(Kiko Nogueira)
A filha de meu amigo havia morrido. Tinha 16 anos. Passou mal no carro de colegas quando voltava da escola, entrou em coma e não acordou mais. Assim, sem mais nem menos. Uma dessas brutalidades da vida, uma das provas de que ela não faz sentido. E então aconteceu a missa de sétimo dia na Igreja da Cruz Torta, em Pinheiros, São Paulo.
O lugar estava lotado. Aquela estranha impessoalidade dos ritos católicos, em que o nome da pessoa que morreu é mencionado en passant, como um ingrediente exótico de uma receita. A hora da comunhão chegou. Como eu, a maioria dos presentes fora criada num lar católico e não frequentava mais a igreja. Mas a comunhão era uma oportunidade de retomar, de alguma maneira, um laço religioso, uma homenagem sentimental a um passado. Fomos interrompidos pelo padre: “Devo lembra-los de que só quem vai à missa todos os domingos pode comungar. A comunhão pode parecer muito divertida, mas quem não vai à missa não é um católico de verdade e não pode participar. Ou irá para o inferno.”
A mãe da menina levantou-se e ensaiou um breve protesto. “Como é que o senhor fala isso?”, ela perguntava. Ele não respondeu. Apenas um casal se ergueu e comeu a hóstia das mãos do padre com um ar ligeiramente triunfante (os dois, aliás, não estavam ali por causa da garota). A missa terminou e o rebanho voltou para casa.
“A Igreja está 200 anos atrasada”, disse o cardeal Carlo Martini, arcebispo de Milão, um progressista respeitado e ouvido também pelos setores mais conservadores. Martini morreu na sexta-feira depois de dez anos de Mal de Parkinson e esse foi o teor de sua última entrevista ao Corriere della Sera. Incentivador do diálogo com ateus e homossexuais, ele achava que sua igreja deveria ser mais aberta e compreensiva com o mundo contemporâneo. Seu último livro, em parceria com o filósofo e escritor Umberto Eco, chama-se Em Que Crêem Os Que Não Crêem.
O cardeal criticava a encíclica Humanae Vitae, de 1968, que condenava o uso de preservativos. Segundo ele, isso levara ao “afastamento de muitas pessoas”. “Nossos lugares de oração estão vazios”, disse. Esse distanciamente não se deve apenas às diretrizes do Vaticano, mas à dificuldade de se conectar com as necessidades mais básicas dos fieis – como a de ser confortado diante da morte de um adolescente. A igreja não precisa ser de esquerda ou direita, mas não deveria deixar ninguém na chuva.
O catolicismo perdeu espaço para diversas seitas, como a do picareta reverendo Moon, morto no domingo aos 92 anos, fundador da Igreja da Unificação, que deixou um império bilionário espalhado pelo planeta na forma de jornais, tevês, hotéis, universidades. No Brasil, era dono de um time de futebol e de 80 mil hectares no Mato Grosso do Sul. Moon foi alvo de uma CPI. Nos Estados Unidos, ficou 13 meses preso por evasão fiscal entre 1984 e 1985. Isso apesar da ligação íntima com o governo Reagan (anti-comunista de coração, Moon “previu” que Reagan seria eleito e depois apoiou fervorosamente seu governo em seus jornais). Moon se preocupava com os jovens que se afastavam da fé para utilizar bebidas e drogas.
Tanto o cardeal Martini quanto o reverendo Moon queriam a mesma coisa: encher seus templos milionários. Cada um deles tinha sua razão. Mas Deus sabe que, no final das contas, estamos irremediavelmente sós.
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