Por que tantos anos de sofrimento imposto a um povo cujo país nada poderia contra os Estados Unidos?
Os 53 anos do bloqueio americano a Cuba não foram ao regime comunista
cubano. Foram a milhões de crianças, e a milhões de mulheres, e a
milhões de homens, que compuseram na infância, na juventude, como
adultos e como velhos as sucessivas gerações submetidas a mais de meio
século do flagelo inútil de carências terríveis.
O regime sobreviveu muito bem, deu-se mesmo ao luxo de derrotar todas
as investidas, nas mais variadas formas, que a maior potência bélica
não cessou de lhe dirigir. As afirmações de que o regime mudou não são
inteligentes, são apenas vulgares. O que mudou foi o mundo, e o regime
se adaptou às circunstâncias, como sempre fizera, e por isso sobreviveu.
Em Nova York, há 50 anos, ver negros entrando no elevador com brancos
era prova de estar na ONU. Hoje a discriminação continua, porque o
segregacionismo está na índole do país, mas os brancos vão à Casa Branca
(um nome sugestivo) para falar com um negro.
E por que tantos anos de sofrimento imposto a um povo cujo país nada poderia contra os Estados Unidos?
Os motivos do bloqueio e seus antecedentes perderam-se na vaguidão
"cultural" da atualidade. Mas não diferem dos outros que têm movido os
Estados Unidos mundo afora. Apoiadores da ditadura de Fulgencio Batista
--simbolizável nos órgãos genitais mandados à noiva do estudante
oposicionista que os perdeu em tortura--, os Estados Unidos exigiam que a
revolução democrática de Fidel Castro preservasse os negócios de
americanos no seu quintal cubano: a maior concentração de cassinos e
bordéis do mundo, bebidas alcoólicas, grandes plantações de cana com mão
de obra semiescrava e exportação de açúcar. Cuba era dividida entre
negócios e grupos da máfia americana.
Os problemas começaram com o fechamento dos cassinos e bordéis. Os
chefes mafiosos haviam sido importantes para a eleição de Kennedy. A
escalada foi intensa: reação americana, avanços revolucionários com
nacionalizações e com reforma agrária. Kennedy ordenou a invasão,
derrotada pelos cubanos, e o bloqueio total a Cuba. Fidel, em seu
primeiro grande movimento de manipulação das circunstâncias, compõe-se
com a oferta de ajuda da União Soviética, típica da Guerra Fria. Até
então, e desde a luta contra Batista, o grupo de Fidel e os comunistas
mantinham hostilidade frontal. Também isso mudaria, e mudaria tudo mais.
Dez anos depois da morte de Stálin, o Partido Comunista Cubano
conservava o stalinismo em sua forma mais ortodoxa. Integrado a um
governo que precisava apegar-se às relações com a União Soviética, o PCC
e suas concepções tornaram-se a força predominante na caracterização do
regime.
A crise da União Soviética desnorteou o regime cubano, e o fim do
comunismo soviético lançou-o em circunstâncias que enfraqueceram a
ortodoxia. No tempo das aberturas, o poder voltou ao reformismo, com uma
peculiaridade: passou de irmão a irmão, com o sisudo e inflexível Raul
retomando o Fidel extrovertido e aberto do princípio. E agora, o papa
Francisco, o segundo papa cristão em nosso tempo, com João 23.
A tão longa indiferença americana com o sofrimento de milhões de
vítimas do bloqueio não tem originalidade. É a mesma que, em certa manhã
de verão, lançou sobre os habitantes de Hiroshima uma tempestade de
fogo e gases que os carbonizou, quando o seu país já queria discutir os
termos da rendição. E, passadas pouco mais de 48 horas, a mesma
indiferença jogou uma segunda bomba atômica, sobre os habitantes de
Nagasaki, incandescendo-os todos. É a mesma indiferença que lançou sobre
o pequeno Vietnã mais bombas com o fogo pegajoso do napalm do que todas
as suas bombas lançadas na Europa e na Ásia durante a Segunda Guerra
Mundial. É a mesma indiferença de um país, em palavras recentes do seu
presidente, que "está em guerra permanente".
Indiferença pode ser sinônimo de perversão e de perversidade.
Significado que, parece provável, os futuros historiadores vão preferir.
http://jornalggn.com.br/noticia/o-significado-da-indiferenca-dos-eua-por-cuba-por-janio-de-freitas
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