segunda-feira, 9 de maio de 2011

Morto e vivo: o legado americano de Osama


Tom Engelhardt

Nos anos 1960, o senador George Aiken, de Vermont, ofereceu a dois presidentes norte-americanos um plano para lidar com a Guerra do Vietnã: declarar vitória e ir para casa. Completamente ignorado à época, é um plano que vale a pena considerar novamente hoje para a guerra no Afeganistão e no Paquistão, agora em seu décimo ano.

Como todo mundo que não é cego, surdo e mudo já sabe, Osama Bin Laden foi eliminado. Literalmente. Ou como a multidão de foliões que apareceu na frente da Casa Branca na noite de domingo improvisava com uma música de “O Mágico de Oz”: "Ding, Dong, Bin Laden está morto".

E não seria mais fácil se ele tivesse sido realmente a Bruxa Malvada do Oeste e tudo o que precisássemos fazer fosse bater os sapatos de rubi três vezes e dizer "não há lugar como o lar", para estar de volta ao Kansas.

Infelizmente, em todos os sentidos o que importa para os americanos, é uma ilusão de que Osama Bin Laden está morto. Em todos os sentidos que importam, ele seguirá lutando, impedindo uma mudança de política do governo Obama no Afeganistão, e somos nós que iremos garantir que ele seguirá no campo de batalha que a administração de George W. Bush outrora tão grandiosamente chamou de Guerra Global contra o Terror.

Evidentemente, o mundo árabe já havia deixado Bin Laden para trás antes mesmo de ele levar uma bala na cabeça. Lá, o foco estava na Primavera árabe, a gigantesca onda de protestos não-violentos que abalaram as bases da região e seus autocratas. Nessa parte do mundo, sua morte é, como Tony Karon da revista Time, escreveu, "pouco mais que uma nota de rodapé da história", e seus sonhos são essencialmente sem sentido.

Considere isso um insulto à ironia, mas o mundo que Bin Laden realmente mudou para sempre, não foi no Grande Oriente Médio. Foi aqui [o Ocidente]. [Pode-se] Celebrar sua morte, sepultá-lo no mar, não liberar nenhuma foto, e ele ainda vai continuar como um fantasma, enquanto Washington continuar suas guerras mortais e desastrosas.

O Tao do Terrorismo
Se analogias com “O Mágico de Oz” estivessem corretas, Bin Laden poderia ser comparado ao Mágico ao invés de com a bruxa. Afinal, ele foi, em certo sentido, um pequeno homem por trás de uma tela grande em que a sua aparência frágil assumiu, nos EUA, as proporções gigantescas de um supervilão, se não de uma superpotência rival. Na realidade, a Al-Qaeda, a sua organização, foi formada na melhor das hipóteses por um bando de pouca qualificação que, mesmo em seu auge, antes mesmo de ser atacada, teve limitadas capacidades operacionais. Sim, eles podiam organizar ações e assassinatos espetaculares, mas apenas um a cada ano ou dois.

Bin Laden nunca foi "Hitler", nem os seus capangas nazistas, nem chegam a Stalin e seus asseclas, embora às vezes eles fossem qualificados assim. A coisa mais próxima a um Estado que a Al-Qaeda teve foi a empobrecida e devastada área do Afeganistão controlada pelo Talibã, que abrigaram alguns dos seus "acampamentos". Mesmo o dinheiro disponível para Bin Laden, embora significativo, não era muito do que se gabar, não em uma escala de superpotência de todo modo. Os ataques de 11 de setembro foram estimados entre US$ 400 mil e $500 mil, o que em termos de superpotência é uma merreca.

Apesar da impressão apocalíptica de destruição que os seguidores de Bin Laden causaram em Nova York e no Pentágono, ele e sua equipe de assassinos representavam um relativamente modesto desafio para os EUA. E caso o governo Bush tivesse destinado a mesma energia em encontrá-lo que dedicou a invadir e ocupar o Afeganistão e o Iraque, então, pode haver qualquer dúvida de que quase dez anos teriam se passado antes de ele morrer, ou, como nunca vai acontecer agora, ser levado a julgamento?

Para o nosso azar (e sorte de Bin Laden), os sonhos de Washington não eram os de uma polícia global determinada a trazer criminosos à justiça, mas sim de um poder imperial, cujos líderes queriam assegurar que as terras com petróleo do planeta fizessem parte de uma Pax Americana em décadas futuras. Então, se você está escrevendo o obituário de Bin Laden agora, descreva-o como o mágico que usou os ataques de 11 de setembro para ampliar em muitas vezes os seus escassos poderes.

Afinal, enquanto ele só tinha a capacidade de lançar grandes operações a cada par de anos, Washington --com quantidades quase ilimitadas de dinheiro, armas, e as tropas sob seu dispor-- era capaz de lançar operações diárias. Em um certo sentido, depois do 11 de setembro, Bin Laden comandou Washington, tomando posse de seus mais profundos medos e desejos, da mesma forma que um vírus assume um computador, e o direciona para seus próprios fins.

Foi ele, graças ao 11 de setembro, que assegurou que a invasão e a ocupação do Afeganistão seria posta em prática. Foi ele, graças ao 11 de setembro, que também assegurou que a invasão e a ocupação do Iraque aconteceria. Foi ele, graças ao 11 de setembro, que trouxe a guerra americana do Afeganistão ao Paquistão, e aviões, bombas e mísseis americanos para a Somália e Iêmen, para a Guerra Global ao Terror. E nesses quase dez anos, ele fez todo tudo isso ao modo de um mestre de Tai Chi: sem usar sua força, mas o nosso enorme poder destrutivo para criar o tipo de confusão em que, sem dúvida, uma organização como a sua pode prosperar.

Não se surpreenda, portanto, que nestes últimos meses ou mesmo anos, Bin Laden tenha se retirado a um complexo murado em uma área ao norte da capital paquistanesa, Islamabad, fazendo quase nada. Pense nele como praticando o Tao do Terrorismo. Na verdade, quanto menos ele fazia, quanto menos operações ele era capaz de lançar, mais o exército americano fazia por ele, na criação do que decadentes dinastias chinesas costumavam chamar de "caos sob o céu".

Morto e vivo
Como já é óbvio, o maior truque de Bin Laden foi aplicado em nós, não no mundo árabe, onde os movimentos que ele criou, do Iêmen ao Norte da África, mostraram-se excepcionalmente periféricos e sem importância. Ele nos ajudou a desencadear todo tipo de pesadelos que pudéssemos ter sobre nós mesmos (e outros) - da tortura à criação de um arquipélago exterior e externo à justiça, e ao gradeamento de nosso próprio mundo americano, onde fomos para nos esconder aterrorizados, enquanto que lançando ataques militares externos.

De certo modo, ele não nos destruiu no 11 de setembro, mas nos meses e anos que se seguiram. Assim sendo, se não tivermos o bom senso de seguir os conselhos do senador Aiken, as guerras que continuarmos a lutar, com seus resultados desastrosos, se provarão o seu monumento, e nosso cemitério imperial (como o Afeganistão foi para mais de um império no passado).

No momento em que a imprensa e a multidão em júbilo tornam-se subitamente otimistas sobre as operações militares dos EUA, nós ainda temos cerca de 100.000 soldados norte-americanos, e 50.000 aliados, números surpreendentes de mercenários armados, e pelo menos 400 bases militares no Afeganistão, quase dez anos depois. Tudo isso como parte de uma guerra sem fim contra um homem e sua organização que, de acordo com o diretor da CIA, tem apenas entre 50 e 100 homens operando no país.

Agora, ele está oficialmente no fundo do mar. No Oriente Médio, sua idéia de um abrangente "califado" foi a mais efêmera das fantasias. Em certo sentido, porém, seu domínio sempre esteve aqui. Ele foi nossa desculpa e nosso demônio. Por ele fomos possuídos.

Quando as celebrações e festas de sua morte acabarem - e elas não serão mais longas que as do casamento real britânico - , vamos novamente nos defrontar com o mundo arruinado que Bin Laden nos desejou, e será fácil ver o quão insignificante esta "vitória", sua morte, é quase dez anos depois.

Apesar de todas as palavras dedicadas à operação que o derrubou, todos formadores de opinião tagarelando, todos as hosanas dedicadas às forças especiais norte-americanas, ao presidente, aos seus idealizadores, e aos vários serviços de inteligência, este não é um momento glorioso norte-americano. Em todo caso, nós provavelmente devíamos estar de luto pelo que enterramos muito antes de termos o corpo de Bin Laden, pelo que permitimos que ele (e nossa própria ganância imperial) incitasse-nos a fazer a nós mesmos, e o que, em função disso, fizemos, em nome da luta contra ele, para os outros.

Os cânticos de "EUA! EUA!" quando do anúncio de sua morte eram ecos esquálidos do dia 14 de setembro de 2001, quando o presidente George W. Bush pegou um megafone e prometeu: "As pessoas que derrubaram esses edifícios irão ter notícias nossas em breve!" Isso seria o início de alguns breves anos de aumento da arrogância americana e de fantasias de dominação maiores que as de qualquer terrorista islâmico fundamentalista obcecado por califados. E em breve eles iriam nos deixar pendurados em nosso mundo atual de desemprego crescente, apodrecimento de infraestrutura, aumento de preços de combustíveis, problemas de caixa, e com um povo no limite.

A menos que deixemos de lado os grupos de operações especiais e os ataques com aviões não-tripulados, a não ser que estejamos dispostos a seguir o exemplo de todos os manifestantes não-violentos pelo Oriente Médio e começar uma retirada rápida e do Afeganistão/Paquistão, Osama Bin Laden nunca morrerá.

Em 17 de setembro de 2001, o presidente Bush foi questionado se queria Bin Laden morto. Ele respondeu: "Há um velho pôster, se bem me lembro, que diz: 'procurado vivo ou morto'". Morto ou vivo. Agora, descobre-se
que havia uma terceira opção. Morto e vivo.

A chance existe para atravessar uma estaca no coração do legado americano de Osama Bin Laden. Afinal, o homem que oficialmente começou tudo está teoricamente morto. Podemos declarar vitória, Totó, e ir para casa. Mas por que eu acho que o provável vencedor será o mágico do mal?

Tradução: Wilson Sobrinho
Fonte:http://blogln.ning.com/profiles/blogs/morto-e-vivo-o-legado

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