publicado em recortes por João
Lopes
Que o Natal traga o que Jesus trouxe à humanidade: o amor.
Aquele amor mais livre e libertador que imaginá-lo em nossa época, cega pelo
egocentrismo, parece loucura.
Modernamente o Natal ultrapassou as fronteiras do
cristianismo – religião histórica que instituiu a data – e ganhou espaço no
mundo secular como mais um momento de consumo e, secundariamente, alguma
reflexão e comunhão entre famílias e pessoas não necessariamente cristãs, o que
é feito em torno do consumo de qualquer maneira.
Originalmente, a data em que hoje se celebra o Natal - 25 de
dezembro - era o dia de comemoração ao Deus Sol, no solstício de inverno, que,
no século III, foi incorporada pela Igreja Católica a fim de estimular a conversão
dos povos pagãos que viviam sob o domínio do Império Romano. Nos países eslavos
e ortodoxos a data é comemorada em 7 de janeiro, pois seguem o calendário
juliano.
A partir do século III, então, a data torna-se o momento de
comemoração pelo nascimento de Jesus de Nazaré: figura histórica mundialmente
conhecida que foi capaz de dividir o modo como contamos a história no mundo
ocidental. É ele, pois, a centralidade do que se chama de Natal (do latim
nāscor, nascer), a festa dá-se em comemoração ao seu nascimento. Sabidamente,
não se conhece com exatidão a data do nascimento de Jesus – trata-se apenas de
data simbólica.
Algumas pessoas, tanto seguidores do Jesus - também chamado
Cristo - quanto não seguidores, podem se perguntar: qual a relevância do pensamento
dessa figura histórica Jesus? E essa pergunta se torna realmente importante,
sobretudo para aqueles que não compreendem Jesus como um redentor, um salvador
da alma, alguém enviado para nos levar ao paraíso.
A centralidade do pensamento do Nazareno não foi a compaixão
ou a felicidade eterna, como acreditam alguns estudiosos; e como afirmou o
próprio Nietzsche, em sua crítica mais veemente ao cristianismo, O Anticristo,
ser a compaixão o mais nocivo vício. Jesus foi um líder, enquanto compreendido
apenas como personalidade histórica, da supremacia do amor. E de qual “amor”
estamos tratando ao rememoramos o amor ensinado pelo Cristo? E antes de
tratarmos propriamente da resposta, que subverte as lógicas que até então
existiam, vale rememorar dois clássicos da filosofia grega que discorreram
sobre o amor muito antes de Jesus: Aristóteles e Platão. Assim teremos bons
parâmetros para perceber com maior sensibilidade a essência do pensamento deste
homem que anualmente nos dá alguns dias de feriado.
O amor de Platão, em termos gerais, é o amor centrado na
beleza do caráter, na inteligência de alguém, o que vai ao encontro do amor no
conceito de Sócrates, é o amor como sendo a raiz de todas as virtudes e também
da verdade. É o amor manifestado na ausência, na falta; o amor que se apresenta
mesquinho, do desejo, que se expressa pelo apego. Já para Aristóteles, em
termos gerais, o amor é manifestado na presença, é o amor da alegria do
encontro com o objeto amado, aquele que se dá pelo atrito. É o amor que traz
alegria, leva o homem à perfeição – excelência moral – como acreditava o
filósofo.
Finalmente, o conceito de amor de Jesus ganha destaque por
dar ao outro a completa primazia. Nas palavras do filósofo Clóvis de Barros
Filho “O amor de Jesus é o amor que vai na contramão da animalidade; é o amor
que interrompe um nexo normal e material de causalidades, porque quando se dá a
outra face deixa-se claro que nem tudo é uma sequência causal-mecânica, pelo
menos pode não ser”. Em outras palavras, o amor ensinado por Jesus é aquele em
que se considera o outro a partir do modo como consideramos a nós mesmos. A Lei
de Talião (reciprocidade rigorosa do crime e da pena) que vigorava à época de
Cristo definia algo completamente diferente disso: era a regra do olho por
olho.
A mensagem de Jesus, precisamente, sobre o amor, nos ensina a
recuar, suportar, não responder mecanicamente nas nossas relações com as outras
pessoas, escolher o modo como consideraremos cada ação que nos afete, e não
apenas exercer uma atitude de revanchismo. Algo que parece inocente, se
tomarmos apenas a concepção simplória das palavras, mas não precisamos refletir
muito para observar o modo como nos destruímos pela ausência de um olhar mais
compreensível sobre os outros.
O próprio Jesus, quando esteve vivendo em meio a sua cultura,
deu um apanhado de exemplos, que contém princípios basilares do pensamento
cristão, para o que alguém poderia chamar de vida feliz, ou no sentido
filosófico do termo, afirmação da vontade de potência. Ele mesmo subverteu a
lógica das leis religiosas de sua época e as resumiu em uma máxima que não
poderia ser esquecida em nenhum Natal – sob pena de perder-se todo o sentido
deste dia: amar a cada pessoa como se ama a si mesmo. Estabelecendo o conceito
máximo de humanidade – em que todos nós somos compreendidos como parte de um
todo.
Na época em que viveu, Cristo chocou os religiosos ao se
recusar a confirmar e praticar leis que não continham princípios de amor, e
andar com as pessoas de pior reputação: em sua companhia estavam doentes
intocáveis por costumes religiosos, prostitutas, cobradores de impostos,
ladrões, corruptos, pobres e marginalizados de todo tipo, atraídos pelo seu
perdão, amor e generosidade inigualáveis, pelos seus ensinamentos que traziam
paz e consolo. Jesus não foi um pregador de felicidade. Não nos ensinou passos
para uma vida feliz, em que realizações comuns seriam o encontro do significado
da vida, mas no remeteu em todos os momentos ao amor, desse modo mais
significativo, em que alguma concepção de felicidade consistiria em um caminho
de amor, que representa abrir mão de si mesmo em favor do outro, no altruísmo
mais elevado que significou para ele perdoar, no momento da sua morte, aqueles
mesmos que o matavam.
Certamente não se trata de um caminho de amor fácil. Tamanho
o desprendimento que se exige. Talvez ele tenha ensinado o seu modo de amar para
espíritos mais elevados, no entanto é necessário, antes de assim considerarmos
o seus ensinamentos, fazermos uma última reflexão.
Compreendermos o modo de amar ensinado pelo Cristo passa pela
compreensão do valor. Se um gato arranha o outro, este revida com outro
arranhão àquele, não há valor para eles, reagem puramente com seus instintos.
Assim, podemos considerar nossa humanidade, possuímos valores. E sabermos que
somos, na natureza inteira, os únicos seres com consciência capazes de
refletirmos sobre nós mesmos, inclusive sobre a finitude de nossa existência,
nos confere uma espécie de superioridade: a de amar.
Somos parte da humanidade, e embora estejamos em uma relação
de interdependência com o resto da natureza, possuímos essa capacidade
cognitiva, de reflexão antes de agirmos, não somos o mero instinto de
sobrevivência. Não precisamos viver em conflito uns com os outros como único
modo de garantir alguma convivência em sociedade. O agir humano sem nenhuma
reflexão madura de amor, ou mesmo altruísmo, está nos destruindo.
Pensem como seria um mundo em que cada pessoa fosse capaz de
sair do egocentrismo de suas vontades e desejos para considerar as outras
pessoas. Um olhar amoroso sobre cada pessoa, e sobre toda a humanidade – a
consideração de que somos esses seres imperfeitos, que podem agir por instintos
ruins, mas que atingiremos a maturidade necessária em algum momento, pelo
aprendizado e fomento da paz, pela construção não de uma cultura de felicidade,
mas sim de amor.
Não haverá melhor Natal que aquele em que o nosso
comprometimento for completo com um modo de amar que não seja egoísta, que não
amordace a criatura amada, mas a considere em sua totalidade, como parte da
nossa humanidade, como parte do que somos por isso também objeto do nosso amor
e, consequentemente, até o pior dos homens merecerá ser amado. Experimente
fazer um Natal diferente à moda daquele que esquecidamente celebramos. Feliz Natal.
Fonte: © obvious:
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