quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Fora dos trilhos

Não dá pra ser igual todos os dias. Dei folga a coluna Nossa terra, nossa gente e voei para a poesia popular. Sei que Ip tem muita gente talentosa em várias áreas mas preciso de fontes que me informem. Nem tudo está na internet e nem todos os dias meu espírito fuçador está com vontade e tempo de passar horas e horas garimpando um poeta aqui, um escritor ali, um artista plástico acolá. Já abri o blog para quem tiver suas produções ou souber de alguém que queira publicar, é só mandar que publicaremos com o maior gosto. Ainda mais hoje que o calor está insuportável, daqueles que dá uma indolência que parece que a gente vai levitar. Junta isso com as cinzas de um carnaval bem brincado e vê se dá vontade de ir atrás de alguma coisa além do que está mais perto. Enquanto isso, vamos visitando outras inspirações. Selecionei quatro poetas populares da Paraiba mas existem outros, muitos outros. Entre os versos que já vi, o que particularmente me encanta é esse de Pinto do Monteiro quando fala de saudade. Até já publiquei uma vez por aqui. Conheci Pinto do Monteiro quando morei em Sumé, acho que lá pras bandas do distrito de Amparo ou em algum outro lugar que não lembro, numa calçada alta de uma casa de sítio no Cariri paraibano onde trabalhei. Foi a única vez que o vi. Aquela região perto de São José do Egito é um reduto de poetas populares. Depois que saí de Sumé, em 1979, nunca mais voltei por lá. Conhecia muita coisa por alí. Monteiro, Congo, Camalaú, Taperoá, São João da Boa Vista, Prata, Ouro Velho, Sertânia, Santa Luzia dos Grudes, distrito de Serra Branca e outros povoados, vilarejos e sítios. Até que gostei de lá mas nunca tive saudade nem vontade de rever.
"Esta palavra saudade
Conheço desde criança
Saudade de amor ausente
Não é saudade, é lembrança
Saudade só é saudade
Quando morre a esperança"
(Pinto do Monteiro)
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POR QUE DEIXEI DE CANTAR
(Pinto do Monteiro)


Recebi mais de um poema

Fazendo interrogação

Por que eu da profissão

Mudei de rumo e sistema

Resolverei um problema

De não poder tolerar

Muita gente a perguntar

Ansiosa pra saber

Em verso vou responder

Por que deixei de cantar.

***
Deixei porque a idade

Já está muito avançada

A lembrança está cansada

O som menos da metade

Perdi a facilidade

Que em moço possuía

Acabou-se a energia

Da máquina de fazer verso

Hoje eu vivo submerso

Num mar de melancolia.

***

Minha amiga e companheira

Eu embrulhei de molambo

Pego nela por um bambo

Para tirar-lhe a poeira

Hoje não tem mais quem queira

Ir num canto me escutar

Fazer verso e gaguejar

Topar no meio e no fim

Canto feio, pouco e ruim

Será melhor não cantar.

***
Não foi por uma pensão

Que o governo me deu

Por que o eu do meu eu

Não me dá mais produção

Cantor sem inspiração

Tem vontade e nada faz

Eu hoje sou um dos tais

Que ninguém quer assistir

Nem o povo quer ouvir

Nem eu também posso mais.

***
Ando gemendo e chorando

E vendo a hora cair

O povo de mim fugir

E a canalha mangando

E eu tremendo e tombando

Sem maleta e sem sacola

Hoje estou nesta bitola

Por não ter outro recurso

Carrego a bengala a pulso

Não posso andar com a viola.

***

Com a matéria abatida

Eu de muito longe venho

Com este espinhoso lenho

Tombando na minha vida

Tenho a lembrança esquecida

Uma rouquice ruim

A vida quase no fim

A cabeça meio torta

Quem for moço tome conta

Cantar não é mais pra mim.

***


Já pelo peso de oitenta

E uma das primaveras

Dezesseis lustros, oito eras,

E a carga me atormenta

O corpo não se sustenta

Quando anda cambaleia

Cantador de cara feia

Se eu for lhe assistir

Por isso deixei de ir

Para cantoria alheia.

***


Estes oitenta e um graus

Que acabei de subir

Foi só para distinguir

Quais são os bons e os maus

Por cima de pedra e paus

Tive atos de bravura

Hoje só tenho amargura

Tormento dor e cansaço

Passando de passo a passo

Por cima da sepultura.

***


Existe uma corriola

De sujeito vagabundo

Que anda solta no mundo

Pelintra e muito gabola

Compra logo uma viola

Da frente toda enfeitada

Só canta coisa emprestada

Mentir, fazer propaganda

Dizendo por onde anda

Que topa toda parada.

***

E ver em certos meios

Gente cantando iê-iê-iê

Arranjar dois LP

Tudo com versos alheios

Estou de saco cheio

De não poder tolerar

A muita gente escutar

Dizer viva e bater palma

Isso me doeu na alma

Faz eu deixar de cantar.

***


Fiz viagem de avião

A pé, a burro, a cavalo

De navio, outras que falo

De automóvel e caminhão

Cantando em rico no salão

Muito moço, gordo e forte

Passei rampa, curva e corte

Para findar num retiro

E dar o último suspiro

Na emboscada da morte.

***

Corrente, fivela, argola,

Picinez, óculos, anel,

Livro, revista, papel,

Arame, bordão, viola

,Mala, maleta, sacola,

Perfume, lenço, troféu,

Roupa, sapato, chapéu,

Eu não posso conduzir

Quando for para eu subir

Na santa escada do céu.

***
Nunca pensei num tesouro

Que estava pra mim guardado

Quando fui condecorado

Com uma viola de ouro

O riso tornou-se um choro

O armazém em bodega

A cara cheia de prega

Ando tombando e tremendo

E as matutas dizendo:

Menino o velho te pega.

***
Não posso atender pedido

Que a mim fez muita gente

Porque estou velho e doente

Fraco, cansado, abatido,

De mais a mais esquecido

Sem som, sem mentalidade,

Ficou somente a vontade

Mordendo como formiga

Nunca mais vou em cantiga

Pra não morrer de saudade.

***


Vaquejada, apartação,

futebol e carnaval,

Véspera de ano e Natal

De são Pedro e São João

Dança, novela e leilão

É farra em botequim

Passear em um jardim

De braço com a querida

Neste restinho de vida

Não chega mais para mim.

***

Por não poder mais beber

Com meus colegas de arte

Das festas não fazer parte

Perdi da vida o prazer

Estou vivendo sem viver

Na maior fragilidade

Pelo peso da idade

Prazer pra mim não existe

Vou viver num canto triste

Até a finalidade.

(Pinto do Monteiro nasceu em 1895 na cidade de Monteiro/Paraíba e faleceu na mesma cidade em 1990)
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AS FLÔ DE PUXINANÃ
(Paródia de As "Flô de Gerematáia" de Napoleão Menezes)
(Zé da Luz)


Três muié ou três irmã,

três cachôrra da mulesta,

eu vi num dia de festa,

no lugar Puxinanã.

***

A mais véia, a mais ribusta

eramermo uma tentação!

mimosa flô do sertão

que o povo chamava Ogusta.

***


A segunda, a Guléimina,

tinha uns ói qui ô! mardição!

Matava quarqué critão

os oiá déssa minina.

***

Os ói dela paricia

duas istrêla tremendo,

se apagando e se acendendo

em noite de ventania.

***
A tercêra, era Maroca.

Cum um cóipo muito má feito.

Mas porém, tinha nos peito

dois cuscús de mandioca.

***
Dois cuscús, qui, prú capricho,

quando ela passou pur eu,

minhas venta se acendeu

cum o chêro vindo dos bicho.


Eu inté, me atrapaiava,

sem sabê das três irmã

qui eu vi im Puxinanã,

qual era a qui mi agradava.

***

Inscuiendo a minha cruz

prá sair desse imbaraço,

desejei, morrê nos braços,

da dona dos dois cuscús!

(Zé da Luz nasceu em Itabaiana, em1904, e morreu, em 1965, no Rio de Janeiro)

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RESPONDENDO O PERGUNTADO
(Jessier Quirino)

– Cumpade véi me responda
Que diacho cê tá fazendo
Se tá liso ou tá roubando
Se tá plantando ou colhendo
Se tá se rindo ou chorando
Se tá solteiro ou amando
Se tá lucrando ou perdendo.
***
Se anda raparigando
Se tá parado ou correndo
Se tá esperto ou bestando
Se tá jogando ou bebendo
Se tá perdendo ou ganhando
Se tá calmo ou tá inchando
Se tá vivendo ou morrendo.
***

– Cumpade eu me acho velho
Caco de bunda tremendo
Não tou liso nem roubando
Mas tou plantando e colhendo
Às vezes rindo ou chorando
Viúvo, não tou amando
Tou lucrando, não devendo.
***
Não ando raparigando
Nem parado nem correndo
Esperto, não tou bestando
Nem jogando nem bebendo
Nem perdendo nem ganhando
Tou calmo não tou inchando
Tou vivendo e aprendendo.
(Jessier Quirino nasceu em 1954 em Campina Grande)
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Zé Limeira
***
Mote: Canta, canta , cantador
Que teu destino é cantar
***
No samba que nego dança
Tem cheiro de muçambê
Quem nunca viu venha vê
Limeira fazendo trança
Foi lá perto de Esperança
Que eu ví a truba passá
Cai aqui cai acolá
Sargento cabo e dotô
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar
***

Eu não sei fazer o doce
Mas sei quando ele tá bom,
Moça que bota batom
Pra mim ela já danou-se
Lampião se atrapalhou-se
Ficou pra lá e pra cá,
Foi quando no Ceará
A guerra se arrebentou
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar
***
No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava ,
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno...
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num trator
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar
***
(Zé Limeira, conhecido pelo o Poeta do Absurdo, nasceu no sitio Taua, município de Teixeira/PB. no ano de 1886 e faleceu no ano de 1954.

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