terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

TERÇA POESIA E PROSA

A cruz dos pessimistas
(Paulo Santana)


Eu não sei se já me confessei pessimista aqui nesta coluna. Se ainda não o fiz, faço-o agora: eu sou um incorrigível pessimista. Sei lá qual é a origem desta face do meu caráter, até desconfio de que possa ser uma infância áspera, malsucedida. Tem tudo para ser pessimista um adulto que foi uma criança para quem a vida foi apresentada como uma companheira mal-encarada, mal-humorada e adversa, além de inseparável. O que sei é que nós, os pessimistas, temos muito menores chances de sermos felizes que os otimistas. Por exemplo, peguemos dois jovens, um pessimista, outro otimista. Ambos se inscrevem no vestibular. Nos seis meses que antecedem o vestibular, o jovem pessimista sofre esses 180 dias de forma dilacerante: simplesmente porque ele crê que não vai passar no vestibular. O pessimista é assim: ele antecipa a tristeza e a tragédia. Então ele fica demolido durante 180 dias porque vai ser reprovado no vestibular. Bota tristeza e depressão nisso. Voltemos nossa atenção agora para o jovem otimista. Ele crê convictamente que vai ser aprovado no vestibular. E durante os 180 dias o nosso jovem otimista goza intensamente a alegria que vai ser sua aprovação. Ele se mostra contente, faz planos, sua vida se torna leve, ele se mostra bem-humorado com os outros, a existência lhe sorri promissoramente. Enquanto isso, o nosso jovem pessimista carrega a cruz da reprovação antecipada no vestibular, todos seus dias decorrem sob a sombra da catástrofe, sobrevém-lhe até a vontade de desaparecer da face da Terra, não lhe dá vontade nem de conversar com ninguém. E com o jovem otimista é festa e festa, ele já está até gastando por conta da sua aprovação. Até que chega o dia do vestibular e logo em seguida o dia da divulgação do resultado do vestibular. Para a legitimidade da minha tese, o resultado do vestibular tem de ser igual para os dois. Pois o resultado é o seguinte: os dois jovens, o pessimista e o otimista, são reprovados no vestibular. Qual é então o balanço na vida dos dois jovens? Evidentemente que os dois ficam arrasados com a reprovação. Só que o pessimista resta triste, infeliz, desolado, depois do vestibular, mas antes do vestibular ele já era um farrapo humano, um homem destroçado. Enquanto que o otimista só resta infeliz, triste e desolado após o vestibular, antes ele foi um ser alegre, realizado e festivo. Visivelmente, quem sofreu mais foi o pessimista. O otimista só sofreu a metade do que sofreu o pessimista. Mesmo que os dois tivessem passado no vestibular, a conta seria a mesma: alegres os dois seriam depois do vestibular. Mas é preciso levar em conta a tristeza, a desolação, o arrasamento do pessimista antes do vestibular, nos longos e massacrantes 180 dias que ele passou massacrado pela certeza da desaprovação. Este é o malsinado destino nosso, os pessimistas: nós vivenciamos catástrofes que não nos acontecerão, nós nos adiantamos aos fatos, julgando que eles, quando sobrevierem, nos serão desfavoráveis. E mesmo quando somos brindados pela vida ou pelo destino com fartas e estupendas benesses existenciais, logo imaginamos que em seguida elas cessarão os seus efeitos e darão lugar a largas e extensas amarguras. Já os otimistas, pelo contrário, podem ser atingidos pelos maiores desastres, a seguir põem na cabeça que se safarão dessa dificuldade e o sol da vida lhes nascerá fértil e esplendoroso. Pode até não existir a felicidade, mas se ela existir, os otimistas serão aqueles que a abraçarão.

(Crônica publicada em 8/07/2001)
Fonte: http://entrelacos.blogger.com.br/


Só falta o meu cartão
(Miguezim de Princesa)


Uns patufos de dinheiro
Escondidos na cueca,
Bilhões no exterior,
Os empréstimos do Careca,
O Mensalão terminou!
Depois que o grande enricou,
Vamos mexer na merreca.

II

Não há mais Ilhas Cayman
Nem lavagem de dinheiro;
Emendas parlamentares
Servem para o povo inteiro;
As verbas da Educação
Vêm educando a Nação,
Elevando o brasileiro.

III

Nunca antes no País
Se viu tanta honestidade:
Quem antes só tinha uma casa,
Hoje tem uma cidade
E o Brasil vai crescendo,
Feliz, sorrindo e vivendo
No caixão da caridade.

IV

O nosso PIB a subir,
Os bancos empobrecendo,
Tributo a diminuir,
Tá todo mundo comendo:
Na mansão ou na maloca,
Cafezinho com tapioca
Entra quente e sai fervendo.

V
Já cansamos de roubar!
Agora eu quero um cartão
Pra comprar chapéu de couro,
Duas esporas e um gibão
Para correr vaquejada
E tomar Brahma gelada
Nas pelejas do sertão.
VI
Eu quero um cartão azul
Só para comer preá,
Cuscuz com bode e pimenta,
Feijão, carne de jabá
E tomar umas beiçadas
Nas bodegas mais safadas
Do sertão do Ceará.

VII

Quando eu for lá em Princesa,
Quero exibir meu cartão:
Vou ter cartaz com prefeito,
Delegado e capitão
E também principalmente
Com as moças mais carentes
Que vivem no "barracão".

VIII
Vou poder tomar um ônibus
E visitar Caicó,
Onde deixei uma morena
Do cabelão de cocó
Que me mata de paixão
E faz o meu coração
Virar um tijolo em pó.

IX
Eu quero tirar um som,
Mesmo que três em um seja,
Pra ouvir Adeus Ingrata
Com pinga, mel e cerveja,
Lembrando Maria da Paz
Que me deixou para trás
No oitão de uma igreja.

X

Para não ser acusado
De estar fazendo fofoca,
De ser oposicionista,
Reacionário potoca,
Digo ao chefe da Nação:
Aceito até um cartão
Só pra comer tapioca!

Fonte: http://www.claudiohumberto.com.br/

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