Com diplomacia e carisma, papa influencia mundo dentro e fora da Igreja

Francisco convida à participação: "todos têm dons a oferecer"
Edmar Melo / JC Imagem
Carismático. Polêmico. Revolucionário. Em um
ano e meio de pontificado, o papa Francisco I consolidou espaço para
além da Igreja Católica, mediando a paz entre Cuba e EUA, acolhendo
fiéis até então apartados de sua fé e combatendo, de forma enérgica, as
mazelas internas da congregação. De hoje até terça-feira, o JC publica
uma série sobre o mais importante líder político da atualidade,
celebrando sua disposição para o diálogo e seu exemplo de vida.
Francisco tem poder. E quem quer que duvidasse da extensão desse dom
teve que aceitar o fato, nesta última semana, ao vê-lo fazer ruir um dos
últimos bastiões da Guerra Fria, reunindo Estados Unidos e Cuba. “Ele
nos desafia, nos põe diante dos olhos o perigo de nos acostumarmos com a
desigualdade e, com uma só frase, atrai a atenção de todo o planeta”,
reverenciou-o o presidente americano Barack Obama, até então descrito
como o líder mais poderoso do mundo.
Obama já pediu a ajuda do papa em outras questões complicadas, como a
tensão com o governo da Venezuela e a guerra entre judeus e palestinos.
E Francisco não se nega a essas grandes missões, embora também se
dedique às falsamente pequenas. Abriu mão da pompa cerimonial em sua
primeira aparição como papa, vestindo apenas uma singela batina branca e
desprezando os itens suntuosos que representariam a dignidade do Sumo
Pontífice. Optou por não ocupar o Palácio Apostólico e sim morar junto
com outros religiosos na Casa de Santa Marta, alegando que “se eu mudar
na minha idade, com certeza vou fazer um papel ridículo”.
Numa sucessão de atos simbólicos de grande impacto, batizou o filho
de uma mãe solteira, lavou e beijou os pés de criminosos nas prisões e
condenou a marginalização dos homossexuais. Qual será a próxima surpresa
do papa?, perguntam-se todos. E Francisco dá mostras de constante
criatividade ao ampliar os limites do que sua posição poderia fazer
supor.
Do alto de sua formação jesuítica, o papa conquista corações e mentes
pelas histórias que conta, pela simplicidade de seu modo de vida, pelo
bom humor. Mescla em seu nome São Francisco de Assis – símbolo da
fraternidade, humildade e dedicação aos pobres – , São Francisco Xavier –
missionário e evangelizador jesuíta –, e o eremita São Francisco de
Paula, contrário aos abusos eclesiásticos e defensor dos mais puros
valores cristãos.
Francisco é múltiplo: agrega, não divide. E mesmo na posição de
grande líder espiritual da mais poderosa congregação religiosa em
atividade no mundo, busca a humildade. Rezem por mim, pediu em seu
discurso de posse. Rezem por mim, suplicou ao receber a notícia da morte
de um sobrinho querido. Rezem por mim, repetiu ao completar um ano de
papado e ao se despedir da multidão de fiéis brasileiros, após a Jornada
da Juventude.
Ele choca os católicos mais puristas ao não reivindicar a propriedade da fé
Uma das facetas mais impressionantes do papa, que é a abertura ao
diálogo com outras religiões, se traduz também numa “ausência de posse”
sobre Deus. Ele não se investe de verdades absolutas e choca os
católicos mais puristas ao não reivindicar a propriedade da fé,
afirmando que “Jesus morreu por todos”.
Francisco ousa mais, quando declara que os ateus, e até mesmo os
animais de estimação, também podem ir para o Céu. E chega a classificar
características historicamente vistas pela Igreja e por grande parte da
sociedade como “falhas” a serem reparadas (caso da homossexualidade)
como “surpresas de Deus”. “Todos têm dons a oferecer”, decreta. E aos
poucos, divorciados, gays e outros fiéis desiludidos com a postura da
congregação regressam aos bancos das missas, animados com o novo clima.
Ele virou personagem da mídia, é retratado por grafiteiros nas ruas
de Roma e em suvenires vendidos em Buenos Aires. Suas homilias são
replicadas nas redes sociais. Adolescentes vão ao Vaticano tirar selfies
com o papa, que é mais do que pop. É alguém com quem se tem a impressão
de intimidade, confiança. E sua principal contribuição diz respeito à
leveza e à alegria, o que está explícito numa de suas mais importantes
mensagens até o momento, o Evangelho Gaudium – onde conclama a
participação de todos numa Igreja viva, profética, na qual os sacerdotes
vão ao encontro dos que precisam dela.
Há quem critique o fato de que existe uma grande lacuna entre o belo
discurso libertário de Francisco e a realidade praticada pelos clérigos
católicos em todo o mundo. Há muito o que mudar para que as palavras se
traduzam em fatos, em mudança. Que ele enfrenta oposições de variados
setores, é algo que também não precisa ser discutido. Porém, o milagre
de mudar um pouco da estrutura católica, cristalizada através dos
séculos, aparentemente está em curso.
Fonte: http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/mundo/internacional/noticia/2014/12/21/uma-revolucao-franciscana-161398.php
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