A quantas anda o direito ao alimento?
Vívian Braga*
Desde 1945, quando a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) foi criada, comemora-se em 16 de outubro, o Dia Mundial da Alimentação. Em cada ano, elege-se um tema a ser trabalhado. Este ano, é o direito ao alimento.
Desde 1945, quando a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) foi criada, comemora-se em 16 de outubro, o Dia Mundial da Alimentação. Em cada ano, elege-se um tema a ser trabalhado. Este ano, é o direito ao alimento.
Mas como o Brasil está em relação a esse direito, previsto, desde 1948, na Declaração Universal de Direitos Humanos?
Sabe-se que, ainda hoje, metade da população mundial padece de algum problema nutricional, e a situação se agrava nos países chamados “em desenvolvimento”. Nesses países, um quarto das crianças nasce com peso inferior por causa da subnutrição fetal, e ainda cerca de 150 milhões de crianças até 5 anos têm baixa estatura para idade ou baixo peso para a altura, pela ocorrência de desnutrição infantil.
A subnutrição afeta, ainda, 250 milhões de pessoas adultas, sobretudo mulheres, e bilhões de pessoas em todas as faixas etárias sofrem por carências de micronutrientes1 essenciais para um desenvolvimento saudável. A fome é, sem dúvida, a situação mais dramática da insegurança alimentar e o resultado mais desumano das desigualdades sociais e econômicas que enfrentamos. No entanto, podemos afirmar que a falta de acesso aos alimentos ou aos alimentos adequados resulta, por um lado, na fome, e, por outro, na obesidade. Estima-se que 50 milhões de adultos(as) estão obesos(as), enquanto 1 bilhão tem risco de sobrepeso por causa do consumo de uma alimentação inadequada, rica em gorduras e açúcares2. Esses são problemas com os quais convivemos e que, de alguma forma, os países em desenvolvimento são os mais afetados. O patamar de renda no Brasil é um indicador de segurança alimentar e nutricional. No entanto, outros fatores ajudam a qualificar as pessoas que sofrem desse problema como gênero, raízes étnicas e raciais e geracionais e condições de vida de um modo mais abrangente. Assim, negros(as) e indígenas, mulheres, crianças e idosos(as) são hoje mais vulneráveis aos problemas alimentares.
Esses dados nos fazem pensar o quanto ainda precisamos avançar para reverter essa situação, para que, um dia, a segunda semana de outubro possa ser realmente de comemorações. Com esse objetivo, o Brasil vem avançando para erradicar a fome e garantir segurança alimentar e nutricional, expressão do direito humano à alimentação adequada. Aponta-se para um redução de 5% no número de pessoas desnutridas de 2002 a 2004. Essa melhoria está associada às políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, que complementa os rendimentos de 11 milhões de famílias brasileiras.
Outras iniciativas governamentais podem ser citadas como a implantação de cisternas na região do semi-árido, os incentivos permanentes à agricultura familiar e os consecutivos reajustes dos valores per capita repassados aos estados e municípios pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Ainda no campo governamental, uma grande conquista em termos de direitos foi a aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei 11.346/06) no Congresso Nacional, por unanimidade. Essa lei procura organizar as ações do Estado em torno da segurança alimentar, por intermédio do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Nesse contexto, destaca-se a importância da participação da sociedade civil no Consea na elaboração do projeto de lei e sua construção e o detalhamento de seus componentes.
Considera-se que as leis por si só não garantam os direitos. A participação da sociedade civil é fundamental para que eles sejam garantidos e ampliados. Isso porque a democracia participativa não implica apenas garantir direitos já definidos, mas ampliá-los e participar da definição e da gestão desses direitos. Assim, o que se busca não é apenas a inclusão na sociedade, mas, sobretudo, a participação na definição do tipo de sociedade na qual queremos ser incluídos(as). (Dagnino:1994)3. A III Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada em julho deste ano, apontou para as prioridades a serem consideradas na construção de uma Política Nacional de SAN, além de avançar na discussão do Sisan e de aspectos relacionados ao modelo de desenvolvimento tendo a SAN como política estratégica.
Participaram cerca de 2 mil pessoas entre representantes da sociedade civil e do poder público. A participação de ambos foi essencial para uma melhor qualificação dos problemas relacionados à SAN, bem como de busca por alternativas e modos de enfrentá-los. Com destaque para o caráter recente da inserção da sociedade civil no campo institucional de construção de políticas públicas, que data de meados da década de 1980, com a abertura democrática e suas conquistas. A sociedade civil não é homogênea, dela fazem parte homens e mulheres de diversas áreas de atuação. Mulheres e homens, brancos(as), negros(as), indígenas, quilombolas, representantes de comunidades tradicionais de todas as regiões do Brasil, cada um desses com lutas e bandeiras diversas que, historicamente, vêm se articulando para lutar pela segurança alimentar e nutricional.
A pesquisa realizada pelo Ibase sobre o perfil de delegados(as) presentes na III CNSAN4 revelou essa diversidade. Os estados brasileiros estiveram representados da seguinte forma: 36% do Nordeste; 23% do Sudeste; 20% do Norte; 11% do Centro-Oeste e 10% do Sul. O número de homens e mulheres representantes da sociedade civil foi equilibrado, sem diferenças percentuais. Em relação à cor, 35% eram brancos(as), 27% pretos(as), 29% pardos(as) e 9% amarelos(as) e indígenas.
Os segmentos sociais que estiveram mais representados no campo da sociedade civil foram as Centrais sindicais (20%), as ONGs (18%), os Movimentos sociais (17%), as Associações de bairro e comunitárias (15%), os Fóruns e as Instituições religiosas, ambos com 7%.
Dentre esses segmentos, suas áreas de atuação também acompanham um quadro temático diverso. Dentre delegados(as) da sociedade civil, 20% são do Movimento negro/Comunidades tradicionais, 19% de Agricultura familiar/Reforma agrária, 15% do Direito humano à alimentação/SAN e 12% atuam com o tema da Saúde e nutrição.
A importância que esses processos democráticos tem na construção de políticas também foi destacado pelos(as) entrevistados(as), assim como o reconhecimento da efetividade da atuação do Consea nacional. Para 87% dos(as) delegados(as) representantes da sociedade civil, o Consea “tem força política suficiente para garantir a implementação de políticas públicas de SAN/é altamente comprometido com a construção de políticas públicas”.
Em relação ao processo de conferências de SAN, foi perguntado aos(às) delegados(as) como a consideram como forma participativa de construção de políticas públicas. A maioria aposta na eficiência desses processos. Dos(as) representantes da sociedade civil, 85% consideram as conferências “eficientes/totalmente eficientes”.
Com esses dados, queremos reforçar a idéia de que garantir o direito humano é um dever do Estado, mas exigi-lo, ampliá-lo e adequá-lo efetivamente às demandas da população é um direito da sociedade civil. E apostamos nas conferências, sobretudo como um espaço possível para se alcançar o direito ao alimento.
-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.* Pesquisadora do Ibase
Referências bibliográficas:
1 Maluf, R . A Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
2 Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde)
3 DAGNINO, E. (org) Anos 90. Política e Sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.
4 Ibase, Pesquisa Perfil dos(as) delegados(as) da III CNSAN, publicado no site do Ibase.
Fonte: http://www.ibase.br/
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