segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Eu fiz tudo pra você lembrar de mim...

A década de 30 guarda a memória do mito nacional Carmen Miranda. A cantora, que arrastou críticas e elogios pelo mundo e deixou seu legado para a cultura brasileira, completaria hoje 100 anos

Raquel Gonçalves
da Redação

Se a baixinha fosse viva, o centenário dela seria hoje, quando completaria 100 anos. Provavelmente, Maria do Carmo Miranda da Cunha comemoraria este dia com a casa cheia e receberia os amigos adornada de muitas cores, dos pés à cabeça. Se as limitações da idade deixassem, tomaria alguns drinques e presentearia seus convidados com a sua voz, cantando sambas e marchinhas de Carnaval. Com uma ânsia de viver cada dia como se fosse o último, não respeitou os limites do corpo. A mulher que apresentou o Brasil ao mundo através da música e do cinema, morreu de ataque cardíaco, no dia 5 de agosto de 1955, em Beverly Hills, nos EUA, aos 46 anos. Carmen Miranda passou como um meteoro pela história da música brasileira, deixando seu rastro marcado na cultura do País.

Embora nascida em Portugal, a menina se considerava brasileira. Veio com a família para o Rio de Janeiro antes mesmo de dar os primeiros passos. Na adolescência teve a oportunidade de participar de alguns filmes como figurantes. Até que o compositor baiano Josué de Barros descobriu o talento da intérprete que beirava os 20 anos. Em 1929 gravou seu primeiro disco com as músicas de Josué de Barros: o samba, Não Vá S’imbora; o choro “Se o Samba é Moda. A pequena notável, como a baixinha de 1,52 ficou conhecida, despontou na cena musical nacional. O disco que a consagrou nacionalmente foi o terceiro, com o sucesso da marchinha cantada até hoje: Taí, Eu Fiz Tudo pra Você Gostar de Mim, do compositor mineiro Joubert de Carvalho.

Muito carismática e com um voz peculiar, Carmen Miranda se tornou a maior cantora de sucesso dos anos 30. Enveredou pelo cinema, levando toda a ginga da personagem construída sobre os palcos para as telonas. A cantora se consagrou nos veículos de comunicação, ganhando espaço nos rádios, superando outros grandes cantores como Cauby Peixoto e Ângela Maria. Além disso, ela mudou os hábitos da sociedade carioca, passando a cantar nos grandes cassinos do Rio. O jornalista Ruy Castro que escreveu a biografia da cantora, conta que ela procurou o dono do cassino da Urca, Joaquim Rolla, e disse: “Eu vou cantar no seu cassino duas vezes por noite durante trinta noites e não vou repetir nenhum vestido. As mulheres virão para me ver, para ver o meu vestido, vão trazer os maridos e vão jogar na roleta”. Carmen Miranda cumpriu sua palavra e consolidou a prática das apresentações ao vivo em cassinos.

O empresário americano Lee Shubert assistiu à performance de Carmen Miranda no Rio de Janeiro e a levou para estrear nos Estados Unidos, em 1939. O estrondo foi grande por lá. Carmen protagonizou vários filmes coloridos, cravando no cenário americano a imagem de um Brasil visto, por muitos, estereotipado. Para o pesquisador Cristiano Câmara, Carmen Miranda não divulgou uma boa imagem do cantor brasileiro. “Ela tinha uns estrimiliques, cheia das coisas com as mãos. A nossa gente não é daquele jeito não, nosso samba é diferente”, descorda Cristiano. Ele ainda justifica: “Por ela não ser uma mulata, ela tinha a cintura dura. Aí tinha que apelar paras as mãos. Eu acho que ela estereotipou o cantor brasileiro”, conclui.

Durante o período nos EUA, mantinha contato freqüente com o Brasil, vindo passar alguns carnavais e curtir as férias. Em uma de suas andanças pelas bandas de cá, numa apresentação no Rio de janeiro, Carmen Miranda foi recebida com desdém e vaiada em público depois de cumprimentar os conterrâneos com um “Good Night!”. Esse fato inspirou Luiz Peixoto e Vicente Paiva a compor Disseram que eu Voltei Americanizada. Para o pesquisador Nirez, a mais “brejeira de todas as intérpretes” trabalhou demais nos EUA e voltou doente, deixando isso patente aos brasileiros.

O traje de baiana que lhe deu projeção mundial com frutas na cabeça, tamancos altos e uma roupa de muitas cores e tecidos, foi o mesmo que estreou no filme Banana da Terra (1939), cantando O que é que a baiana tem?, de Dorival Caymmi. O escritor Ruy Castro credita à Carmen Miranda a invenção dos sapatos plataformas. “Em 1934 ela teve a idéia de fazer um sapato que a tornasse mais alta. Pediu a um sapateiro da rua do Catete que fizesse um protótipo da plataforma. Ela nunca registrou isso. A plataforma foi adotada pelo mundo inteiro”. Sobre a sua carreira no cinema, Cristiano Câmara enxerga Carmen Miranda como um fenômeno, apesar de sua atuação medíocre. “Normalmente o artista quando vai à Hollywood, começa sendo co-participante de filmes simples, em preto e branco, aí ele vai subindo aos poucos, até ser o astro principal do filme. Com ela foi o inverso. Ela já foi participando de filmes caríssimos, como foi Serenata Tropical e Uma noite no Rio. Ela foi como um foguete. Quando sai é aquela coisa linda, mas logo depois se apaga”, diz Câmara.