Anna chega a casa de Sophia para lhe fazer uma massagem de Shiatsu. Sophia, que é violoncelista, paga-lhe com o cd onde gravou uma sessão de improvisação com um guitarrista seu amigo. Troca directa.
Natasha, que é professora de Yoga, recebe dinheiro de alguns dos seus alunos. Dos que não o têm não recebe nada, ou faz-se pagar com outros produtos. Alguns amigos dão-lhe umas mantas que fabricam com pedaços de pano reciclado, e que ela usa nas aulas. Outros pagam com legumes que cultivam nas suas hortas.
Há sempre maneiras de pôr a economia a funcionar. Natasha não vai deixar de ensinar Yoga, só porque o país, a Europa estão em crise. Para ela, o yoga está acima de tudo isso. É uma prática e uma filosofia incomparavelmente mais antigas do que os problemas da zona euro. Já passou seguramente por crises piores, e não vai agora submeter-se à lógica dos mercados financeiros e das agências de rating. Para Natasha, que fez a sua licenciatura em Economia Internacional, isto é claríssimo.
Yannis tem um bar, onde Natasha costuma ir. Sair à noite é uma actividade fundamental na vida dos atenienses, para se encontrar os amigos, se conversar, se sentir que ainda há uma vida, para além da catástrofe quotidiana anunciada pelos media.
Com o agravar da crise, Yannis percebeu que acabaria por ter de fechar a casa, à semelhança do que está a acontecer com outras da mesma rua. O preço a que compra as bebidas está a ficar tão elevado, que não consegue vender um whisky ou um vodka a menos de 10 ou 15 euros. Teve então uma ideia: criar uma série de bebidas confeccionadas à base de raki, a aguardente local, misturado com sumos e essências de várias frutas. Deu nomes aos novos cocktails, que expõe em grandes frascos em cima do balcão, e vende muito baratos. Quem não tem dinheiro, não tem de pagar.
Está a ser um êxito. Ninguém pede outra coisa, e muitos clientes novos vêm à procura da especialidade da casa. Bem pode agora o preço do vodka e do gin disparar nos mercados, ou servir de pasto ao monstro fiscal. Haverá sempre um pequeno lavrador a produzir frutas e aguardente raki. Yannis, o seu bar e os seus clientes não dependem de mais ninguém. São livres.
Para muitos gregos, o que têm feito vão continuar a fazer, ainda com mais convicção: não pagam impostos. A impunidade está garantida pela falta de dinheiro ou bens. Quando não se tem nada, o que nos podem tirar? Há um poder enorme conferido pela pobreza. Ainda maior quando se descobre que se pode viver feliz com muito pouco.
O Governo está a incluir impostos nas contas da electricidade. E a cortar o abastecimento a quem deixa de pagar. Em resposta, organizou-se um movimento, apoiado pelos sindicatos, para fazer ligações directas aos postes e centrais.
A desobediência está a alastrar-se. Com uma certa volúpia. As pessoas têm prazer em não cumprir nada. Em Atenas, fuma-se em todos os cafés, bares, restaurantes, locais de trabalho, apesar da lei que o proíbe. Os motociclistas circulam com o capacete debaixo do braço.
Há um limite abaixo do qual ninguém aceita viver. A felicidade não se pode impor por decreto, mas a infelicidade também não. Se o contrato social deixa de servir a uma das partes, quebra-se, como qualquer contrato. A ideia de que uma geração pode ser sacrificada é absurda por definição. Sacrificada a quê?
Ninguém entende como podem os gregos viver submetidos a tanta pressão. Pois a explicação é esta: à margem das notícias, eles já estão a libertar-se.
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