Fazendo interrogação
Por que eu da profissão
Mudei de rumo e sistema
Resolverei um problema
De não poder tolerar
Muita gente a perguntar
Ansiosa pra saber
Em verso vou responder
Por que deixei de cantar.
***
Deixei porque a idade
Já está muito avançada
A lembrança está cansada
O som menos da metade
Perdi a facilidade
Que em moço possuía
Acabou-se a energia
Da máquina de fazer verso
Hoje eu vivo submerso
Num mar de melancolia.
***
Minha amiga e companheira
Eu embrulhei de molambo
Pego nela por um bambo
Para tirar-lhe a poeira
Hoje não tem mais quem queira
Ir num canto me escutar
Fazer verso e gaguejar
Topar no meio e no fim
Canto feio, pouco e ruim
Será melhor não cantar.
***
Não foi por uma pensão
Que o governo me deu
Por que o eu do meu eu
Não me dá mais produção
Cantor sem inspiração
Tem vontade e nada faz
Eu hoje sou um dos tais
Que ninguém quer assistir
Nem o povo quer ouvir
Nem eu também posso mais.
***
Ando gemendo e chorando
E vendo a hora cair
O povo de mim fugir
E a canalha mangando
E eu tremendo e tombando
Sem maleta e sem sacola
Hoje estou nesta bitola
Por não ter outro recurso
Carrego a bengala a pulso
Não posso andar com a viola.
***
Com a matéria abatida
Eu de muito longe venho
Com este espinhoso lenho
Tombando na minha vida
Tenho a lembrança esquecida
Uma rouquice ruim
A vida quase no fim
A cabeça meio torta
Quem for moço tome conta
Cantar não é mais pra mim.
***
Já pelo peso de oitenta
E uma das primaveras
Dezesseis lustros, oito eras,
E a carga me atormenta
O corpo não se sustenta
Quando anda cambaleia
Cantador de cara feia
Se eu for lhe assistir
Por isso deixei de ir
Para cantoria alheia.
***
Estes oitenta e um graus
Que acabei de subir
Foi só para distinguir
Quais são os bons e os maus
Por cima de pedra e paus
Tive atos de bravura
Hoje só tenho amargura
Tormento dor e cansaço
Passando de passo a passo
Por cima da sepultura.
***
Existe uma corriola
De sujeito vagabundo
Que anda solta no mundo
Pelintra e muito gabola
Compra logo uma viola
Da frente toda enfeitada
Só canta coisa emprestada
Mentir, fazer propaganda
Dizendo por onde anda
Que topa toda parada.
***
E ver em certos meios
Gente cantando iê-iê-iê
Arranjar dois LP
Tudo com versos alheios
Estou de saco cheio
De não poder tolerar
A muita gente escutar
Dizer viva e bater palma
Isso me doeu na alma
Faz eu deixar de cantar.
***
Fiz viagem de avião
A pé, a burro, a cavalo
De navio, outras que falo
De automóvel e caminhão
Cantando em rico no salão
Muito moço, gordo e forte
Passei rampa, curva e corte
Para findar num retiro
E dar o último suspiro
Na emboscada da morte.
***
Corrente, fivela, argola,
Picinez, óculos, anel,
Livro, revista, papel,
Arame, bordão, viola
,Mala, maleta, sacola,
Perfume, lenço, troféu,
Roupa, sapato, chapéu,
Eu não posso conduzir
Quando for para eu subir
Na santa escada do céu.
***
Nunca pensei num tesouro
Que estava pra mim guardado
Quando fui condecorado
Com uma viola de ouro
O riso tornou-se um choro
O armazém em bodega
A cara cheia de prega
Ando tombando e tremendo
E as matutas dizendo:
Menino o velho te pega.
***
Não posso atender pedido
Que a mim fez muita gente
Porque estou velho e doente
Fraco, cansado, abatido,
De mais a mais esquecido
Sem som, sem mentalidade,
Ficou somente a vontade
Mordendo como formiga
Nunca mais vou em cantiga
Pra não morrer de saudade.
***
Vaquejada, apartação,
futebol e carnaval,
Véspera de ano e Natal
De são Pedro e São João
Dança, novela e leilão
É farra em botequim
Passear em um jardim
De braço com a querida
Neste restinho de vida
Não chega mais para mim.
***
Por não poder mais beber
Com meus colegas de arte
Das festas não fazer parte
Perdi da vida o prazer
Estou vivendo sem viver
Na maior fragilidade
Pelo peso da idade
Prazer pra mim não existe
Vou viver num canto triste
Até a finalidade.
Três muié ou três irmã,
três cachôrra da mulesta,
eu vi num dia de festa,
no lugar Puxinanã.
***
A mais véia, a mais ribusta
eramermo uma tentação!
mimosa flô do sertão
que o povo chamava Ogusta.
***
A segunda, a Guléimina,
tinha uns ói qui ô! mardição!
Matava quarqué critão
os oiá déssa minina.
***
Os ói dela paricia
duas istrêla tremendo,
se apagando e se acendendo
em noite de ventania.
***
A tercêra, era Maroca.
Cum um cóipo muito má feito.
Mas porém, tinha nos peito
dois cuscús de mandioca.
***
Dois cuscús, qui, prú capricho,
quando ela passou pur eu,
minhas venta se acendeu
cum o chêro vindo dos bicho.
Eu inté, me atrapaiava,
sem sabê das três irmã
qui eu vi im Puxinanã,
qual era a qui mi agradava.
***
Inscuiendo a minha cruz
prá sair desse imbaraço,
desejei, morrê nos braços,
da dona dos dois cuscús!
(Zé da Luz nasceu em Itabaiana, em1904, e morreu, em 1965, no Rio de Janeiro)
(Jessier Quirino)
– Cumpade véi me responda
Se anda raparigando
– Cumpade eu me acho velho
Não ando raparigando
Que teu destino é cantar
Eu não sei fazer o doce
Nenhum comentário:
Postar um comentário