
(Operador por operador, Serjão era melhor e muito mais necessário)
Carta Capital
Que pretende Dilma? Uma conciliação de
roupa nova? O ódio de classe não a admite e uma liderança popular
nascida há 12 anos não deveria permitir recuos
Por Mino Carta
Depois de debater com André Lara
Resende e Paulo Guedes, em São Paulo, na semana passada, Thomas Piketty
confessou a CartaCapital: “Não sabia que teria de me encontrar com
homens de negócios”. De fato, os organizadores da singular tertúlia
atiraram Piketty a uma cilada, não fosse ele capaz de impagável ironia
voltairiana.
O herói destas minhas primeiras linhas
é autor de um livro formidável, O Capital no Século XXI, best seller
mundial que acaba de ser publicado no Brasil, exposição de um teorema
implacável: o capitalismo atinge nesta quadra fatal do mundo seu
objetivo final. Ou seja, dilatar ao extremo a desigualdade social. Não
era isto que Adam Smith pretendia, mas o homem é um bicho inconfiável e
cuidou de frustrar suas intenções.
Inúmeros cidadãos nativos que se dizem
economistas são, de verdade, homens de negócios. Alguns, excelentes no
mister de enricar. Por exemplo, os envolvidos no escândalo da
privatização das Comunicações, entre eles André Lara Resende. Quanto a
Paulo Guedes, sócio destacado do Instituto Millenium, é infatigável
inquisidor de todo projeto de inclusão social. Creio que a própria
editora brasileira da obra de Piketty tenha agido em relação ao seu
autor movida apenas pela perspectiva do bom negócio.
Nada disso me espanta. Surpreende-me
que a presidenta Dilma esteja agora a compor um governo de homens de
negócios. Em busca de explicações, solto a imaginação. Se o objetivo for
reconstituir os esquemas adotados no começo do governo Lula, a dedução é
inevitável: o próprio aprova. Ou não seria mesmo o inspirador,
assessorado na ação por Antonio Palocci, o grande operador daquele
início de governo?
Ah, os operadores... Surge na memória a
figura de Serjão Motta, dotado de habilidades que no Brasil conferem
poder infinito a quem as tem. Entre P.C. Farias, personagem escrachada, e
Palocci, vítima de vez em quando de transparente provincianismo,
campeia Serjão, mais eficaz do que Júpiter ao lançar raios e urdir
manobras.
Mesmo assim, a imaginação me leva a
figurar Palocci em busca dos senhores do Bradesco para sugerir, em
conversa amena, o nome de uma de suas velhas relações, Joaquim Levy,
homem do banco, de onde, aparentemente, cogita-se extrair à força o
presidente em pessoa, Luiz Carlos Trabuco, para sagrá-lo ministro da
Fazenda. Ora, ora, o banco não deve perder Trabuco, treinado longamente
para a missão pelo Grão-Mestre Lázaro Brandão. E que tal, então, o Levy?
Ele sabe tudo de contenção de despesas.
Levy, está claro, não é o único homem
de negócios convocado pela presidenta, e aí pergunto aos meus perplexos
botões quais seriam as razões de tais escolhas. Sem demovê-los da
perplexidade, também eles mergulham em roteiros imaginativos. Aparece
Dilma a romper com o PT para reeditar a conciliação das elites de roupa
nova. Pasmem, se for do seu agrado.
Entendo que, assim como a editora de
Piketty foi incapaz de se dar conta da inadequação dos convocados para
debater com seu autor, Dilma e Lula não entenderam o alcance do seu
poder e o usam em benefício de fórmulas caducas. Os passos dados adiante
até ontem, graças às políticas de inclusão social praticadas nos
últimos 12 anos não são considerados, bem como o apoio incondicional de
Severina e Maria das Dores. O desencanto com um partido como o PT, que
tanto prometeu e não cumpriu, justifico por parte de Dilma, em cuja
lisura e honestidade aposto a vida. Cadê, porém, a inovação política?
Onde fica a confiança em quem a elegeu ao cabo de uma contenda tão
acirrada? Ou vinga a leniência tradicional, se não for coisa pior, a
precipitar a genuflexão ao deus mercado?
Há outra questão. Até que ponto
adianta hoje oferecer satisfações à casa-grande? Não se iludam os
manobristas, o ódio de classe não admite conciliações. Graças a Lula e
Dilma, ficou superado o momento da composição entre o primogênito do
barão e o irmão deserdado, instado à rebeldia pelo desapontamento e pelo
rancor, eventualmente esquerdista de ocasião. Entrou no jogo uma
liderança popular autêntica, protagonista inédito. Se esta recua, dá-se o
desastre. A tragédia está desenhada.
Fonte:http://jornalggn.com.br/noticia/businessmen-as-soltas-por-mino-carta
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