Ipaumirim tinha a maior feira da região. Devido à precariedade das estradas, o povo de Umari, Baixio, Santa Helena, Felizardo, e parte do município de Aurora e Lavras, se abasteciam em Ipaumirim.
Zé Macedo dominava o comércio de tecido quando nos anos 50 descarregava três caminhões de tecido a cada viagem que ia comprar em Recife.
José Alves de Oliveira dominava o mercado de secos e molhados abastecendo tudo quanto era bodega da região.
Naquele tempo não existia cheque nem promissória, muito menos cartão de crédito. Toda venda era anotada na caderneta, que Vicente Gomes chamava de “borrador”. Ninguém assinava sequer um vale. A confiança estava no fio do bigode. Portanto não existiam caloteiros. O termômetro que regulava o comércio era a força do inverno. Inverno bom, sinal de fartura e boas vendas. Ano de seca não se pagava as contas, só no próximo ano.
O crediário era aberto a todos, não existia “SPC”, nem “Serasa”. O período de maiores vendas era no início das chuvas, entre janeiro e março, quando se caracterizava o inverno. Chegava a faltar mercadoria tamanha a procura.
As compras realizadas nesse período iam para a caderneta, com vencimento em agosto ou setembro, ocasião da venda do algodão na Souza Fernandes. Não existia IOF, CPMF nem juros, porque também não existia inflação. Esta só teve inicio durante a construção de Brasília, e acelerou com a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961 e a posse de João Goulart.
A Feira começou a se esvaziar com a chegada do asfalto, do acesso ao rádio, da televisão e da aquisição de veículos para locomoção das cidades de Cajazeiras e Juazeiro.
No início dos anos 50 somente três ou quatro casas possuíam rádio e geladeira. A frota de veículos era formada pelos caminhões de Antônio Ribeiro, Seu Isidro, Zé Saraiva, Aristides Lisboa e Jaime Mateus. Quem possuía automóvel era Luís Barbosa, Ernani Dore (Ford 29), Zé Filinto, Juvenal, Cícero Fernandes e a “Fubica” de Nenca.
O pouco conhecimento que tenho de vendas, aprendi na Feira de Ipaumirim e outra coisa não fiz na vida, a não ser comprar e vender. Tudo o que aprendi agradeço ao meu pai e a Vicente Gomes de Morais, o qual tinha como irmão. Era menino, ainda de calças curtas, quando vivia do lado de dentro do balcão da Loja Macedo, com mais quatro vendedores atendendo os fregueses que chegavam das diversas localidades. Lembro-me que os tecidos mais vendidos na época eram brim Santista, tricoline da Torre, mescla Confiança, cáqui Floriano, todos para homens. Já para as mulheres existia chitas, com variadas padronagens, piquet e seda. Dona Iaiá costurava para os homens e Mirô era a modista das mulheres. Vendia-se também morim e algodãozinho que servia para lençóis de se cobrir e apanhar algodão. Outro produto vendido eram os famosos chapéus de marcas Prada e Ramezoni. Cobertores só vendiam no mês de julho, quando pela madrugada a temperatura ficava mais baixa. Os maiores fregueses da loja foram os produtores de algodão, dentre eles Luíz Nóbrega, Neco Jacinto, Mano Ferreira, Expedito Dantas, Chico Felizardo, Chico Pinto, Herminegildo, Zé Neco, Alexandre e Chico Irineu de Umari e João Vitor do Ouro Branco, Município de Lavras.
Faziam parte da feira os vendedores de calçados e confecções que vinham de Cajazeiras. Tinha um homem que trazia o peixe elétrico Puraquê em um pequeno aquário para fazer a propaganda e vender o óleo medicinal do peixe. Havia outro que trazia umas barras de gelo envoltas em raspa de madeiras e vendia a raspadinha com xaropes de uva, moranga, coco e groselha (ninguém conhecia sorvete).
Não faltava na Feira o Velho Custódio com sua banca de caipira. Fato interessante é que certo domingo, Pedão e Dominguinhos aprontaram uma com o velho. Dominguinhos, muito sabidamente, alterou um dado semelhante ao usado no jogo e marcou todos os lados do dado com o quatro. Enquanto Dominguinhos distraia o Velho, Pedão trocava o dado. A partir daí, Pedão passou a jogar dois mil réis no quatro, enquanto Dominguinhos jogava quinhentos réis nos demais números. O Velho já estava ficando “liso”, quando disse: “vou jogar a PORRA desse dado no mato, pois o diabo só dá o quatro”. Jogando o dado no chão, no canto do mercado, ainda desconfiado se aproximou para conferir, e mais uma vez deu quatro.
Quem não se lembra de Zé Bernadino da Bananeira que ao final das feiras desfilava bêbado em seu cavalo gritando: “VIVA DOUTOR ARRUDA”. A sorte dele era que o cavalo era adestrado e o conduzia tranquilamente até a sua casa.
Esses e muitos outros episódios fazem parte da história de Ipaumirim, em que a feira dos seus tempos áureos forma um capítulo especial, sendo recontados em forma de folclore para as futuras gerações.
Bosco Macedo
Fortaleza, 06.01.2008.
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