segunda-feira, 22 de outubro de 2007

TERÇA POÉTICA

Uma Paixão Pra Santinha
Jessier Quirino
(in Prosa Morena)
-:-
Xanduca de Mané Gago
Tinha querença mais eu
Me vestia de abraço
Bucanhava os beiço meu
Era aquele tirinete
Parecia dois colchete
Eu in nela e ela in nêu.
-:-
No apolegar das tetas
Nos chamego penerado
Na misturação das perna
Nos cafuné do molengado
Nos beijo mastigadinho
Nos açoite de carinho
Nós era bem escolado.
-:-
Era aquele tudo um pouco
Era aquela amoridade
Mas faltava na verdade
Sensação de friviôco
Um querer, uma pujança
Daquela que dá sustança
Na homencia do cabôco.
-:-
No dia qu'eu vi Santinha
Sobrinha do sacristão
O bangalô do meu peito
Se enfeitou feito um pavão
Foi quando esqueci Xanduca
Sem mágoa sem discussão
Pois vimo que nós só tinha
Uma paixãozinha mixa
Uma jogada de ficha
Uma piola de paixão.
-:-
Santinha é a indivídua
Que misturou meu pensar
Que me deixou friviando
Sem nem sequer me olhar
Matutinha aprincesada
Mulher de voz aflautada
Olhosa de se olhar
Fulô de beleza fina
É a tipa da menina
Que se deseja encontrar.
-:-
Mas Santinha é quase santa
Nem percebe o meu amor
Não tem na boca um pecado
Tem os beicinho encarnado
Pintado a lápis de cor
Só tem olhos pra bondade
Mas não faz a caridade
De enxergar um pecador.
-:-
Ah! se eu fosse um monsenhor
Um padre, um frei, um vigário
Eu achucalhava os sino
De cima do campanário
Eu abria o novenário
Eu enfeitava um andor
Botava ela impezinha
Feito uma santa rainha
Padroeira dos amor.
-:-
Arranjava um pedestal
Um altar um relicário
Chamava todas carola
Chamava todo o igrejário
E dizia em toda altura
Com voz de missionário:
-:-
Oh! minha santa Santinha!
Tire este manto celeste
Saia deste relicário
Olhe pra mim e garanta
Que vai deixar de ser santa
Qu'eu deixo de ser vigário!

NOTA SOBRE O AUTOR:
Jessier Quirino
Arquiteto por profissão, poeta por vocação, matuto por convicção. Paraibano de Campina Grande filho adotivo de Itabaiana onde reside há dezessete anos. Autor dos livros: Paisagem de Interior (poesia), Agruras da Lata D'água (poesia), O Chapéu Mau e o Lobinho Vermelho (infantil), Prosa Morena - acompanhado de CD com declamações de alguns poemas, musicas e causos, Política de Pé de Muro, A Folha de Boldo Notícias de Cachaceiros - em parceria com Joselito Nunes, além de causos, músicas, cordéis e outros escritos. Todos publicados pelas Edições Bagaço - Recife/PE.
Preenchendo uma lacuna deixada pelos grandes menestréis do pensamento popular nordestino, o poeta Jessier Quirino tem chamado a atenção do público e da crítica, principalmente pela presença de palco, por uma memória extraordinária e pelo varejo das histórias, que vão desde a poesia matuta, impregnada de humor, neologismos, sarcasmo, amor e ódio, até causos, côcos, cantorias músicas, piadas e textos de nordestinidade apurada.
Dono de um estilo próprio "domador de palavras" - até discutido em sala de aula - de uma verve apurada e de um extremo preciosismo no manejo da métrica e da rima, o poeta, ao contrário dos repentistas que se apresentam em duplas, mostra-se sozinho feito boi de arado e sabe como prender a atenção do distinto público. Apesar de muitos considera-lo um humorista, opta pela denominação de poeta popular e escritor, onde procura mostrar o bom humor e a esperteza do matuto sertanejo, sem no entanto fugir ao lirismo poético. Talvez prevendo uma profunda transformação no mundo rural, em virtude da força homogeneizadora dos meios de comunicação e das novas tecnologias, Jessier Quirino, desde seu primeiro livro, vem fazendo uma espécie de etnografia poética dos valores, hábitos, utensílios e linguagem do agreste e do sertão nordestinos. Segundo críticos, ensaístas, promotores culturas e professores que tecem-lhe conceituações filosóficas, sua obra, além do valor estético cada dia mais comprovado, vai futuramente servir como documento e testemunho de um mundo já então engolido pela voragem tecnológica.
http://www.jessierquirino.com.br/jessier.shtml

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