segunda-feira, 12 de novembro de 2007

TERÇA POÉTICA

Evocação do Recife
(Manuel Bandeira)
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era São José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.
Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho
sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
— Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.

-o-o-o-o-

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife no dia 19 de abril de 1886, na Rua da Ventura, atual Joaquim Nabuco, filho de Manuel Carneiro de Souza Bandeira e Francelina Ribeiro de Souza Bandeira. Em 1890 a família se transfere para o Rio de Janeiro e a seguir para Santos - SP e, novamente, para o Rio de Janeiro. Passa dois verões em Petrópolis.
Em 1892 a família volta para Pernambuco. Manuel Bandeira freqüenta o colégio das irmãs Barros Barreto, na Rua da Soledade, e, como semi-interno, o de Virgínio Marques Carneiro Leão, na Rua da Matriz.
A família mais uma vez se muda do Recife para o Rio de Janeiro, em 1896, onde reside na Travessa Piauí, na Rua Senador Furtado e depois em Laranjeiras. Bandeira cursa o Externato do Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II). Tem como professores Silva Ramos, Carlos França, José Veríssimo e João Ribeiro. Entre seus colegas estão Sousa da Silveira e Antenor Nascentes.

Em 1903 a família se muda para São Paulo onde Bandeira se matricula na Escola Politécnica, pretendendo tornar-se arquiteto. Estuda também, à noite, desenho e pintura com o arquiteto Domenico Rossi no Liceu de Artes e Ofícios. Começa ainda a trabalhar nos escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana, da qual seu pai era funcionário.
No final do ano de 1904, o autor fica sabendo que está tuberculoso, abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro. Em busca de melhores climas para sua saúde, passa temporadas em diversas cidades: Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê, Quixeramobim.
"... - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."
Em 1910 entra em um concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, que não confere o prêmio. Lê Charles de Guérin e toma conhecimento das rimas toantes que empregaria em Carnaval.
Sob a influência de Apollinaire, Charles Cros e Mac-Fionna Leod, escreve seus primeiros versos livres,em 1912.
A fim de se tratar no Sanatório de Clavadel, na Suíça, embarca em junho de 1913 para a Europa. No mesmo navio viajam Mme. Blank e suas duas filhas. No sanatório conhece Paul Eugène Grindel, que mais tarde adotaria o pseudônimo de Paul Éluard, e Gala, que se casaria com Éluard e depois com Salvador Dali.
Em virtude da eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, volta ao Brasil em outubro. Lê Goethe, Lenau e Heine (no sanatório reaprendera o alemão que havia estudado no ginásio). No Rio de Janeiro, reside na rua Nossa Senhora de Copacabana e na Rua Goulart.
Em 1916 falece sua mãe, Francelina. No ano seguinte publica seu primeiro livro: A cinza das horas, numa edição de 200 exemplares custeada pelo autor. João Ribeiro escreve um artigo elogioso sobre o livro. Por causa de um hiato num verso do poeta mineiro Mário Mendes Campos, Manuel Bandeira desenvolve com o crítico Machado Sobrinho uma polêmica nas páginas do Correio de Minas, de Juiz de Fora.
O autor perde a irmã, Maria Cândida de Souza Bandeira, que desde o início da doença do irmão, havia sido uma dedicada enfermeira, em 1918. No ano seguinte publica seu segundo livro, Carnaval, em edição custeada pelo autor. João Ribeiro elogia também este livro que desperta entusiasmo entre os paulistas iniciadores do modernismo.
O pai de Bandeira, Manuel Carneiro, falece em 1920. O poeta se muda da Rua do Triunfo, em Paula Matos, para a Rua Curvelo, 53 (hoje Dias de Barros), tornando-se vizinho de Ribeiro Couto. Numa reunião na casa de Ronald de Carvalho, em Copacabana, no ano de 1921, conhece Mário de Andrade. Estavam presentes, entre outros, Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda e Osvaldo Orico.
Inicia então, em 1922, a se corresponder com Mário de Andrade. Bandeira não participa da Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro em são Paulo, no Teatro Municipal. Na ocasião, porém, Ronald de Carvalho lê o poema "Os Sapos", de "Carnaval". Meses depois Bandeira vai a São Paulo e conhece Paulo Prado, Couto de Barros, Tácito de Almeida, Menotti del Picchia, Luís Aranha, Rubens Borba de Morais, Yan de Almeida Prado. No Rio de Janeiro, passa a conviver com Jaime Ovalle, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Prudente de Morais, neto, Dante Milano. Colabora em Klaxon. Ainda nesse ano morre seu irmão, Antônio Ribeiro de Souza Bandeira.
Em 1924 publica, às suas expensas, Poesias, que reúne A Cinza das Horas, Carnaval e um novo livro, O Ritmo Dissoluto. Colabora no "Mês Modernista", série de trabalhos de modernistas publicado pelo jornal A Noite, em 1925. Escreve crítica musical para a revista A Idéia Ilustrada. Escreve também sobre música para Ariel, de São Paulo.
A serviço de uma empresa jornalística, em 1926 viaja para Pouso Alto, Minas Gerais, onde na casa de Ribeiro Couto conhece Carlos Drummond de Andrade. Viaja a Salvador, Recife, Paraíba (atual João Pessoa), Fortaleza, São Luís e Belém. No ano seguinte continua viajando: vai a Belo Horizonte, passando pelas cidades históricas de Minas Gerais, e a São Paulo. Viaja a Recife, como fiscal de bancas examinadoras de preparatórios. Inicia uma colaboração semanal de crônicas no Diário Nacional, de São Paulo, e em A Província, de Recife, dirigido por Gilberto Freyre. Colabora na Revista de Antropofagia.
1930 marca a publicação de Libertinagem, em edição como sempre custeada pelo autor. Muda-se, em 1933, da Rua do Curvelo para a Rua Morais e Vale, na Lapa. É nomeado, no ano de 1935, pelo Ministro Gustavo Capanema, inspetor de ensino secundário.
Grandes comemorações marcam os cinqüenta anos do poeta, em 1936, entre as quais a publicação de Homenagem a Manuel Bandeira, livro com poemas, estudos críticos e comentários, de autoria dos principais escritores brasileiros. Publica Estrela da Manhã (com papel presenteado por Luís Camilo de Oliveira Neto e contribuição de subscritores) e Crônicas da Província do Brasil.
Recebe o prêmio da Sociedade Filipe de Oliveira por conjunto de obra, em 1937, e publica Poesias Escolhidas e Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica.
No ano seguinte é nomeado professor de literatura do Colégio Pedro II e membro do Conselho Consultivo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Publica Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana e Guia de Ouro Preto.
Em 1940 é eleito para a Academia Brasileira de Letras, na vaga de Luís Guimarães Filho. Toma posse em 30 de novembro, sendo saudado por Ribeiro Couto. Publica Poesias Completas, com a inclusão da Lira dos Cinqüent'Anos (também esta edição foi custeada pelo autor). Publica ainda Noções de História das Literaturas e, em separata da Revista do Brasil, A Autoria das Cartas Chilenas.
Começa a fazer crítica de artes plásticas em A Manhã, em 1941, no Rio de Janeiro. No ano seguinte é nomeado membro da Sociedade Filipe de Oliveira. Muda-se para o Edifício Maximus, na Praia do Flamengo. Organiza a edição dos Sonetos Completos e Poemas Escolhidos de Antero de Quental.
Nomeado professor de literatura hispano-americana da Faculdade Nacional de Filosofia, em 1943, deixa o Colégio Pedro II. Muda-se, em 1944, para o Edifício São Miguel, na Avenida Beira-Mar, apartamento 409. Publica Obras Poéticas de Gonçalves Dias, edição crítica e comentada. No ano seguinte publica Poemas Traduzidos, com ilustrações de Guignard.
Recebe o prêmio de poesia do IBEC por conjunto de obra, em 1946. Publica Apresentação da Poesia Brasileira e Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos.
Em 1948 são reeditados três de seus livros: Poesias Completas, com acréscimo de Belo Belo; Poesias Escolhidas e Poemas Traduzidos. Publica Mafuá do Malungo (impresso em Barcelona por João Cabral de Melo Neto) e organiza uma edição crítica das Rimas de João Albano. No ano seguinte publica Literatura Hispano-Americana e traduz O Auto Sacramental do Divino Narciso de Sóror Juana Inés de la Cruz.
A pedido de amigos, apenas para compor a chapa, candidata-se a deputado pelo Partido Socialista Brasileiro, em 1950, sabendo que não tem quaisquer chances de eleger-se. No ano seguinte publica Opus 10 e a biografia de Gonçalves Dias. É operado de cálculos no ureter. Muda-se, em 1953, para o apartamento 806 do mesmo edifício da Avenida Beira-Mar.
No ano de 1954 publica Itinerário de Pasárgada e De Poetas e de Poesia. Faz conferência no Teatro Municipal do Rio de Janeiro sobre Mário de Andrade. Publica 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, em 1955. Traduz Maria Stuart, de Schiler, encenado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em junho, inicia colaboração como cronista no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, e na Folha da Manhã, de São Paulo. Faz conferência sobre Francisco Mignone no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Traduz Macbeth, de Shakespeare, e La Machine Infernale, de Jean Cocteau, em 1956. É aposentado compulsoriamente, por motivos da idade, como professor de literatura hispano-americana da Faculdade Nacional de Filosofia.
Traduz as peças Juno and the Paycock, de Sean O'Casey, e The Rainmaker, de N. Richard Nash, em 1957. Nesse ano, publica Flauta de Papel. Em julho visita para a Europa, visitando Londres, Paris, e algumas cidades da Holanda. Retorna ao Brasil em novembro. Escreve, até 1961, crônicas bissemanais para o Jornal do Brasil e a Folha de São Paulo.
Em 1958, publica Gonçalves Dias, na coleção "Nossos Clássicos" da Editora Agir. Traduz a peça Colóquio-Sinfonieta, de Jean Tardieu. Publicada pela Aguilar, sai em dois volumes sua obra completa -- Poesia e Prosa.
No ano seguinte traduz The Matchmaker (A Casamenteira), de Thorton Wilder. A Sociedade dos Cem Bibliófilos publica Pasárgada, volume de poemas escolhidos, com ilustrações de Aldemir Martins.
Em 1960 traduz o drama D. Juan Tenório, de Zorrilla. Pela Editora Dinamene, da Bahia, saem em edição artesanal Estrela da Tarde e uma seleção de poemas de amor intitulada Alumbramentos. Sai na França, pela Pierre Seghers, Poèmes, antologia de poemas de Manuel Bandeira em tradução de Luís Aníbal Falcão, F. H. Blank-Simon e do próprio autor.
No ano seguinte traduz Mireille, de Fréderic Mistral. Começa a escrever crônicas semanais para o programa "Quadrante" da Rádio Ministério da Educação. Em 1962 traduz o poema Prometeu e Epimeteu de Carl Spitteler.
Escreve para a Editora El Ateneo, em 1963, biografias de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Castro Alves. A Editora das Américas edita Poesia e Vida de Gonçalves Dias. Traduz a peça Der Kaukasische Kreide Kreis, de Bertold Brecht. Escreve crônicas para o programa "Vozes da Cidade" da Rádio Roquette-Pinto, algumas das quais lidas por ele próprio, com o título "Grandes Poetas do Brasil".
Traduz as peças O Advogado do Diabo, de Morris West, e Pena Ela Ser o Que É, de John Ford. Sai nos EUA, pela Charles Frank Publications, A Brief History of Brazilian Literature (tradução, introdução e notas de R. E. Dimmick), em 1964.
No ano de 1965 traduz as peças Os Verdes Campos do Eden, de Antonio Gala. A Fogueira Feliz, de J. N.Descalzo, e Edith Stein na Câmara de Gás de Frei Gabriel Cacho. Sai na França, pela Pierre Seghers, na coleção "Poètes d'Aujourd'hui", o volume Manuel Bandeira, com estudo, seleção de textos, tradução e bibliografia por Michel Simon.
Comemora 80 anos, em 1966, recebendo muitas homenagens. A Editora José Olympio realiza em sua sede uma festa de que participam mais de mil pessoas e lança os volumes Estrela da Vida Inteira (poesias completas e traduções de poesia) e Andorinha Andorinha (seleção de textos em prosa, organizada por Carlos Drummond de Andrade). Compra uma casa em Teresópolis, a única de sua propriedade ao longo de toda sua vida.
Com problemas de saúde, Manuel Bandeira deixa seu apartamento da Avenida Beira-Mar e se transfere para o apartamento da Rua Aires Saldanha, em Copacabana, de Maria de Lourdes Heitor de Souza, sua companheira dos últimos anos.
No dia 13 de outubro de 1968, às 12 horas e 50 minutos, morre o poeta Manuel Bandeira, no Hospital Samaritano, em Botafogo, sendo sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista.

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