quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

QUARTA VIA

A linguagem do preconceito no jornalismo brasileiro *


Virou moda dizer que “Lula não entende das coisas”. Ou “confundiu isso com aquilo”. É a linguagem do preconceito, adotada até mesmo por jornalistas ilustres e escritores consagrados.
Bernardo Kucinski


Um dia encontrei Lula, ainda no Instituto Cidadania , empolgado por um livro de Câmara Cascudo sobre os hábitos alimentares dos nordestinos. Lula saboreava cada prato mencionado, cada fruta, cada ingrediente. Lembrei-me desse episódio ao ler a coluna recente do João Ubaldo Ribeiro, “De caju em caju”, em que ele goza o presidente por falar do caju, “sem conhecer bem o caju.” Dias antes, Lula havia feito um elogio apaixonado ao caju, no lançamento do Projeto Caju, que procura valorizar o uso da fruta na dieta do brasileiro.
“È uma pena que o presidente Lula não seja nordestino, portanto não conheça bem a farta presença sociocultural do caju naquela remota região do país...”, escreveu João Ubaldo. Alegou que Lula não era nordestino porque tinha vindo ainda pequeno para São Paulo. E em seguida esparramou-se citações sobre o caju, para mostrar sua própria erudição.
Estou falando de João Ubaldo porque além de escritor notável, ele já foi um grande jornalista. Outro jornalista ilustre, o querido Mino Carta, escreveu que Lula “confunde “ parlamentarismo com presidencialismo. .”Seria bom” , disse Mino, “ que alguém se dispusesse a explicar ao nosso presidente que no parlamentarismo o partido vencedor das eleições assume a chefia do governo por meio de seu líder...” Essa do Mino me fez lembrar outra ocasião, no Instituto Cidadania, em que Lula defendeu o parlamentarismo. Parlamentarista convicto, Lula diz que partidos são os instrumentos principais de ação política numa democracia. Pelo mesmo motivo Lula é a favor da lista partidária única e da tese de que o mandato pertence ao partido. Em outubro de 2001, o Instituto Cidadania iniciou uma série de seminários para o Projeto Reforma Política, que Lula fazia questão de assistir do começo ao fim. Desses seminários resultou o livro de 18 ensaios, “ Reforma Política e Cidadania, organizado por Maria Victória Benevides e Fábio Kerche e prefaciados por Lula.
Se pessoas com a formação de um Mino Carta ou João Ubaldo sucumbiram à linguagem do preconceito, temos mais é que perdoar as dezenas de jornalistas de menos prestígio que também dizem o tempo todo que “Lula não sabe nada disso, nada daquilo“. Acabou virando o que em teoria do jornalismo chamamos de “clichê.” É muito mais fácil escrever usando um clichê porque ele sintetiza idéias com a quais o leitor já está familiarizado, de tanto que foi repetido. O clichê estabelece de imediato uma identidade entre o que o jornalista quer dizer e o que o leitor quer compreender. Por isso, o clichê do preconceito “Lula não entende” realimenta o próprio preconceito.
Alguns jornalistas sabem que Lula não é nem um pouco ignorante mas propagam essa tese por malandragem política. Nesse caso, pode-se dizer que é uma postura contrária à ética jornalística, mas não que seja preconceituosa. Aproveitam qualquer exclamação ou uso de linguagem figurada de Lula, para dizer que ele é ignorante. “Por que Lula não se informa antes de falar?, escreveu Ricardo Noblat, quando Lula disse que o caso da menina presa junto com homens no Pará “parecia coisa de ficção” . Quando Lula disse, até com originalidade, que ainda faltava à política externa brasileira achar “ o ponto G”, William Waack escreveu : “Ficou claro que o presidente brasileiro não sabe o que é o ponto G”.
Outra expressão preconceituosa que pegou é “ Lula confunde”. A tal ponto que jornalistas passam a usar essa expressão para fazer seus próprios jogos de palavras. “Lula confunde agitação com trabalho”, escreveu Lúcia Hipólito. Ou usam o confunde para desqualificar uma posição programática do presidente com a qual não concordam.. “O presidente confunde choque de gestão com aumento de contratações”, diz José Pastore . Confunde coisa alguma. Os neo liberais querem reduzir o tamanho do Estado, o presidente quer aumentar. Quer contratar mais médicos, professores, biólogos para o Ibama. É uma divergência programática. Carlos Alberto Sardenberg diz que Lula confundiu a Vale com uma estatal. “ Trata-a como se fosse a Petrobrás, empresa que segundo o presidente não pode pensar só em lucro, mas em,digamos, ajudar o Brasil.” Esse caso é curioso porque no parágrafo seguinte o próprio Sardenberg pode ser acusado de confundir as coisas, ao reclamar da Petrobrás contratar a construção de petroleiros no país pela, apesar de custar mais. Não tem confusão nenhuma, assim como Lula também não fez confusão. Lula acha que tanto a Vale quanto a Petrobrás tem que atender interesses nacionais. Sardenberg acha que ambas devem pensar primeiro na remuneração dos acionistas.
A linguagem do preconceito contra Lula sofisticou-se a tal ponto que adquiriu novas dimensões entre elas a de que Lula tem até problemas de aprendizagem ou compreensão da realidade. Ora, justamente por ter tido pouca educação formal, Lula só chegou onde chegou por captar rapidamente novos conhecimentos, além de ter memória de elefante e intuição. Mas na linguagem do preconceito, “ Lula já não consegue mais encadear frases com alguma conseqüência lógica”, como escreveu o Paulo Ghiraldelli , apresentado como filósofo na página de comentários importantes do Estadão. Ou, como escreveu Rolf Kunz, jornalista especializado em economia e também professor de filosofia: “Lula não se conforma com o fato de , mesmo sendo presidente, não entender o que ocorre à sua volta.”
Como nasceu a linguagem do preconceito? As investidas vem de longe. Mas o predomínio dessa linguagem na crônica política só se deu depois de Lula ser eleito presidente, e a partir de falas de políticos do PSDB e dos que hoje se autodenominam Democratas. : “O presidente Lula não sabe o que é pacto federativo, disse Serra, no ano passado. ”. E continuam a falar.: “ O presidente Lula não sabe distinguir a ordem das prioridades””, escreveu Gilberto de Mello. ” O presidente Lula em cinco anos não aprendeu lições básicas de gestão”, escreveu Everardo Maciel na Gazeta Mercantil.
A tese de que Lula confunde presidencialismo com parlamentarismo foi enunciada primeiro por Rodrigo Maia, logo depois por César Maia, e só então repetido pos jornalistas. Um deles, dias depois dessas falas, escreveu que “só mesmo Lula, que não sabe a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo, pode achar que um governante ter a aprovação da maioria é o mesmo que ser uma democracia no seu sentido exato.” ...”
O pre-conceito é juízo de valor que se faz sem conhecer os fatos. Em geral é fruto de uma generalização ou de um senso comum rebaixado. O preconceito contra Lula tem pelo menos duas raízes: a visão de classe, de que todo operário é ignorante, e a supervalorização do saber erudito, em detrimento de outras formas de saber, tais como o saber popular ou o que advém da experiência ou do exercício da liderança. Também não aceitam a possibilidades das pessoas transitarem por formas diferentes de saber.
A isso tudo se soma o outro preconceito, o de que Lula não trabalha. Todo jornalista que cobre o Palácio do Planalto sabe que é mentira, que Lula trabalha 12 a 14 horas por dia Lula, mas ele é descrito com freqüência por jornalistas como uma pessoa indolente.
Não atino com o sentido dessa mentira, exceto se o objetivo é difamar uma liderança operária, o que é, convenhamos, uma explicação pobre. Talvez as elites e com elas os jornalistas, não consigam aceitar que o presidente, ao estudar um problema com seus ministros esteja trabalhando, já que ele é “ incapaz de entender” o tal problema. Ou achem que ao representar o Estado ou o país, esteja apenas passeando, porque onde já se viu um operário, além do mais ignorante, representar um país?.
* Publicado originalmente na edição de janeiro de 2008 da Revista do Brasil (http://www.revistadobrasil.net/)

Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é colaborador da Carta Maior e autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/


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Professores em extinção



O número de professores que se formam no país não está acompanhando o número de matrículas da Educação Básica. O relatório "Escassez de Professores no Ensino Médio: Soluções Estruturais e Emergenciais", feito pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), aponta que faltam hoje 246 mil professores nas disciplinas exatas -- física, química, matemática e biologia -- de 5ª a 8ª séries e nos três anos do ensino médio.
Em 2007, havia 8,3 milhões de alunos matriculados no ensino médio, e 32 milhões no ensino fundamental, de um total de quase 53 milhões de alunos (ensino infantil, médio, de jovens e adultos e especial). A maioria -- 46,6 milhões -- está em escolas públicas.
O problema não é novo. Há mais de 20 anos a falta de professores já vem sendo sentida. Um outro levantamento, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), de 2003, confirma que os baixos salários são o principal motivo que afasta o jovem da opção pelo magistério, além da violência e das más condições de trabalho dentro das escolas. Problemas que também afetam quem já está em sala de aula: por causa da baixa remuneração, o professor busca mais de um emprego e encara jornadas de até 40 horas semanais. Uma rotina que o impede de melhorar sua qualificação, degrada sua saúde, provoca faltas ou até o faz abandonar a carreira, o que contribui também para o déficit. A situação está se agravando porque mais da metade dos docentes estão perto da idade para se aposentar.
O relatório do CNE propõe algumas medidas -- nenhuma de longo prazo -- para combater agora esse problema: a contratação de professores já aposentados com benefícios adicionais, o adiamento de aposentadorias de professores dessas disciplinas problemáticas e até a contratação de alunos universitários que ainda não se formaram.


Melhorando a formação docente

A má qualidade do ensino público brasileiro é problema histórico. E começa ainda na formação do professor. Há pelo menos 10 anos, o Ministério da Educação vem tentando mudar esse quadro: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), de 1996, tornou obrigatório o diploma universitário para professores de 5a a 8a séries e do ensino médio, e o magistério (antigo normal, de nível médio) para professores da pré-escola e da educação infantil. Mas ainda existem em média 20% dos 2,6 milhões de docentes em atividade que não possuem o certificado.
O MEC mantém uma Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica, que reúne 19 universidades voltadas para a melhoria da qualificação profissional de professores, diretores e equipes pedagógicas. O trabalho, feito em parceria com governos estaduais e municipais, envolve a produção de pesquisa, material didático-pedagógico e cursos de atualização em serviço.
A criação do Fundef -- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, em 1996, e seu substituto, o atual Fundeb (que amplia o atendimento à educação infantil e ao ensino médio), condicionam 60% dos recursos para a remuneração do docente, o que ajudou a melhorar um pouco a situação. Mas ainda não é o bastante.

Remuneração insuficiente

Estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 38 países, coloca o Brasil como um dos três países que paga pior aos seus professores -- o piso salarial chega, em média, a R$ 500.
O projeto de lei que fixa o piso nacional para o professor entre R$ 900 (com nível médio e jornada de 25 horas semanais) e R$ 1.100 (com curso superior e mesma jornada) está parado no Congresso Nacional desde agosto do ano passado. Os governos municipais defendem um piso único de R$ 850, incluindo gratificação, com 40 horas semanais. Se essa proposta vencer, ficará mais difícil ainda para o país conseguir combater o déficit no magistério que, neste ritmo, pode se tornar profissão extinta em 2021.

Patrícia Costa - editora de jornalismo do programa Nós da Escola, da Multirio.
Fonte:
http://www.opiniaoenoticia.com.br
ENTENDENDO O FUNDEB
"O fundef é um fundo que é repassado aos municípios para que a verba fosse aplicada na educação, especificamente ao do ensino fundamental. O FUNDEB é a mesma coisa, só que ampliada ao ensido de educação infantil. Quanto a verba que os professores recebem, se trata da sobra dos valores que não foram aplicados. Como esse dinheiro chega ao governo que é direcionado às escolas? Por meio de impostos que pagamos de várias formas. Quando você paga uma multa por exemplo parte da quantia de impostos é direcionada para a aplicação na educação. Quanto ao repasse fiel das quantias e da aplicação em cada município, cabe aos representantes legais de cada governo. Há também eleições com funcionários da área de educação, para que estes supervisionem o repasse da verba. "
CIDADANIA É INFORMAÇÃO, REFLEXÃO E PARTICIPAÇÃO
É sempre bom dar uma paradinha e refletir sobre estas questões em nosso município. Como são administrados e aplicados estes recursos? Como se comporta a Câmara de Vereadores diante de uma questão tão delicada como a educação? E os professores, como se posicionam em torno de seus interesses? E a comunidade? O que faz para participar ativamente de uma questão fundamental que é a educação das crianças? Diga não aos boatos. Procure o melhor caminho. Informe-se, cobre, participe.

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