de carne de frango precisamos de pelo menos dois quilos de milho para a sua ração. Ocorre que nos Estados Unidos, que é o grande produtor mundial desse cereal, aumentou muito a sua produção e álcool de milho para abastecer seus automóveis quando o preço do petróleo usado para fazer gasolina começou a subir sem parar. Hoje eles estão utilizando quase um terço do milho que produzem para fazer biocombustível, ou seja, de cada três quilos de milho que produzem, um vai para encher o tanque daqueles carrões que você vê nos filmes americanos. Daí sobrou menos milho para fazer ração no resto do mundo e o preço disparou. E isso arrastou também o preço de outros produtos substitutos do milho, como a soja e o trigo.
Além disso, alguns países que são também grandes produtores de cereais como a Austrália, a Argentina e a própria China tiveram secas e inundações inesperadas que ocasionou perdas importantes nas colheitas entre os anos de 2005 e 2007, reduzindo os estoques disponíveis, ou seja, aquela parte da produção que não se consome num ano de boa colheita e fica guardada para os anos seguintes. O importante é que os preços dos alimentos já estavam muito altos quando apareceu essa tremenda crise que já esta afetando os bancos.
Mas você poderia me perguntar: o que tem a ver as mudanças climáticas com a segurança alimentar nesse momento de crise econômica e de alta dos preços dos alimentos?
Como você sabe, as mudanças climáticas têm afetado muito a capacidade de se prever o que vai acontecer amanhã ou depois. Cada vez a gente sabe menos se vai chover ou não no verão, se vai fazer frio no inverno. Esse ano aqui no Chile passamos o maior calor nas férias de julho – e a neve da Cordilheira, onde você foi esquiar o ano passado, começou a derreter mais cedo. Provavelmente vai faltar água no final do ano para irrigar as plantações ( se alguem nao entender explique que nos paises andinos quase nao chove no verao e a unica agua que eles tem –inclusive para beber – é a que derrete da neve).
Lembra do Felipe que se mudou para Cuba? O pai dele me escreveu contando que num intervalo de dois meses já passaram pela ilha quatro furações nesse ano, coisa que nunca havia acontecido antes.
Pois bem: essas mudanças climáticas acentuam ainda mais as incertezas desse momento de crise na medida em que reduzem a nossa capacidade de prever o que vai acontecer no futuro. Incerteza não só com a produção e os preços dos alimentos, mas também o que vai acontecer com o emprego e a renda das pessoas, para que elas possam comprar os alimentos que precisam.
Em outras palavras, a insegurança gerada nesse momento de crise econômica afeta também a segurança alimentar das famílias, ou seja, o direito de todos comerem pelo menos três boas refeições todos os dias –tomar café da manhã, almoçar e jantar- como costuma dizer o Presidente Lula.
E o que se pode fazer nesses momentos de crise para garantir a segurança alimentar das pessoas, esse direito fundamental de todos os seres humanos?
E o que se pode fazer nesses momentos de crise para garantir a segurança alimentar das pessoas, esse direito fundamental de todos os seres humanos?
Sem dúvida muita coisa. Mas tem uma que considero fundamental: garantir uma merenda escolar adequada às suas necessidades e hábitos alimentares.
Você se lembra do que a sua bisavó dizia quando você era pequenininho e não queria tomar a mamadeira? -“Quem não toma leite quando criança, quando crescer não será capaz de tomar conta nem de uma vaca…”. O que ela estava querendo ensinar é que se as crianças não se alimentam bem não crescem com saúde, não vão conseguir aprender as coisas na escola. E depois de adulto não é possível recuperar isso porque a falta de uma alimentação adequada e saudável desde criança compromete para sempre o desenvolvimento do cérebro, da visão e até mesmo da habilidade motora das pessoas.
Arthur, aproveite que hoje é o Dia Mundial da Alimentação para perguntar para sua professora como anda a merenda escolar da sua escola. Pergunte por exemplo se tem leite, frutas, legumes e verduras todos os dias. Pergunte onde essas coisas são compradas. Porque se os produtos utilizados na merenda escolar forem comprados dos pequenos agricultores da própria região, vai melhorar a vida deles também além de garantir uma alimentação mais saudável e de melhor qualidade.
Espero que no próximo ano possa lhe dar melhores notícias para que realmente possamos festejar o Dia Mundial da Alimentação com menos famintos no mundo e principalmente com menos crianças subnutridas.
Do seu avô,
José Graziano da Silva
José Graziano da Silva é representante regional da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)
Nenhum comentário:
Postar um comentário