segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

TERÇA POESIA E PROSA

NÃO BASTA AMAR
Martha Medeiros(*)


Por mais que o poder e o dinheiro tenham conquistado uma ótima posição no ranking das virtudes, o amor ainda lidera com folga. Tudo o que todos querem é amar. Encontrar alguém que faça bater bem forte o coração e que justifique loucuras. Que nos faça entrar em transe, cair de quatro, babar na gravata. Que nos faça revirar os olhos, rir à toa, cantarolar dentro de um ônibus lotado. Tem algum médico aí?

Depois que acaba essa paixão retumbante, sobra o quê? O amor. Mas não o amor mitificado que muitos julgam ter o poder de fazer levitar. O que sobra é o amor que todos conhecemos: o sentimento que temos por mãe, pai, irmãos, filhos e amigos. É tudo o mesmo amor, só que, entre amantes, existe sexo. Não existem vários tipos de amor, assim como não existem três tipos de saudade, quatro de ódio, seis espécies de inveja. O amor é único, como qualquer sentimento, seja ele destinado a familiares, ao cônjuge, ou a Deus. A diferença é que, como entre marido e mulher não há laços de sangue, a sedução tem que ser ininterrupta. Por não haver nenhuma garantia de durabilidade, qualquer alteração no tom de voz nos fragiliza e, de cobrança em cobrança, acabamos por sepultar uma relação que poderia ser eterna.

Casaram. Te amo para lá, te amo para cá. Lindo, mas insustentável. O sucesso de um casamento exige mais do que declarações românticas. Entre duas pessoas que resolveram dividir o mesmo teto, tem que haver muito mais que amor e, às vezes, nem necessita um amor tão intenso. É preciso que haja, antes de mais nada, respeito. Agressões zero. Disposição para ouvir argumentos alheios. Alguma paciência. Amor, só, não basta.

Não pode haver competição. Nem comparações. Tem que ter jogo de cintura para acatar regras que não foram previamente combinadas. Tem que haver bom humor para enfrentar imprevistos, acessos de carência, infantilidades. Tem que saber relevar. Amar, só, é pouco. Tem que haver inteligência. Um cérebro programado para enfrentar tensões pré-menstruais, rejeições, demissões inesperadas, contas pra pagar. Tem que ter disciplina para educar os filhos, dar exemplo, não gritar. Tem que ter um bom psiquiatra. Não adianta, apenas, amar.

Entre casais que se unem visando a longevidade do matrimônio, tem que haver um pouco de silêncio, amigos de infância, vida própria, independência, um tempo para cada um. Tem que haver confiança. Uma certa camaradagem: às vezes, fingir que não viu, fazer de conta que não escutou. É preciso entender que união, não significa necessariamente, fusão, E que amar, solamente, não basta.

Entre homens e mulheres que acham que amor é só poesia, tem que haver discernimento, pé no chão, racionalidade. Tem que saber que amor pode ser bom, pode durar para sempre, mas que, sozinho, não dá conta do recado. É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar esse amor que carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta.
(*) Jornalista gaúcha. Crônica extraída do livro Trem Bala, Editora L&PM.)
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Separação de Bens
Dalva Agne Lynch

Você fica com a razão.

Eu fico com os dias ensandecidos
Com o vento nos seus cabelos
Com o canto final do sol
No dourado da sua pele.

Você fica com a verdade.

Eu fico com os raios da lua
Com os sussurros sem nexo
Os beijos loucos, dementes
Com a obsessão dos corpos.

Você fica com o direito.

Eu fico com as horas de gozo
Com o ruído das folhas das árvores
Com seus dedos tecendo anseios
Na brancura do meu corpo

Você fica com o que é certo.

Eu fico com a incerteza
Com a beleza do instante sem continuidade
Com o momento perdido entre as horas
Com a eternidade perdida no momento.

Você fica, meu amor.
Eu sigo.
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De tudo o que ele me deu, o melhor foi um pé na bunda.

(Tati Bernardi)

Depois de um bom tempo dizendo que eu era a mulher da vida dele, um belo dia eu recebo um e-mail dizendo 'olha, não dá mais'. Tá certo que a gente tava quase se matando e que o namoro já tinha acabado mesmo, mas não se termina nenhuma história de amor (e eu ainda o amava muito) com um e-mail, não é mesmo? Liguei pra tentar conversar e terminar tudo decentemente e ele respondeu 'mas agora eu to comendo um lanche com amigos'. Enfim, fiquei pra morrer algumas semanas até que decidi que precisava ser uma mulher melhor para ele. Quem sabe eu ficando mais bonita, mais equilibrada ou mais inteligente, ele não voltava pra mim? Foi assim que me matriculei simultaneamente numa academia de ginástica, num centro budista e em um curso de cinema. Nos meses que se seguiram eu me tornei dos seres mais malhados, calmos, espiritualizados e cinéfilos do planeta. E sabe o que aconteceu? Nada, absolutamente nada, ele continuou não lembrando que eu existia. Aí achei que isso não podia ficar assim, de jeito nenhum, eu precisava ser ainda melhor pra ele, sim, ele tinha que voltar pra mim de qualquer jeito. Decidi ser uma mulher mais feliz, afinal, quando você é feliz com você mesma, você não põe toda a sua felicidade no outro e tudo fica mais leve? Pra isso, larguei de vez a propaganda, que eu não suportava mais, e resolvi me empenhar na carreira de escritora, participei de vários livros, terminei meu próprio livro, ganhei novas colunas em revistas, quintupliquei o número de leitores do meu site e nada aconteceu. Mas eu sou taurina com ascendente em áries, lua em gêmeos e filha única. Eu não desisto fácil assim de um amor, e então resolvi que eu tinha que ser uma super ultra mulher para ele , só assim ele voltaria pra mim. Foi então que passei 35 dias na Europa, exclusivamente em minha companhia, conhecendo lugares geniais, controlando meu pânico em estar sozinha e longe de casa, me tornando mais culta e vivida. Voltei de viagem e tchân, tchân, tchân, tchân: nem sinal de vida. Comecei um documentário com um grande amigo, aprendi a fazer strip, cortei meu cabelo 145 vezes, aumentei a terapia, li mais uns 30 livros, ajudei os pobres, rezei pra Santo Antonio umas 1.000 vezes, torrei no sol, fiz milhares de cursos de roteiro, astrologia e história, aprendi a nadar, me apaixonei por praia, comprei todas as roupas mais lindas de Paris. Como última cartada para ser a melhor mulher do planeta, eu resolvi ir morar sozinha. Aluguei um apartamento charmoso, decorei tudo brilhantemente, chamei amigos para a inauguração, servi bom vinho e comidinhas feitas, claro, por mim, que também finalmente aprendi a cozinhar. Resultado disso tudo: silêncio absoluto. O tempo passou, eu continuei acordando e indo dormir todos os dias querendo ser mais feliz para ele, mais bonita para ele, mais mulher para ele. Até que algo sensacional aconteceu. Um belo dia eu acordei tão bonita, tão feliz, tão realizada, tão mulher que eu acabei me tornando mulher demais para ele.
Ele quem, mesmo?

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VOU BEIJAR-TE AGORA, NÃO ME LEVE A MAL

(Xico Sá)


Se não é nada fácil a harmonia dos pombinhos em tempos normais, no carnaval, valha-me poderoso Jeová, o knorr do amor entorna de vez.
Até o mais pudico dos casais prevarica, o mais convertido dos ex-canalhas faz besteira, a mais sonsa das donzelas tira uma casquinha nas ladeiras de Olinda e a mais guardada moça do caritó sente-se no jogo de novo e vai à forra...
Vai à luta, justíssima, cheia de esperança, é a chance de pegar um desses galegos importados das terras em que as mulheres não têm bunda, recurso que não lhe falta, orgulhosa, feliz e fagueira proprietária de um latifúndio dorsal imbatível. Daqueles capazes de deixar um membro do MST louco para pular a cerca e cortar o arame farpado do desejo proibido.
O mais correto, para imitar Mark Twain no seu “Manual para a maldita raça humana”, seria, durante o tríduo momesco, afrouxar o nó cego do moralismo e deixar o bicho correr solto na capoeira.
Dama para um lado; cavalheiro para o outro. Se possível mascarados, fantasia de clóvis, pierrôs e papangus, para o álibi ser completo, seja no “I love cafusú” -o mais pecaminoso bloco do carnaval de Pernambuco-, na folia brejeira de Aracati ou na “República do Beijo” lá em Diamantina.
Para que se desgastar em intermináveis e vexaminosos barracos públicos? Melhor entregar a sorte aos ursos pés-de-lã e às ursas manhosas que estão em todos os blocos, troças, cordões e fuzarcas.
Chifre de carnaval é fantasia, adorno, alegoria, não resiste à marca da cinza cristã da quarta-feira, não sobrevive à ressaca moral da quaresma.
Não dói, não pega nada, no dia seguinte lá estarão vocês dividindo a mesma aspirina, a mesma macaxeira com charque, o mesmo baião-de-dois com nata, o mesmo feijão tropeiro, a mesma rotina-tapioca da harmonia dos lares, a mesma sustança que nos refaz independentemente da lavagem de roupa suja.
Então tá combinado, a partir de hoje cada um vai para o seu lado. Bom se pudesse ser assim, fácil, mas o sangue quente não deixa, somos passionais, corações ao molho pardo, corações à cabidela, vixe!
Não tem jeito, não há dica ou manual de bom senso, será sempre o mesmo drama, “diz que me ama, porra”, como na canção clássica de Olinda.
Antes era mais leve, mais fácil mesmo, era só correr ao “Baile dos Casados”, no Clube Atlético de Amadores, bairro de Afogados, no Recife, que sempre foi genial nesse aspecto “gaiero”, um refúgio histórico da traição lúdica e tão-somente carnavalesca. Evoé, Baco!
Óbvio, amigo, você ai que me cutuca ao longe, que existem os pombinhos que se divertem lindamente juntos, numa boa, numa nice, na buena onda da maresia social clube. Mas são tão poucos, amigo, que até esmoreço.
De casalzinho ou na safadeza propriamente dita, que brinque em paz e que a ressaca lhe seja leve na quarta.

Fonte: http://carapuceiro.zip.net/

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