(David Coimbra)
Li, consternado, a notícia sobre o sapateiro de Santa Catarina que, para escapar ao aborrecimento que lhe infligia a mulher, cometeu uma infração a fim de ficar preso na cadeia. Pobre homem. O que ele fez para ser tão barbaramente importunado? Esqueceu o aniversário da mulher. Só. Bastou para ela passar o fim de semana reclamando, apoquentando-o, falando, falando, falando o dia inteiro. Falava também no carro, enquanto ele dirigia ao entardecer, os filhos perplexos no banco de trás. E tanto falou que o infeliz estacionou em frente à delegacia de polícia, mandou que ela e as crianças descessem e, estando apenas ele no Chevette, que era um Chevette, arremeteu contra a porta de vidro da delegacia, quebrando-a. Feito isso, permaneceu atrás do volante, esperando a volta do plantonista, para quem apresentou os pulsos:
- Me prende, por amor de Deus!
Detido, avisou para que não aceitassem dinheiro da mulher, se ela tentasse pagar a fiança.
- Só aqui posso ficar longe dela e em paz - desabafou.
Imagino-o deitado no catre, no fundo de uma cela infecta, tendo um penico como banheiro e 12 bêbados como companhia, a suspirar:
- Aaaah, o paraíso...
Qualquer homem conhece a dor desse triste sapateiro catarinense. Qualquer homem já experimentou o poder que as mulheres têm de chatear alguém até a morte. De onde vem essa faculdade feminina? Do instinto maternal. Toda mulher é uma mãe em potencial e, como mãe, anseia não apenas por cuidar, mas também por "corrigir". Eis uma das razões por que os cafajestes fazem sucesso com as mulheres, além da notória competição existente entre elas. Endireitar um cafajeste é uma nobre tarefa de mãe. É uma missão. Um homem, ele pode enxergar o suposto defeito no próximo, mas não tentará saná-lo por várias razões, inclusive por preguiça. A mulher, não. A mulher tem esse desprendimento, esse altruísmo. Ela se debruça sobre o que acredita estar errado, e insiste na emenda por ela proposta, e insiste, e insiste, e insiste, até que a vítima queira se refugiar na paz dos presídios. Ou dos cemitérios. Agora, claro, há infinitas variações na aplicação do instinto maternal.
Duas páginas depois da matéria do sapateiro que se homiziou na cadeia está impressa a notícia a respeito de um brigadiano que, ao sair para o trabalho, só vestiu o colete à prova de balas por insistência da mulher. Deu-se que, justamente na ação daquele dia, o brigadiano foi alvejado e salvou-se porque o colete aparou a bala. Na foto que ilustra a matéria, o soldado sorridente oferece um frondoso buquê de rosas à mulher, em agradecimento. Ora, o que motivou a mulher a fazer o marido de sair de colete foi o mesmo instinto maternal que certamente a leva a tentar corrigi-lo a todo momento, irritantemente.
Em resumo: ela chateou o brigadiano até ele concordar em sair de colete. Ele decerto só saiu de colete para escapar à aporrinhação. E assim se salvou!
Ou seja: precisamos admitir: às vezes, o instinto maternal acerta.
Às vezes.
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Samba do cientista louco
(Ruy Castro)
RIO DE JANEIRO - Nelson Rodrigues contava que, toda madrugada, acordava com a úlcera em chamas e, de pijama e meias, ia à cozinha tomar um copo de leite para aplacá-la.
Com o leite, a úlcera amansava e, dizia, só faltava ronronar como uma gata amestrada. Nelson morreu em 1980, de outras causas. Imagino seu choque, hoje, se soubesse que, segundo as últimas descobertas da ciência, leite é um veneno para quem tem úlcera.
E a manteiga? Depois de séculos sendo louvada, com justiça, como uma das maiores invenções do homem, levou os últimos 50 anos acusada de vilã para vários órgãos, inclusive o coração.
Para a ciência, boa mesmo era a insípida, insossa e inodora margarina. Agora a mesma ciência, num lance de gênio, concluiu que a margarina é que é a vilã, por causa da mortal gordura trans.
E temos a saga e anti-saga do ovo. Certo dia, decretaram que ele era o pior inimigo do colesterol e do coração, e só faltaram proibir as galinhas de produzi-lo.
Pois, há pouco, descobriram que, ao contrário, ele faz bem ao coração, porque ajuda a emagrecer, não influi no colesterol e até protege nossos olhos dos raios ultravioleta -o que é ótimo, porque nos permitirá ir à praia sem óculos escuros.
Sem falar no café. Por conter cafeína, ele também já freqüentou todas as listas negras. Criaram inclusive o café descafeinado.
Pois os cientistas vêm de concluir que a cafeína é uma maravilha: estimula o sistema nervoso central, o coração, os vasos sangüíneos e os rins. Já o café descafeinado faz subir a pressão e aumenta o colesterol e o risco de doenças cardíacas.
Finalmente, esta semana, a ciência mandou dizer que, ao contrário do que ela própria afirma há anos, o açúcar é uma beleza e são os adoçantes que engordam! É o maravilhoso samba do cientista louco, em cuja letra certeza rima com dúvida.
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