Alessandra Corrêa
Da BBC Brasil em São Paulo
Segundo um estudo publicado no início do ano pela Firjan
(Federação das Indústrias do Estado do Rio), com base em dados que vão até
2010, 94% dos mais de 5 mil municípios brasileiros têm nessas transferências
pelo menos 70% de suas receitas correntes, e 83% não conseguem gerar nem 20% de
suas receitas.
Em 2010, o forte desempenho econômico e um crescimento na
arrecadação pública beneficiaram os municípios com um aumento nas receitas,
tanto próprias quanto de transferências.
Mesmo nesse cenário, o levantamento da Firjan revela que um
quinto dos municípios virou o ano no vermelho, com mais dívidas do ano anterior
do que recursos em caixa.
Para os autores do estudo, essa realidade é fruto de má
administração, que faz com que o maior repasse de recursos não se traduza em
melhor qualidade nos serviços prestados à população.
"É primordial o acompanhamento da aplicação dos recursos
que estão sob a responsabilidade das prefeituras, elo mais próximo do setor
público com o cidadão-contribuinte", diz o estudo.
Com a descentralização administrativa desencadeada a partir da
Constituição de 1988, houve um aumento das transferências da União e dos
governos estaduais aos municípios.
Segundo o estudo da Firjan, porém, a contrapartida esperada, que
era uma maior atuação dos governos locais, principalmente nas áreas de saúde e
educação e em investimentos, não se concretizou.
"Investimentos em educação, saúde e infraestrutura urbana
ficaram à margem do crescimento das receitas municipais."
Fatores
Em alguns casos, fatores como a localização geográfica, na área
rural, ou o tamanho reduzido da população, tornam a autosustentação de um
município inviável.
"Cerca de 80% dos municípios têm população igual ou
inferior a 30 mil pessoas", disse à BBC Brasil o especialista em
administração e políticas públicas Francisco Vignoli, da FGV Projetos.
"Mesmo se fizerem tudo certo, não teriam como se
sustentar."
No entanto, segundo o gerente de Desenvolvimento Econômico da
Firjan, Guilherme Mercês, há municípios pequenos que, mesmo dependentes de repasses,
têm boa gestão.
A maioria, porém, independentemente de tamanho, sofre com má
administração, diz Mercês, e 64% dos municípios brasileiros estão em situação
fiscal considerada difícil ou crítica.
No caso dos novos municípios, a dependência é ainda mais
acentuada. Dos 1.480 municípios criados desde 1980, só 28 têm situação
considerada excelente ou boa em relação à geração de receita própria.
"Precisamos de uma discussão sobre os critérios de
distribuição de recursos", disse Mercês à BBC Brasil.
Gastos com pessoal
Na maioria dos casos, a folha de pagamento consome boa parte dos
recursos, e pouco sobra para investimentos. De acordo com a Firjan, somente 83
dos 5.565 municípios brasileiros geram receitas suficientes para pagar seus
funcionários.
O limite de 60% da receita corrente líquida para despesas com
funcionalismo, estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, não
apenas não é respeitado por todos como, segundo a Firjan, "parece ter
oferecido incentivos contrários às prefeituras que gastavam menos".
Em 10 anos, esses gastos passaram de 43,2% para 50% dos
orçamentos municipais. Para investimentos, a parcela permaneceu em cerca de
10%.
"Gastos com pessoal são difíceis de ser revertidos",
diz Mercês. "Municípios que comprometem muito com esses gastos acabam
tirando espaço de investimentos."
Em declarações na época da divulgação do estudo, o presidente da
Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, criticou a
interpretação dos dados feita pela Firjan. Segundo Ziulkoski, grande parte dos
gastos dos municípios com pessoal são destinados ao magistério.
Além disso, ele disse que o estudo passava a ideia errônea de
que os municípios não arrecadam nada, quando na verdade, a maioria tem
arrecadação baixa, por ter perfil agropecuário.
Para Mercês, é preciso que a discussão sobre essa situação de
dependência e má gestão dos municípios venha à tona.
"É preciso cobrar dos governantes, participar do
debate", afirma. "Ou vai se cristalizar no Brasil o quadro de uma
carga tributária muito elevada, de país desenvolvido, sem a
contrapartida."
Nenhum comentário:
Postar um comentário