Nelson Rodrigues foi um dos maiores frasistas brasileiros. Provavelmente o maior. Escolhemos máximas dele sobre a fidelidade e a traição para nossa série “Conversas com escritores mortos”.
Senhor Nelson, a maior parte de suas peças e contos tem como tema a traição. O que podemos nos dizer sobre ela?
Minha cara, só o inimigo não trai nunca.
Ora, do jeito que o senhor está falando me dá a entender que há tanto traíras quanto cornos em todas as famílias! É isso mesmo?
Não existe família sem adúltera. E o homem de bem, por sua vez, é um cadáver mal informado – não sabe que morreu. E não é só isso. Além disso, tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem.
Por que?
Porque o amor bem sucedido não interessa a ninguém.
Oh, sim, tem razão. Mas você considera a honestidade algo tão raro assim?
Não acredito em honestidade sem acidez, sem dieta ou sem úlcera.
E o que um homem deve fazer para prevenir-se da traição de sua esposa?
Não há o que fazer, infelizmente. Faça com que ela coma pouco, talvez funcione; afinal, a fome é mansa e casta – quem não come não ama nem odeia. É até deprimente pensar que, nos dias de hoje, até o ginecologista é uma ameaça. Para o bem dos homens, declaro que todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar com batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São Francisco de Assis, com luva de borracha e um passarinho em cada ombro.
E o que fazer em relação a isso?
Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há, no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las.
E é exatamente por isso que a fidelidade devia ser facultativa.
Mas se é tão inevitável assim, devemos perdoar as traições?
Só lhe digo uma coisa, minha cara: não se apresse em perdoar – a misericórdia também corrompe.
E você acha que devemos revelar as traições?
É simples; o marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca!
Você tem alguma dica a dar para os possíveis cornos? Isto é, como podemos detectar mais ou menos uma adúltera?
Se pretender seguir a esposa, aposte na sexta-feira. Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica. E ainda mais importante: Desconfie da esposa amável, da esposa gentil, cordial. A virtude é triste, azeda e neurastênica.(Camila Nogueira)
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/?p=12540
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