segunda-feira, 17 de março de 2008

TERÇA POESIA E PROSA

Romance sonâmbulo
Federico Garcia Lorca
(A Gloria Giner e a Fernando de los Rios)

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
°°°
Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.
°°°
Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga
.— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.
°°°
Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.
°°°
Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-
meque é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!
°°°
Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.
Federico Garcia Lorca nasceu na região de Granada, na Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936, assassinado pelos "Nacionalistas". Nessa ocasião o general Franco dava início à guerra civil espanhola. Apesar de nunca ter sido comunista - apenas um socialista convicto que havia tomado posição a favor da República - Lorca, então com 38 anos, foi preso por um deputado católico direitista que justificou sua prisão sob a alegação de que ele era "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver." Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso. Sua execução, com um tiro na nuca, teve repercussão mundial.

A poesia acima foi extraída de sua "Antologia Poética", Editora Leitura S. A. - Rio de Janeiro, 1966, pág. 53, tradução e seleção de Afonso Felix de Sousa.

Fonte: http://www.releituras.com/fglorca_sonambulo.asp


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Rejeição e culpa
Danuza Leão


Para um filho, os pais devem amá-lo sobre todas as coisas e dedicar todos os momentos de sua vida a ele.
NÃO É PRECISO muita coisa para que a gente se sinta rejeitado. A tendência natural é pensar que ninguém gosta da gente, ou pelo menos não tanto quanto se precisa. E disso se precisa muito.

Começando pelo básico: alguém acha que é -ou foi- amado suficientemente pelo pai e pela mãe?
Claro que não. E aquele dia em que os dois saíram para jantar fora e ir ao cinema? Você, com cinco anos e resfriado, queria que eles ficassem a seu lado, contando uma história, e dessa noite nunca se esqueceu.
É a maior prova de que eles jamais gostaram de você. E quando eles se separaram, a culpa não foi toda sua?

E quando o pai, já separado, foi convidado para aquele fim de semana de sonho, e propôs trocar o tal fim de semana que ia passar com o filho; ele se sentiu tão rejeitado e abandonado quanto um menino de rua, e o pai vai passar o fim de semana - e o resto da vida- massacrado pela culpa.

As crianças vão para o analista se queixar dos pais, os pais vão para o analista para dizer que foram péssimos pais, e assim la nave va.

Mas um dia essas crianças crescem, se casam, têm seus filhos, se separam, se apaixonam e agem com seus filhos exatamente como seus pais agiram com ele.

Vão todos para o analista, claro, e aos 50, 60 anos, continuam se queixando; um de ter sido rejeitado, o outro sofrendo por não ter dado mais atenção aos filhos.
Todos têm razão, claro, mas querer que um pai ou uma mãe aos 25, 30 anos, em plena juventude, com os hormônios explodindo, passem as noites em casa contando histórias para os filhos na hora de dormir é contra qualquer lei da natureza, e um dia eles vão entender.
Qual seria a solução? Ter filhos aos 40, depois de ter feito todas as loucuras? Não sei. Para um filho, os pais devem amá-lo sobre todas as coisas, e dedicar todos os momentos de sua vida a ele.

Eu conheço um que, aos 45, leva a namorada para a praia para vê-lo surfar, e ai dela se se virar para pegar um sol nas costas. E ai daquele pai que uma noite não pode passar uma hora jogando um joguinho na televisão porque precisa entregar um trabalho no dia seguinte.

Se tiver marcado um cinema, esse filho, aos 40, ainda vai lembrar do assunto, achando que seu pai e sua mãe não foram como deveriam ter sido - e sofrendo, claro.

Queremos atenção total dos que nos cercam, sobretudo quando somos crianças, e quando envelhecermos é que vamos saber o que é falta de atenção de verdade. Para que isso não aconteça, é preciso ter vida própria, e desde cedo.

Mas quantos momentos teriam sido tão bons, se mãe e filho pudessem se dizer francamente "naquele dia quase te matei, de tanta raiva", e darem uma boa risada, lembrando.

Porque isso acontece, entre pessoas normais. E falar também dos momentos, jamais verbalizados, em que a mãe amou -e ama- esse filho loucamente, mais que qualquer coisa na vida, e que depois que ele cresceu nunca mais disse, porque não faz parte da nossa cultura fazer declaração de amor a filho grande, até porque ele é o primeiro a não querer ouvir essas coisas depois que cresce, olha que mundo mais louco.

Ah, se a gente pudesse botar eles no colo quando desconfia que estão tristes, e abraçar, apertar, cobrir de beijos, como quando eram pequenos; mas como eles cresceram, não se pode. Mas ah, se eles soubessem; ah, se a gente conseguisse dizer.

Fonte: http://entrelacos.blogger.com.br/

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