sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Da inutilidade

 
(Carla Hilário Quevedo)
 
Numa entrevista recente a Judite de Sousa, o ministro da Educação, Nuno Crato, afirmou que uma pessoa que se esforçasse e estudasse os assuntos que mais lhe interessam poderia ser bem sucedida na vida. O exemplo que escolheu foi o estudo do latim, para horror da entrevistadora. Nuno Crato defendeu que, quem queira ensinar latim, tem a possibilidade de viver daquilo a que se dedicou desde que estude para ser o melhor na sua área. Penso que, de uma forma geral, tem razão, mas a vida tem o problema e a graça de não ser o resultado de uma fórmula. O esforço e a dedicação são fundamentais, mas não são garantias, sobretudo num país de poucas oportunidades como o nosso.
Estudar latim, além do mais, não leva necessariamente à nobre profissão de professor de latim. Pode não parecer, mas esta é uma boa notícia. E não parece porque há a ideia, que me parece limitada, de que é preciso haver uma correspondência exacta entre o que se estuda e o que se faz na vida. Até podia acontecer, há uns anos, e daí as certezas sobre empregos para a vida. Um médico acabava o curso, estudava mais uns dez anos depois disso, mas sabia que o esforço e o tempo compensariam no final. Hoje em dia, mesmo em medicina, não há certezas. O desafio difícil das novas gerações em Portugal é o de ainda serem confrontadas com a ideia de que é preciso ter estudado x para ser x. Não tem de ser assim, mas a responsabilidade de mudar a mentalidade no que diz respeito aos perfis das pessoas a contratar não tem de ser das universidades, mas das empresas.
Penso que ninguém defende a manutenção de escolas e cursos sem qualidade e, infelizmente, não nos podemos dar ao luxo de sustentar aulas com dois alunos inscritos. Mas daí a exigir às universidades que provem a empregabilidade dos seus cursos vai uma distância enorme. O problema é abordado sempre que se fala das humanidades, encaradas como uma perda de tempo num mundo cada vez mais embrutecido. O que vai fazer quem decida estudar filosofia? Ou história? Ou literatura grega? Num mercado de trabalho reduzido e a funcionar mal, as perspectivas de futuro são pouco animadoras.
Mas a solução não é transformar as universidades em escolas de formação profissional, libertando as empresas da responsabilidade de formar os seus quadros. Não é para isso que serve a universidade, que, nas palavras do filósofo Michael Oakeshott, no ensaio "The Idea of a University", "não é uma máquina para atingir um objectivo particular nem produzir um resultado particular: é uma forma de actividade humana". A actividade consiste na "busca da aprendizagem", constitutiva de uma sociedade civilizada. Justificar a necessidade da universidade levou a uma resposta perversa que se adequa a uma sociedade fragilizada pela pobreza: a empregabilidade dos cursos.
As respostas são, no entanto, bastantes antigas. Não se trata de "aprender literatura", um exemplo, porque "dá para" o desempenho de uma função específica. Estamos a falar de aprender a distinguir o bom do mau, o que é verdadeiro do que não é. Aprender sobre os outros, sobre nós. Como preparação para o mercado de trabalho, não está nada mal.
 

Nenhum comentário: