terça-feira, 11 de março de 2008

QUARTA VIA: "Diálogo com o povo. Que povo?"

Em entrevista a Isto É, Dom Tomás Balduíno, bispo emérito das causas populares, reclama da falta de diálogo do governo com o povo. Que povo? Por intermédio de quem? – são perguntas que cabem no contexto.


Flávio Aguiar*

Muito interessante a entrevista de Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás, a Aziz Filho e publicada na Isto É desta semana, 13/01/2008. Dom Tomás é um lutador emérito pelo povo brasileiro, com seus 85 anos de idade e quase tanto de militância. Herdeiro das tradições libertárias da Igreja Católica brasileira e latino-americana, contrariando a tradição autoritária e conservadora também presente na mesma Igreja, Dom Tomás faz um balanço entre o melancólico e desiludido, e o furiosamente crítico e ácido do governo Lula, em particular sobre suas relações com o povo e os movimentos sociais.
Dom Tomás afirma que o governo tem popularidade, mas não dialoga com o povo. Curiosa afirmação. Se é popular, como não dialoga? Bom, pode ser que não tenha o diálogo que gostaríamos que tivesse. Ou quem sabe por intermédio de quem gostaríamos que ele tivesse.
Essa afirmação vem ao lado de outra mais curiosa ainda. Dom Tomás lamenta a derrubada da CPMF, porque era um imposto “para arrecadar dinheiro dos ricos”. E que isso aconteceu porque o governo não esclareceu a população sobre a natureza do tributo. Não o fez por não ter moral para tanto. Por quê? Porque na visão de Dom Tomás, que se coloca na posição de porta-voz do descontentamento com o governo Lula por parte dos movimentos sociais e dos setores progressistas da Igreja, o governo continuou desvirtuando o sentido da CPMF, ao tirar dinheiro dos ricos para dá-lo a outros ricos, ao tira-lo dos bancos para dar a outros bancos.
Vale perguntar: se a CPMF era tão importante, porque esses mesmos setores, inclusive a Igreja progressista, também não se mobilizaram para esclarecer sua importância e natureza? Diante da verdadeira campanha feroz e empenhada, sob a batuta da Fiesp e dos setores financeiros, o que se viu de resposta a ela, além da é verdade tíbia e atrapalhada resposta de setores do governo e de seus defensores no Congresso, e além de uma ou outra voz, como a desta Carta Maior, entre algumas, para levantar a verdadeira natureza do tributo e suas possibilidades de aplicação?
Diante do ataque ao governo, e à arrecadação daquele imposto, Igreja progressista e muitos movimentos sociais tomaram a atitude de Pilatos: lavaram as mãos, para depois chorar sobre o leite derramado. Importa pensar o por quê desta atitude.
É certo que as eleições de 2006 comprovaram a devastação feita pelos programas sociais do governo Lula entre os antigos apriscos do PFL (hoje DEM), por exemplo. Devastação se pensarmos do ponto de vista do PFL, que, quando pode, tentou lavar em sangue a honra ferida, como faziam os antigos coronéis brasileiros, arrastando nessa fúria o PSDB dividido. Se pensarmos de outro ponto de vista, leremos aí o reerguimento de um sentido cidadão e uma reinvenção do futuro para milhões de brasileiros.
Mas os mesmos outros programas sociais vêm causando outras “devastações” também. Por exemplo: no último encontro nacional do MST o presidente Lula não foi convidado. Fiquei me perguntando com o fecho éclair de meu corta-vento: será que isso se deveu a ele não ser mais persona grata no movimento, ou pelo temor de suas direções de que ele “arrebatasse” as bases em algum discurso que a imprensa conservadora apontaria como desajeitado, mas que aquele povo poderia reconhecer como “bem colocado”?
O mesmo vem sucedendo com a Igreja, mesmo a progressista. Tradicionais lutas como a contra a descriminalização do aborto, pelo celibato ao invés da distribuição de contraceptivos, vêm encontrando dificuldades crescentes diante das atitudes do próprio governo e de muitos outros setores, que hoje pensam mais por si sós do que através da mediação de seus tradicionais pastores.
Existe aí portanto, nesta atitude de amplos setores da Igreja, de reticência ou de crítica aberta diante do governo Lula, uma percepção sim de um confronto de bases, ou seja, de um confronto de disputa pelas bases que se movimentam cada vez mais como radicais livres na alquimia política brasileira, por sua vez cada vez mais complexa. O governo está saltando a cerca sim, mas não para fora, como na metáfora descuidada sobre os adultérios, mas para dentro, invadindo os redutos tradicionais da nossa política, tanto à direita como à esquerda. Vamos ver no que isso dá, pois sabemos que nessas coisas da política em se plantando dá.
De todo modo, a entrevista de Dom Tomás merece uma leitura criteriosa e crítica, é certo, como tanto se gosta de apregoar em relação aos pronunciamentos do governo, mas de todo modo respeitosa. Muitas de suas críticas têm pertinência, pois é certo que o governo age seguidamente de modo lento e sem direção definida, ou pelo menos claramente comunicada, como foi o caso da CPMF. Além do mais, suas observações vêm de um bravo militante de causas populares que dedicou sua vida a elas. O debate fica, portanto, aberto.


*Flávio Aguiar é editor-chefe da Carta Maior.
NA PRÓXIMA QUINTA, DIA 13, PUBLICAREMOS
A ENTREVISTA DE DOM TOMAZ BALDUÍNO

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