sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Só a luz salva!

                                                                  Recife no escuro (Imagem do FB de Juliana Karla)
 
Quando tudo escureceu, eu pensei e tremi: começa agora a revolução das muriçocas. Dito e feito. Elas tocaram o terror e literalmente reinaram. Já nem picavam, mordiam. Zoavam sem o menor constrangimento.
A cachorrada da rua resolveu comemorar. Todos os cachorros do meu prédio latiram inclusive a minha cadelinha que depois de velha está ranheta e deu pra uivar feito lobo.
A vizinhança resolveu botar a conversa em dia e quanto mais a luz demorava a chegar, o papo aumentava o volume. Apareceram vozes de criança. Mais do que a falta de energia, o calor acelerou a noite de todos.
Naquele breu todo,  não fui atrás de vela. Fui atrás de uma rede para salvar a noite. Mas não deu pra dormir. Fui para o terraço. O céu estava lindo, estampadinho de estrelas. Eu tinha esquecido como elas são lindas quando a noite é delas. Pensei nas noites do sertão com aquele céu com tantas estrelas que parece que vão cair no colo da gente. Minha filha comentou que céu assim a gente também via quando não tinha medo de assalto e viajava de noite. Fez o comentário e foi deitar.
Tem alguém na vizinhança que tem um laser e sempre aproveita os apagões para riscar os prédios com seus traços irregulares e efêmeros. Deve ter adorado a noite.
Fiquei pensando no penúltimo capítulo de Gabriela. Teria Mundinho salvado a donzela das garras das freiras e da obstinação maluca do Coronel Ramiro?
O tempo inteiro passavam carros na rua. De onde vem e para onde vai tanta gente naquele escuro? Um dos carros que estacionam na rua disparou o alarme. Seria assalto? Acho que não. Quem ia assaltar naquela escuridão inconveniente? Desde quando os ladrões dos tempos modernos dispensam o mínimo conforto na hora do assalto? Com certeza não foi assalto, o carro ficou disparando várias vezes e ninguém quis sair para desligar o alarme.

Fui tomar banho pra melhorar o calor. Tomei dois e nada resolveu. Resolvi ficar na rede com ou sem sono. Pelo menos me embalava para afastar as muriçocas.

De repente, ouvi gritos na vizinhança. Pensei, de repente, que podiam ser torcedores de futebol envergonhados aproveitando o escuro para comemorar o péssimo desempenho dos clubes locais. Apurei o ouvido e a gritaria era uma só: Voltou! Voltou! Acendi as luzes, liguei o ar condicionado e fui finalmente dormir.
Detalhe: mamãe dormiu a noite inteira e não viu e nem ouviu nada.

ML

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