terça-feira, 30 de outubro de 2012

O voto que realmente vale


Sistema eleitoral brasileiro hoje é modelo de eficiência e democracia
 
 
CLAUDIA IZIQUE 
 Edição 200 -
Outubro de 2012
No dia 7 de outubro 138,5 milhões de brasileiros com mais de 16 anos estavam alistados para participar do processo de escolha de novos prefeitos e vereadores de 5.564 municípios. O voto é obrigatório e os que não compareceram às urnas têm prazo de 60 dias para justificar a ausência, sob pena de multa. Neste pleito, 15.601 candidatos de 30 partidos – muitos deles em coligação – disputaram o cargo de prefeito e cerca de 450 mil, o de vereador, segundo estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Todos estavam inscritos desde o dia 30 de junho e, ao longo de 43 dias antes do pleito, partidos e coligações puderam divulgar suas candidaturas em horário gratuito na TV. Poucas horas após o encerramento das eleições, a maioria das cidades já conhecia o nome dos futuros prefeitos e vereadores e aquelas com mais de 200 mil eleitores, onde nenhum candidato obteve metade dos votos válidos (50%+1), iniciaram os preparativos para o 2º turno, agendado para o dia 28 de outubro.
Quando forem proclamados os resultados finais, o Brasil certamente terá mais uma vez dado provas da eficiência de seu sistema eleitoral. “Temos um modelo dos mais bem-sucedidos na promoção da justiça política”, avalia Fernando Limongi, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da Universidade de São Paulo (USP). O voto universal e obrigatório, o sistema de alistamento de eleitores, as urnas eletrônicas e até mesmo o horário eleitoral gratuito – que, em sua opinião, deve ser creditado na conta do financiamento público da campanha – contribuem de forma inequívoca para subtrair força de grupos de interesses e ampliar a participação política e, nos últimos 30 anos, ajudaram a consolidar a democracia no país. “A Justiça Eleitoral e as decisões do Congresso têm facilitado o acesso às urnas, permitindo que o eleitor se manifeste”, completa Argelina Maria Cheibub Figueiredo, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
A evolução do sistema eleitoral brasileiro é tema de estudo do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP, com a colaboração de pesquisadores ligados ao Projeto Temático Instituições políticas, padrões de interação Executivo-legislativo e capacidade governativa, coordenado por Limongi e Argelina, igualmente apoiado pela Fundação. “O nosso objetivo é analisar o sistema eleitoral brasileiro com um olhar menos comprometido com modelos de democracias mais avançadas ou com a ideia de que, no Brasil, há sempre uma catástrofe iminente”, ela explica.
Essa mesma perspectiva pautou a pesquisa de Jairo Nicolau, também da UFRJ, recentemente publicada no livro Eleições no Brasil – Do Império aos dias atuais, publicado pela Editora Zahar. “O Brasil tem uma das mais duradouras experiências com eleições no mundo, iniciada há 190 anos, e um sistema eleitoral dos mais eficientes, que dispensa a necessidade de observadores internacionais”, sublinha Nicolau. “Hoje temos eleições limpas, sem risco de fraudes. Há um ambiente democrático de liberdade. O eleitor decide e seu voto não é adulterado, o que permite criar um ambiente realmente competitivo.”
A experiência eleitoral brasileira teve início ainda no Império. Por meio de escolhas indiretas, homens católicos, com mais de 25 anos, proprietários de terra, entre outros requisitos das Ordenações do Reino, elegiam entre seus pares os eleitores que escolhiam os juízes, vereadores e procuradores. Na Primeira República, definidas as bases institucionais do novo regime – presidencialismo, federalismo e sistema bicameral –, foi instituído o voto direto de eleitores alfabetizados para a escolha de nomes para cargos executivos, ainda sem a exigência de inscrição prévia de candidatos ou partidos. As primeiras eleições competitivas e efetivamente democráticas, no entanto, só aconteceram em 1945, quando o Brasil emergiu do Estado Novo, de acordo com Limongi. “Eleição, por si só, não é suficiente para qualificar o regime nascente como democrático. A criação da Justiça Eleitoral, por exemplo, é parte deste amplo processo de transformação estrutural da sociedade”, ele diz. Mas o pleito que elegeu Eurico Gaspar Dutra presidente da República, deputados e senadores ocorreu em circunstâncias excepcionais, ele sublinha. O país estava sob o comando do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Linhares, que assumiu o cargo após a queda de Getúlio Vargas, afastou os interventores nos estados e determinou que os prefeitos vinculados a partidos políticos fossem substituídos por membros do Poder Judiciário. Com isso neutralizou o poder das oligarquias locais. Adicionalmente, naquela eleição a legislação limitou a inscrição a candidatos registrados por partidos políticos credenciados no TSE, o que dependia do apoio de 10 mil eleitores em cinco circunscrições eleitorais. Vinte partidos participaram da eleição em que se sagrou vitorioso o candidato do Partido Social Democrático (PSD), Dutra.
 
 
Participação

O processo de participação eleitoral avançou em 1950, quando o Congresso promulgou o novo Código Eleitoral, adotando a representação proporcional para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais e a regra majoritária para a eleição de presidente, governadores e prefeitos, e seus respectivos vices. As cédulas eleitorais, porém, ainda eram impressas pelos partidos. “O eleitor recebia o ’santinho’. Antes de ele entrar na cabine era preciso verificar se não estava levando um maço de cédulas, o que envolvia coação e controle do eleitor”, conta Limongi. O problema só seria resolvido a partir da década de 1960, quando as eleições majoritárias e proporcionais passaram a utilizar cédulas oficiais. “Foi um avanço, já que reduziu a possibilidade de impugnação do voto e o controle sobre o eleitor”, ele comenta.
Votar, no entanto, era empreitada difícil para o eleitor de baixa qualificação diante da “complicação” de escolher ou registrar o nome de candidatos na cédula eleitoral. Assim, apesar de ampliada a participação, cresceu o número de votos brancos e nulos nas eleições. “O custo de votar era muito alto, muita gente acabava excluída”, diz Limongi. O problema foi “atenuado” pelo bipartidarismo imposto pelo regime militar – já que facilitou o registro do nome de candidatos da cédula oficial, ampliando, paradoxalmente, o direito de voto. “No caso dos candidatos a deputados estadual e federal, o eleitor escrevia o nome ou o número do candidato ou marcava um x no lugar do partido.” O número de votos brancos e nulos caiu até as eleições de 1986, quando foram eleitos os deputados e senadores que seriam responsáveis pela elaboração da nova Constituição, já com o voto dos eleitores analfabetos, autorizado em maio de 1985 pela Emenda Constitucional nº 25. Essa restrição, aliás, já havia perdido importância eleitoral durante o regime militar, período em que caiu o índice de analfabetismo no país. “Quando a restrição caiu, cerca de 80% dos brasileiros já estavam aptos a votar”, contabiliza Limongi.
Voto eletrônico
A nova Carta adotou o sistema de maioria absoluta em dois turnos para a escolha dos chefes do Executivo – presidente, governadores e prefeitos de cidades com mais de 200 mil eleitores – se um dos candidatos não obtivesse mais de 50% dos votos válidos no primeiro turno. Em 15 de novembro de 1989 foram realizadas eleições diretas para a Presidência, depois de quase três décadas.
Ocorre que a Constituição estabeleceu também que o mandato do presidente seria de cinco anos. Assim, em 1994, houve coincidência nas eleições presidenciais, do Congresso Nacional e dos cargos estaduais. “Foram duas cédulas eleitorais: uma para as eleições majoritárias e outra para as proporcionais. A taxa de votos brancos e nulos explodiu”, lembra Limongi. Mais grave ainda foram as fraudes registradas em algumas zonas eleitorais do Rio de Janeiro e que resultou na anulação dos resultados do pleito para deputado estadual e federal no estado. “Era preciso mudar a forma de apuração dos votos e a saída foi a urna eletrônica”, afirma Limongi.
O sistema eletrônico de voto já vinha sendo testado desde 1990 em alguns municípios brasileiros, conta Nicolau. Em 1996 substituiu as cédulas de papel em 37 cidades – capitais e municípios com mais de 200 mil eleitores e, em 1998, foi utilizada pela primeira vez em eleições nacionais, em quatro estados e no Distrito Federal, até ser definitivamente adotada em todo o país em 2000. Desde então a variação de votos brancos e nulos estabilizou-se em torno de 10%, o risco de fraude desapareceu e as taxas de abstenção nas eleições estacionaram em 20%. “O próximo passo será a urna com identificação biométrica”, diz Nicolau.
O sucesso do sistema de representação no Brasil está na possibilidade de todas as forças políticas relevantes estarem representadas nas eleições. E contarem com algum espaço no horário eleitoral gratuito. “Não temos no país um partido político de extrema direita, tampouco partidos hiperliberais ou nacionalistas. Mas, se existissem, certamente seriam generosamente acolhidos”, afirma Nicolau.

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