segunda-feira, 19 de novembro de 2007

TERÇA POÉTICA, com Vinicius de Moraes

O Haver
Vinicius de Moraes

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
...
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
...
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
...
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.
...
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
...
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
...
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
...
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
...
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
...
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
...
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
...
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

(15/04/1962)


Na tempestuosa madrugada de 19 de outubro de 1913, nascia o garoto Vinitius. A grafia está correta. Seu pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, um apaixonado pelo latim, dera a ele este nome. Naquela noite nascia na Gávea, o futuro garoto de Ipanema.
Escreveu seu primeiro poema de amor aos 9 anos, inspirado em uma colega de escola que reencontraria 56 anos depois. Seus amores eram sua inspiração. Oficialmente, teve nove mulheres: Tati (com quem teve Susana e Pedro), Regina Pederneiras, Lila Bôscoli (mãe de Georgina e Luciana), Maria Lúcia Proença (seu amor maior, musa inspiradora de Para viver um grande amor), Nelita, Cristina Gurjão (mãe de Maria), a baiana Gesse Gessy, a argentina Marta Ibañez e, por último, Gilda Mattoso. Mulherengo? Não, “mulherólogo”, como ele costumava se definir. Tati, a primeira, única com quem casou no civil, é a inspiradora dos famosos versos “Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja imortal enquanto dure”. Deixou-a para viver com Regina Pederneiras. O romance durou um ano, depois do que ele voltou com Tati para deixá-la, definitivamente, em 1956 e casar com Lila, então com 19 anos, irmã de Ronaldo Bôscoli. Foi nessa época que o poeta conheceu Tom Jobim e o convidou para musicar sua peça Orfeu da Conceição. Desta parceria, surgiriam músicas símbolos da Bossa Nova como Chega de Saudade e Garota de Ipanema, feita para Helô Pinheiro, então uma garotinha de 15 anos que passava sempre pelo bar onde os dois bebiam. No ano seguinte, 1957, se casaria com Lucinha Proença depois de oito meses de amor escondido, afinal, ambos eram casados. A paixão durou até 1963. Foi pelos jornais que Lucinha, já separada, soube da ida de Vinícius para a Europa “com seu novo amor”, Nelita, 30 anos mais jovem. Minha namorada, outro grande sucesso, foi inspirado nela.
Em 1966, seria a vez de Cristina Gurjão, 26 anos mais jovem e com três filhos. Com Vinícius teve mais uma, Maria, em 1968. Quando estava no quinto mês de gravidez, Vinícius conheceu aquela viria a ser sua próxima esposa, Gesse Gessy. No segundo semestre de 69 começa sua parceria com Toquinho. No dia de seu aniversário de 57 anos, em 1970, em sua casa em Itapuã, Vinícius transformaria Gesse Gessy, então com 31 anos, em sua sétima esposa. Gesse seria diferente das outras e comandaria a vida de Vinícius como bem entendesse. Em 1975, já separado dela, ele se declara apaixonado por Marta Ibañez, uma poeta argentina. No ano seguinte se casariam. Ele tinha quase 40 anos mais que ela.
Em 1972, a estudante de Letras Gilda Mattoso conseguiu um autógrafo do astro Vinícius após um show para estudantes da UFF, em Niterói (RJ). Quatro anos depois o amor se concretizaria. O poeta , já sessentão; ela, com 23 anos. Na noite de 8 de julho de 1980, acertando detalhes das canções do LP Arca de Noé com Toquinho, Vinícius, já cansado, disse que iria tomar um banho. Toquinho foi dormir. Pela manhã foi acordado pela empregada que encontrara Vinícius na banheira com dificuldades para respirar. Toquinho correu para o banheiro, seguido de Gilda. Não houve tempo para socorrê-lo. Vinícius de Moares morria na manhã de 9 de julho. No enterro, abraçada a Elis Regina, Gilda lembrava da noite anterior, quando em uma entrevista, perguntaram ao poeta: “Você está com medo da morte?”. E Vinícius, placidamente, respondeu: “Não, meu filho. Eu não estou com medo da morte. Estou é com saudades da vida”.
Fonte: http://memoriaviva.digi.com.br/vinicius/

SE VOCÊ QUER OUVIR O POEMA "HAVER" NA VOZ DO VINICIUS, CLIQUE NO SITE ACIMA E A SEGUIR NO LINK "A VOZ DO POETA"

Um comentário:

Vagner Barbosa disse...

É incrível como Vinicius consegue sucintar, o modo existêncial humano nesse poema.
Realmente o Brasil, em minha opinião, tem maravilhosos poetas/escritores como Cruz & Sousa, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues e Vinicius.
=)