É difícil dizer se o mundo sempre foi como é ou se e a Internet está nos oferecendo o espelho para vermos como sempre fomos ou se, de fato, a vida online em rede está mudando nosso comportamento. Meu marido acha que o ser humano sempre foi como é. Eu acho que as novas possibilidade de interação estão reconfigurando os cérebros e mudando radicalmente o comportamento das pessoas.
A primeira pergunta que surge é... mas está mudando pra melhor ou pra pior? Pra diferente. Se está mudando é porque está diferente, não sei se cabe o julgamento de melhor e pior. Vou fazer um modelo bem simples pra explicar o que eu sinto. Vou desenhar.
Durante séculos o mundo ocidental teve padrões rígidos de comportamento. Esse padrões ainda existem em muitas sociedades e instituições. As religiões ortodoxas, por exemplo, têm regras fixas para todos que vão desde a alimentação até a indumentária. Você nasce, cresce, morre, seguindo regras estabelecidas e perpetuadas por tradições e dogmas. É um estilo de vida e muita gente se sente mais segura assim. A opção é individual. Pra mim, por exemplo, não serve. Eu adoro a liberdade.
Esse 'estado sólido' social ainda existia até os anos 50 no mundo ocidental. Criança não tinha opinião, o que os pais diziam era lei, professora repreendia aluno com punições e até castigos. Tudo era muito estruturado e rígido. O conceito de sexo só depois do casamento era muito difundido. Vivíamos uma espécie de 'era do gelo' no sentido do estado sólido da água. Tudo era quadradinho, ou melhor, cúbico.
Os anos 60 chegaram derretendo tudo. Política, cultura, religião, sexo, tudo foi questionado e alterado de forma estrutural. Foi uma década de revoluções onde todos os conceitos rígidos se fluidificaram. A temperatura aumentava sem parar. Derretíamos e fervíamos. Viramos um caldeirão em ebulição, com guerras, homem na lua, movimento hippie, estudantes nas ruas em Paris em 68. O mundo rígido ainda reagia, tentando manter e criar solidez. Em 1961 o muro de Berlin 'brotou' quase que da noite pro dia. Anos depois caiu ao chão.
A sociedade mais fluida e individualizada, livre de algumas amarras da estrutura cristalina, começou a se espalhar. Nos anos 70, 80 o desejo humano pessoal, o individualismo pareceu crescer como conceito. O 'cooper', a cultuação da imagem, a moda, o desejo pela forma física perfeita, o sucesso, passaram a ocupar nossas mentes. Aqui no Brasil a transição da ditadura militar para a democratização abriu portas para a popularização da cultura. Os anos 80 foram uma grande sopa de diversidades que até hoje nos atrai. Ser fluido parece sempre muito melhor do que ser rígido, no final das contas. Gente queria brilhar, até no lurex da meia. Queríamos dançar, abrir nossas asas, soltar nossas feras e cair na gandaia. Esse era o espírito da coisa.
O tempo passou e a sociedade rádio-televisiva que começou nos anos 50 e perdurou até o começo dos anos 90 (e ainda é MUITO poderosa) foi tomada de assalto por uma novidade mundial, a Internet. Nos anos 90 a World Wide Web conduziria a civilização para um novo estado. A partir de 1995, quando começou a Internet comercial no Brasil, a espetacularização da vida começou a contaminar cada cidadão, cada indivíduo. É comum ouvir de especialistas em comunicação que o produto mais revolucionário das últimas décadas foi o Reality Show. Começou um novo processo, caiu mais um muro, o da privacidade individual.
Se antes, como bem colocou Tutty Vasquez, as pessoas se preocupavam com a invasão da privacidade, hoje elas lutam pela evasão da privacidade. Elas querem expor sua vida, em busca de um objetivo maior, a fama. O que todo mundo quer hoje? Ser famoso. E para ficar famosa a pessoa aceita pagar qualquer moeda, até com o trocadinho da intimidade mais escondida. O que conta é o objetivo final. Aquela maxima horrorosa do 'pagando bem que mal tem', como se tudo de fato tivesse um preço e como se todas as pessoas estivessem dispostas a vender qualquer coisa pagando qualquer moeda, apenas para ganhar atenção. A série Glee definiu bem o zeitgeist: "anonimato é a nova miséria". O medo não é mais de uma guerra mundial, mas do anonimato. Somos um exército de seres inseguros que querem carimbar o passaporte da existência com qualquer conquista de atenção.
E foi assim, com um aquecimento global no sentido metafórico, agitados por tanta informação e pressa, vivendo em comunidades de proporções de formigueiros online, viciados em ócio criativo e fofocas maledicentes que atingimos o terceiro estado social: o estado gasoso.
Hoje somos todos moléculas em movimento browniano, agitadas e perdidas, ziguezagueando pelos ambientes que nos contém, gases em permanente expansão, vazando por todos os lados. Informações vazam, vídeos vazam, segredos vazam. Vazamos todos, até intencionalmente. É comum vermos o desespero do ex-anônimo, muitas vezes catapultado para a fama instantânea por um Reality Show, um vídeo viral, um meme, que se debate para se manter em movimento no gás. A molécula não quer voltar para seu estado de repouso, quer agitar e faz qualquer coisa pra se manter na agitação. Contrata a vizinha como assessora, cria factóides ininteligíveis e consegue mais uma migalha de destaque da mídia e do público. O desespero da sobrevida, a pena leve que tenta se manter no ar buscando pequenos sopros da audiência para evitar a inevitável queda ao chão pela força da gravidade.
Hoje, nas redes sociais, como o Facebook e o Twitter, podemos sentir essa natureza gasosa facilmente, que ocupa todas as brechas e, em alguns casos, entra em rápida combustão, socialmente traduzida para 'histeria coletiva'. Um idiota empurra uma repórter que estava fazendo seu trabalho. O caso se alastra como uma explosão de bueiro. Pessoas se desesperam para produzir e reproduzir informações sobre a cena. Eu mesma fiz isso, junto com a onda. O Twitter explode como um bueiro e o assunto vai para o topo dos Trending Topics. Subitamente somos todos hienas lutando por um pedacinho da carniça. Que deselegante. Em algumas horas já estamos falando da vida sexual de outro famoso. Ou de um barraco interno da própria rede. Novo assunto, mesmo comportamento. Somos a multidão gritando 'vaza! vaza!' pra toda informação, exatamente como os transeuntes que gritam 'pula' para o desesperado no alto do prédio querendo acabar com sua vida.
Nossa maior incoerência, na minha opinião, é acreditarmos em tudo que 'vemos' como se a imagem fosse a verdade, justamente num momento em que SABEMOS de todas as ferramentas de photoshop, edição, que alteram as imagens e, portanto, criam novas realidades. Nossa maior contradição é não sabermos discernir mais nada, justamente numa época em que temos acesso a quase tudo.
Somos isso, seres moldáveis e mutantes, conduzidos por forças externas. As condições de pressão, temperatura e até a mídia definem nossos estados.
E as perguntas se repetem: ser gás é melhor ou pior do que ser água? Melhor ou pior do que ser gelo? Não sei se cabe o julgamento. Porque no fundo o ser humano é isso, sempre a mesma água.
PS - 'bora lá tentar o plasma...
Fonte: http://noticias.r7.com/blogs/querido-leitor/
Nenhum comentário:
Postar um comentário