terça-feira, 18 de março de 2008

QUARTA VIA

AMÉRICA LATINA
O renascimento da agenda agrária

A preservação do meio ambiente, a produção de energia renovável, o manejo sustentável das reservas naturais e a demanda por alimentos saudáveis são temas que hoje unem toda a sociedade. Esses temas elevam a reforma agrária para um novo nível de relevância histórica e de legitimidade política. A análise é de José Graziano da Silva.
José Graziano da Silva*


SANTIAGO DO CHILE (IPS) - Algo que não se via desde a década dos anos 70 ocorreu na América Latina e no Caribe entre 2003 e 2007: a economia cresceu, em média, quase 5%. Foram anos de expansão que geraram uma espiral benigna em diversos indicadores sociais. Seria ingênuo, contudo, considerar que o terreno foi definitivamente preparado para deixar passagem a um ciclo estável de crescimento, sem reconhecer certas linhas de continuidade que o tempo não apagou. A pobreza e a fome articulam o fio condutor de desequilíbrios que unem o passado e o presente, fazendo desta região a principal fronteira da desigualdade social do planeta.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) estima em 71 milhões o número de indigentes na região. Entre eles, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) aponta que mais de 52 milhões de pessoas estão encurraladas em uma rotina de fome e insegurança alimentar. As populações indígenas são o principal reduto de desigualdade.

Demograficamente dominantes em diversas economias, e a maioria delas fortemente associadas à terra, as comunidades nativas mantêm laços frágeis com a cidadania e com o crescimento. E um padrão de renda entre 45 e 60% inferior à média regional.

O que parece diferenciar a situação atual dos ciclos anteriores é que aos desequilíbrios do passado somaram-se novas demandas. De certa maneira, elas elevam a questão agrária para um novo nível de relevância histórica e de legitimidade política. E isso muda tudo.

A preservação do meio ambiente, a produção de energia renovável, o manejo sustentável das reservas naturais e a demanda por alimentos saudáveis são temas que hoje unem toda a sociedade. A verdade é que a sólida geração de capacidade produtiva no século XX - e sua contrapartida depredadora e contaminante - voltou a aproximar por meio de linhas tortas aquilo que nunca esteve separado: a história natural e a história humana, o rural e o urbano. O saldo dessa reconciliação se traduz na busca de ferramentas para redimir o passado e reinventar o futuro do desenvolvimento.

A elaboração de uma nova agenda agrária é uma delas. Do que se trata é de avançar em um debate retomado em 2006, no Brasil, quando a FAO realizou a Conferência Internacional de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural. Contudo, não se deve limitar esse instrumento a uma forma residual de luta contra a pobreza. Situada em um horizonte histórico de acelerado processo de mudanças dos paradigmas econômicos e dos valores culturais, a reforma agrária ganha um novo sentido transformador aos olhos da sociedade. O desenvolvimento só poderá ser chamado de desenvolvimento no século XXI se combinar o velho racionalismo econômico com a harmonia social e o equilíbrio ambiental.

Reconhecer o papel que a reforma agrária pode desempenhar no desenvolvimento regional é examinar as contribuições que ela pode entregar para a reconciliação social, econômica e ambiental de nosso tempo, e é um dos desafios da 30ª Conferência Regional da FAO, que reunirá 33 países no Brasil, entre os dias 14 e 18 de abril.

Entre outros assuntos, seus painéis de discussão irão debater as colaborações entre o setor público e privado para acelerar o desenvolvimento rural, a agroenergia, o combate à fome, o manejo sustentável do agro e as proteções necessárias diante das doenças transfronteiriças. Mas, sem dúvida, uma das maiores responsabilidades de seus participantes será consolidar um novo consenso em torno dos modelos de desenvolvimento agrário para nosso tempo.

(*) José Graziano da Silva, Representante Regional da FAO para América Latina e o Caribe.
Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materia

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Voto obrigatório ou optativo?

(Emir Sader - Blog do Emir)

O tema volta sempre: se votassem apenas os que se interessam, o país seria melhor. O problema estaria no voto dos alienados. Assim a democracia seria melhor, votariam os conscientes, os interessados.

Além de que, como um direito – o voto – teria que se tornar em uma obrigação? Um direito pode ser exercido ou não, devo ter o direito de exercê-lo, se quero. Seria um absurdo obrigar as pessoas a votar contra a sua vontade.

Mas será mesmo que é assim?

Antes de voltar ao tema, tomemos um país em que o voto não é obrigatório: os EUA. Lá as eleições se realizam numa terça-feira de novembro, vota quem quer. As pessoas não são liberadas, nem têm licença para votar. Votam quando podem, quem pode, quando conseguem liberar-se e ter o tempo no horário de almoço para ir do trabalho ao local de votação e retornar a tempo. Logicamente parece perfeito. Mas qual o resultado disso?

O resultado é que, no país que, por seu caráter imperial, mais influência tem sobre o conjunto da humanidade, o presidente é eleito – mesmo quando não há fraude visível – por uma minoria dos norte-americanos. E quem deixa de votar? Os negros, os latinos, os idosos, os pobres - todos os que vivem mais marginalizados na sociedade, com menos informação, menos organização, maiores dificuldade para dispor de tempo livre. Votam, em geral, maciçamente, a classe média branca e a burguesia. Os que mais necessitam reivindicar direitos postergados – os mais pobres, os mais discriminados, os que menos grau de instrução. Assim, com o voto optativo, a democracia é ainda mais restrita. Os democratas, que costumar ser menos direitistas que os republicanos, só ganham – como pode ser o caso agora – quando conseguem mobilizar maciçamente aos negros, aos latinos, aos pobres. Os republicanos são mais organizados, mais informados, costumam votar maciçamente. Os EUA são ainda menos democráticos, tem menos participação política, com o voto opcional.

A idéia de terminar com o voto obrigatório tem história longa no tempo no Brasil. Derrotada sempre por Getulio Vargas, a UDN – o bloco tucano-pefelista da época – reivindicava o fim do voto obrigatório e até mesmo a introdução do voto de qualidade, em que, por exemplo, um engenheiro teria maior quantidade de votos que um operário. A polarização de voto na época era parecida com a de agora. A grande imprensa mercantil – a quase totalidade dos jornais, rádios e televisões – se opunha a Getúlio (recordemos sempre que a Folha, o Estadão, o Globo, entre tantos outros, apoiaram, propugnaram e saudaram freneticamente o golpe militar e a instauração da ditadura militar; o único jornal que não apoiou, a Última Hora, foi fechado). Era expressão do desespero da direita oligárquica de que o povo votasse pelas políticas sociais do Getúlio.

Hoje passa algo igual. Fora das eleições, a direita - PSDB, DEM, Folha, Globo, Veja, Estadão – acha que defende os interesses do país e tenta passar essa idéia pelo tom em que falam. Reparem que costumam escrever editoriais e artigos com construções que buscam enganosamente passar essa idéia, cheios de “É mister”, “Faz-se necessário”, “É indispensável” –com sujeitos ocultos, tentando passar a idéia de que defendem um bem comum. Na realidade “É mister”, “Faz-se necessário”, “É indispensável” – para os interesses que eles defendem e de que são porta vozes, os grande monopólios privados, bancários, industriais, comerciais, agrícolas. Esses são os sujeitos ocultos cujos interesses expressa a direita na sua imprensa mercantil.

A última pesquisa Sensus – que eles trataram de esconder – diz que apenas 13% dos brasileiros tem qualificação negativa do governo Lula. Essa é a fatia da população que eles expressam, tentando passar por cima dos interesses de uma camada cinco vezes maior – de 65% - que apóiam o governo. Isto é, de cada 6 brasileiros que expressam sua opinião, 5 apóiam o governo e um apóia a oposição – seus partidos e sua imprensa.

Mas esses 2/3 da população são claramente os mais pobres, os que não assinam e não lêem essa imprensa de direita, não prestam atenção no que diz o jornalismo televisivo. São os que teriam mais dificuldades para ir votar caso as eleições se realizassem em dia de semana, por exemplo. (Na eleição de Evo Morales, na Bolívia, mais de um milhão de indígenas, que votaram maciçamente por Evo, não puderam votar porque não estavam informados de que os que não tinham votado nas eleições municipais anteriores, teriam que ter feito um trâmite na Justiça Eleitoral para poder votar e assim a grande vitória de Evo poderia ter sido maior ainda, poderia ter-lhe dado maioria também no Senado e nos governos dos estados, caso isso não tivesse acontecido.)

O sentimento da direita é de que gastam todo o seu tempo em denunciar irregularidades – supostas ou reais – no governo e nos aliados do governo, mas isso não tem efeito algum sobre a opinião pública. A proposta de abolição do voto obrigatório seria um instrumento a mais para tentar diminuir a importância do voto dos pobres que, pelas políticas que secularmente a própria direita desenvolveu – são a grande maioria da população.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/

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